João Gomes da Silva
IOAÕ GOMES DA SYLVA quarto Conde de Tarouca Senhor de Penalva, Gulfar, Lalim, e Lazarim, Alcayde mòr, e Commendador de Albufeira na Ordem de S. Bento de Aviz, e de Villa Cova em a Ordem de Christo naceo em Lisboa a 21 de Iunho de 1671. sendo regenerado em o Bautismo na Parochia de Santa Iusta por D. Fr. Antonio Tellez Bispo do Funchal. Teve por progenitores a Manoel Tellez da Sylva primeiro Marquez de Alegrete, segundo Conde de Villarmayor, Vedor da Fazenda, Conselheiro de Estado, e Gentilhomem da Camara dos Serenissimos Reys D. Pedro II. e D. Ioaõ o V. e a D. Luiza Coutinho filha de Nuno Mascarenhas Senhor de Palma, e de D. Brites de Menezes de Castellobranco filha de D. Francisco de Castellobranco segundo Conde do Sabugal, e Meirinho mòr do Reyno. A perspicacia do juizo, e a felicidade da memoria de que beneficamente o ornou a natureza foraõ certos vaticinios dos prodigiosos progressos com q o seu incomparavel engenho havia ser aplaudido nas Academias, nas Campanhas, e nos Gabinetes. Ninguem como elle voou com mais arrebatado impulso à eminencia do Parnazo para se coroar Principe da Poesia heroica servindolhe de azas os seus celebrados Sonetos emulos da magestade de Camoens, da suavidade de Petrarcha, da idea de Marino, e da discriçaõ de Soliz. No estilo epistolar imitou, e ainda excedeo a Cicero escrevendo a Atico, e a Seneca a Lucillo retratando em cada huma dellas a imagem do seu espirito. Teve profunda instruçaõ da Historia antigua, e moderna, das linguas Franceza Italiana, e Castelhana, e das Disciplinas Mathematicas. Do ocio das Musas passou para o tumulto das Campanhas exercitando em as dos annos de 1705. 1706. e 1707. os postos de Sargento mòr de batalha, General da Artilharia, e Mestre de Campo General com tanta disciplina, e actividade que os Generaes lhe cometeraõ as emprezas de mayor perigo, e por consequencia de mayor gloria, merecendo pelas suas açoens militares todas aquellas coroas com que a antigua Roma premiava aos mais valerozos Soldados. Como a grandeza do seu espirito se naõ podia coarctar aos limites da Patria, foy preciso que se dilatasse por outros emisferios sendo o primeiro Inglaterra para onde partio a 12 de Setembro de 1709. quando deixava a seu Excellentissimo Pay deplorado dos Medicos sacrificando em obzequio do seu Soberano os saudozos afectos que naquella ocasiaõ lhe impediaõ esta jornada. Chegando a Londres naõ somente com a sua prudente industria, e natural urbanidade conciliou os animos dos Ministros, que estavaõ pouco parciaes dos interesses da nossa Coroa, mas mereceo que a Rainha da Graã Bretanha afirmasse que por elle ser o instrumento das negociaçoens de Portugal as atenderia com animo benevolo. Desta Corte passou à da Haya a 24 de Iunho de 1710. e assistindo em Utrech por Plenipotenciario da Paz Geral com desprezo da saude propria correo no tempo que durou este congresso, quarenta, e duas vezes a posta de Utrech a Olanda até felismente concluir a paz entre a nossa Coroa, e a de Castella e depois com a de França em q para se conhecer a qualidade do seu ministerio basta saberse, que Portugal naõ cedeo nada do seu direito quando França fez varias cessoens em beneficio da Coroa Portugueza, cujo Tratado foy muito decoroso a esta Monarchia. Ao tempo, que chegou a Cambray com o caracter de Plenipotenciario achando todos os Palacios ocupados pelos Ministros das outras Coroas rompeo o seu generoso animo em a nobre idea de edificar hum sumptuozo palacio de Madeira para comoda habitaçaõ da sua pessoa, e familia onde se viraõ practicados todos os primores da Architectura. Admirada a grandeza do seu espirito na construçaõ deste Palacio chegou a mayor excesso a serenidade do seu animo quando a violencia do fogo reduzio em breves horas a cinzas outro mais sumptuozo em que morava, e para evidente demonstraçaõ da tranquillidade do seu coraçaõ à vista de taõ horrorozo espectaculo compoz extemporaneamente o seguinte Soneto, que podia como a lira de Orfeo suspender a indomita furia daguelle elemeto.
Voraz incendio, horrivel instrumento
De estrago, naõ me afliges; determino Tolerando a inclemencia do destino
Disputar-lhe o poder com o sofrimento.
Cruel, ou brando, arrebatado, ou lento
Erras por indulgente, ou por malino:
Se obras como castigo, es muy benino;
Se offendes como acaso es muy violento.
Nada me altera o golpe exorbitante
Que em mim ser venturoso, ou desgraçado Produzio sempre effeito
semelhante.
Mais me temo a mim mesmo que ao Fado;
Receyo tanto o excesