CRÍTICA
Teolinda Gersão, ATRÁS DA PORTA E OUTRAS HISTÓRIAS, Lisboa, Porto Editora / 2019
Teolinda Gersão, ATRÁS DA PORTA E OUTRAS HISTÓRIAS, Lisboa, Porto Editora / 2019
Teolinda Gersão, consagradíssima autora de Atrás da Porta e Outras Histórias, o seu mais recente título, ofereceu à Literatura Portuguesa seis romances, seis colectâneas de contos, duas novelas, dois volumes de diário e um livro infanto-juvenil, ou seja, um total de dezoito títulos, em trinta e sete anos de vida literária, que lhe valeram treze prémios no arco temporal de 1981 e 2018, para além da sua produção ensaística, enquanto professora catedrática de Literatura Alemã e de Literatura Comparada.
Autobiografia, de José Luís Peixoto
Talvez devamos começar pelo jogo de ilusão patente na capa, pois ao título de Autobiografia segue-se a categorização de Romance, sobre um fundo de páginas em branco rasgadas. Não estamos portanto, pensa o leitor, no campo das biografias romanceadas. Talvez seja um daqueles romances em que se cruza a memória e vivência pessoal com a ficção? Mas depara-se o leitor, ao adentrar-se no romance, com uma epígrafe de Saramago em que se salvaguarda que «tudo é autobiografia» para depois, logo na primeira linha, encontrar a frase «Saramago escreveu a última frase do romance.» (p. 9) E, duas páginas depois, quando lemos que a campainha tocou, quem se levanta para abrir a porta é José. José Saramago, portanto, pensa o leitor, apenas para páginas adiante se aperceber que este José fala de um outro José (Saramago), que este José está a tentar escrever o seu segundo livro, e se sente partido em pedaços, enquanto o outro, Saramago, se sente completo, terminado de escrever o seu mais recente romance, intitulado Todos os Nomes, com um protagonista – de seu nome José… José, o deste livro, venceu ainda um prémio com o seu primeiro romance, à semelhança do autor, o verdadeiro, que ganhou o Prémio José Saramago (na sua segunda edição, em 2001, atribuído pela Fundação Círculo de Leitores) por volta da mesma idade do jovem escritor, personagem, com o seu primeiro livro. E este jovem escritor, José, será depois convidado a escrever a biografia do outro José, o Nobel, desdobrando-se este Autobiografia num universo literário de múltiplas realidades paralelas.
Leitura da Semana: Uma Vida Inteira, de Robert Seethaler
Esta semana, Paulo Serra propõe a leitura de uma obra de Robert Seethaler, que foi Livro do Ano em 2014 na Alemanha onde vendeu mais de um milhão de exemplares, foi finalista do Man Booker International em 2016 e do International Dublin Award em 2017
ACTAS DA MAIANGA… DIZER DAS GUERRAS, EM ANGOLA…
RUY DUARTE DE CARVALHO
Dizer da guerra a quem? E para dizer o quê?
Esperam, da guerra, aí, é que se diga o quê? Retratos dela para ilustrar [para confirmar] o horror? Tem saída e colhe: por vir também nutrir razões, confirmações de quem [fora de Angola e fora da guerra], porque “previu” o horror [e por isso fugiu, ou se alheou ou se manteve ainda assim atento mas a olhar de lado], adrega agora até achar comprazimento na desgraça provada, e consumada. E na perpetuação, na reprodução e na confirmação do horror. O que quer ler e lê, antes do mais, é o que sustem a maldição: a obstrução de qualquer hipótese de redenção, presente ou à vista, liquidada que foi, afinal pela história, a hipótese perdida [colonial e burra], de um horror mais brando [paternalista e esconso], tido como legítimo pela razão serôdia de um certo tempo [colonial, salazarista, marcelista e mesmo abrilista], pela ordem dita natural [“racionalista”, “iluminista”] das coisas, e a favor do abuso do corpo e o sufoco da voz do “outro”, o mesmo, exacto, que mata e morre, agora, na decorrência ainda de um tal passado assim. Pag. 22/23

Lendo-se no ondular da sensação ou Uma concepção proustiana de literatura
Obra póstuma da autoria de Marcel Proust, Contre Sainte-Beuve parece, em boa verdade, ser um original manifesto literário. Por entre as várias páginas desse seu livro, o escritor expõe uma concepção pessoal de literatura, apresentando-a como expressão de um eu que, no âmago da solitude, em toda a sua poesia se desvela. Despojando-se desse outro eu frívolo que nas relações sociais superficialmente se exibe, o artista trilha um caminho até ao mais íntimo de si mesmo, dando voz, nessa sua travessia, ao que de mais profundo em si repousa. Sibila-nos Proust, por entre o folhear de um dos seus cadernos: (mais…)

“O Pianista de Hotel”, de Rodrigo Guedes de Carvalho
Rodrigo Guedes de Carvalho, nascido em 1963 no Porto, é uma presença assídua na vida de muitos portugueses, como apresentador do telejornal das 20 horas na SIC, mas é bom lembrar que já escrevia antes de se tornar conhecido como pivô e nos entrar pela casa dentro. Escreveu ainda argumentos cinematográficos, como Coisa Ruim, filme realizado pelo irmão Tiago Guedes, e um guião para teatro. Pertenceu à direcção de informação da SIC entre 2007 e 2016, interregno em que suspendeu a sua paixão pela escrita. Dez anos depois do seu anterior romance, Canário, Rodrigo Guedes de Carvalho regressa à ficção, com O Pianista de Hotel, o seu quinto romance, publicado em Maio de 2017 pela Dom Quixote, e que soma já várias edições.

“Ponta Gea”: um bairro no coração da memória de João Paulo Borges Coelho
Ponta Gea é o mais recente livro de João Paulo Borges Coelho e provavelmente o mais corajoso, assumindo não somente uma narrativa feita na primeira pessoa como também uma perspectiva em que os acontecimentos narrados são filtrados a partir do espaço-memória de infância. O autor, muitas vezes enquanto criança, rememora os lugares que persistem, muitas vezes, apenas na memória e na imaginação de uma cidade inventada.

“Os Loucos da Rua Mazur”, de João Pinto Coelho
O autor, nascido em Londres em 1967, arquitecto e professor de Artes Visuais, foi finalista do Prémio Leya em 2014 com Perguntem a Sarah Gross, livro que foi depois publicado pela Leya (como tem acontecido com as obras finalistas) e escolhido como Melhor Livro de Ficção Narrativa de 2015 pela Sociedade Portuguesa de Autores. Neste segundo romance, vencedor do Prémio Leya de 2017, João Pinto Coelho regressa à Polónia, país onde integrou já duas acções do Conselho da Europa em Auschwitz, trabalhou proximamente com vários investigadores do Holocausto e realizou intervenções públicas sobre essa matéria.

“A Nossa Alegria Chegou”, de Alexandra Lucas Coelho
A Nossa Alegria Chegou, o quarto romance de Alexandra Lucas Coelho e o seu décimo livro, publicado pela Companhia das Letras – que está a relançar as suas outras obras -, quebra diversas convenções e géneros, e instaura um território ficcional difícil de definir, sem a complexidade narrativa de deus-dará, onde sete narrativas se cruzam, em sete dias, num romance transgénero que liga passado e presente.
«Alguns mamíferos sabem que vão morrer. Estes três sabem que podem morrer hoje.» (p. 17) (mais…)
“O centro do mundo”, de Ana Cristina Leonardo
Ana Cristina Leonardo nasceu em Olhão em 1959. Estudou Filosofia e colabora semanalmente com o Expresso, onde publica uma crónica regular e também faz crítica literária. O centro do mundo é o seu primeiro romance e esperemos que outros lhe sucedam.
O centro do mundo não é biografia ficcionada nem romance histórico, mas sim uma narrativa pós-moderna que conta as desventuras de um herói pícaro em pano de fundo àquela que parece ser a verdadeira heroína do romance, essa vila cubista do Sul da Europa, de seu nome Olhão, onde Boris chega no dia 18 de Maio de 1935, e que será aqui narrada sem lastro nem verniz.
Vidas e Vozes do Mar e do Peixe, de Maria Manuel Valagão, Nídia Braz e Vasco Célio
Para falar do prazer que me deu descobrir e ler este livro agora publicado pela Tinta da China, numa belíssima e luxuosa edição, de grande dimensão, assumindo-se em simultâneo como um documento etnológico, um hino ao resgate da cultura local, um álbum de fotografias e uma espécie de postal dos produtos marítimos algarvios, tenho de fazer um intróito em que recapitulo as memórias da minha infância que estão fortemente ligadas a esta área geográfica, ao mar e, consequentemente, a esta obra. (mais…)
O luto de uma nação: “Choriro”, de Ungulani Ba Ka Khosa
Choriro, de Ungulani Ba Ka Khosa, foi publicado em Maio de 2015 pela Sextante Editora.
Apesar de muito pouco falado em Portugal, Ungulani (antes Francisco) Ba Ka Khosa é, de entre os escritores moçambicanos, o mais reconhecido da sua geração e integra a lista dos cem melhores autores africanos do século XX. A sua primeira obra, Ualalapi (1987), obteve o Grande Prémio de Ficção Moçambicana em 1990, e Os sobreviventes da Noite (2007) o prémio José Craveirinha de Literatura em 2007. Todavia, a não ser por Ualalapi, publicado pela Caminho, e Choriro, obra originalmente publicada no ano de 2009 em Moçambique e agora publicada pela Sextante numa edição revista, é praticamente impossível encontrar as suas obras em Portugal. As restantes obras são, aliás, colectâneas de contos.
Uma Furtiva Lágrima, de Nélida Piñon
Se o nome causa alguma estranheza é por causa da sua herança galega, pois os seus avós galegos emigraram para o Brasil. A escritora brasileira Nélida Piñon nasceu em 1937 no Rio de Janeiro. Formou-se em Jornalismo em 1956 na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Colaborou em vários jornais e revistas literários e foi correspondente no Brasil da revista Mundo Nuevo, de Paris. Publicou o seu primeiro romance, Guia-Mapa de Gabriel Arcanjo, em 1961.
Nélida Piñon foi homenageada na edição deste ano do Correntes d’Escritas e recebeu, no passado dia 1 de Março, o Prémio Literário Vergílio Ferreira 2019, atribuído pela Universidade de Évora.
Ernesto Rodrigues, UM PASSADO IMPREVISÍVEL, Gradiva, 2018
Depois do romance Uma Bondade Perfeita, que lhe valeu o Prémio PEN Clube Português – Novelística, Ernesto Rodrigues publica um volume de memórias, Um passado imprevisível. Em três partes, o escritor,
ensaísta e prof. universitário, atual diretor do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Universidade de Lisboa, recorda lugares, personagens e acontecimentos que marcaram a sua vida. Dois fios sobressaem: os anos passados junto ao Danúbio, em Budapeste, onde foi leitor de Português, e uma visita a Moçambique. “Voltar aos lugares onde fomos felizes torna-nos lentos”, escreve a páginas tantas Ernesto Rodrigues. “Sobretudo, quando perdemos vozes. Não podemos recompor os passos do corredor, a saudação de um rosto que amámos – como seria agora, se o reencontrássemos? -, a gentileza de um funcionário. ”
[[texto publicado no Jornal de Letras, Artes e Ideias, de 24 de Outubro de 2018]
De um outro existencialismo e de um mundo de sombras
É simples: não há história sequencial. Cada novo texto revê o anterior. Cada noite a da véspera. Assim, tudo, para ele era borrão, excepto o último.
Ernesto Rodrigues, Um Passado Imprevisível
Da vasta obra de Ernesto Rodrigues, que inclui ensaio, poesia e ficção, retenho com especial interesse os seus romances Passos Perdidos (2014) e Uma Bondade Perfeita (2016), este que viria a vencer o Prémio Pen Clube Português no ano seguinte. Acabo agora de ler a sua mais recente peça de ficção, Um Passado Imprevisível, cujo título já contém em si essa ironia de nunca nos conhecermos por completo, muito menos os outros e os relacionamentos mais marcantes das suas e nossas vidas. (mais…)
Nenhum homem é uma ilha
Por este mundo acima é um livro peculiar de uma autora que, como tantos outros nomes que inundam os escaparates das livrarias, é também jornalista. No entanto, a sua escrita é de uma sensibilidade apurada e toca temas de forma alegórica enquanto outros insistem em mastigar e deglutir a mensagem por inteiro. Patrícia Reis nasceu em 1970, estudou História de Arte e Comunicação, tendo passado por diversos órgãos de comunicação, como o Expresso, Marie Claire e, mais recentemente, dirige a revista Egoísta. No final do ano passado lançou dois livros, o romance Contracorpo, e uma entrevista em jeito de conversa com Simone de Oliveira, intitulada Força de viver. É ainda autora juvenil, tendo escrito uma interessante coleção que apresenta, através do Micas, diversos museus e instituições culturais. (mais…)
A promessa de um instante
A noite das mulheres cantoras, o último romance de Lídia Jorge, foi publicado depois de um interregno de quatro anos, tendo sido atribuídos à autora o Prémio da Latinidade, de Escritora Galega Universal, e o Doutoramento Honoris Causa, pela Universidade do Algarve. A sua escrita reflecte acerca de diversos aspectos sociais, sempre centrada nos problemas da actualidade, sem perder o burilar lento e ritmado de uma linguagem poética, por oposição à arte que se consome fugazmente e não deixa sequelas.

“A Febre das Almas Sensíveis”, de Isabel Rio Novo
Não posso, antes de escrever sobre o livro, deixar de recordar uma amiga que me dizia que nunca, em várias tentativas, conseguiu persistir na leitura de A Montanha Mágica, pois a partir da página 100, e consoante a descrição do ambiente no sanatório se torna mais vívida, esta minha amiga é acometida por insistentes ataques de tosse numa qualquer reacção psicossomática que acabou por criar aversão ao livro.

“Gungunhana”, Ungulani Ba Ka Khosa
Ungulani Ba Ka Khosa é dos escritores moçambicanos mais reconhecidos da sua geração. Francisco Esaú Cossa nasceu a 1 de Agosto de 1957 em Inhaminga, na província de Sofala, membro da tribo étnica Tsonga e falante da língua Tsonga, e adoptou como “pseudónimo” o seu nome Tsonga. Formado em Direito e em Ensino de História e Geografia, exerce actualmente as funções de director do Instituto Nacional do Livro e do Disco. É membro e secretário-geral da Associação dos Escritores Moçambicanos.

“Florinhas de Soror Nada – A Vida de Uma Não-Santa”, de Luísa Costa Gomes
Luísa Costa Gomes, nascida em Lisboa em 1954, licenciada em Filosofia, professora, directora da revista de contos FICÇÕES, gosta de dispersar a sua escrita pelas mais variadas áreas, do teatro ao conto, da crónica à tradução e legendagem, da mesma forma que gosta de alternar a escrita de um romance com outras tarefas. Sob a chancela da Dom Quixote, este é o mais recente romance da autora, quatro anos depois de Claúdio e Constantino (2014), e cerca de dois anos depois da reedição revista de A Vida de Ramon (1991, reeditado em 2016), curiosamente um texto de carácter hagiográfico, um romance biográfico sobre Ramon Llull, místico e missionário nascido em Maiorca, que viveu entre 1232 e 1316 e percorreu o mundo, do Mediterrâneo a África e à Ásia.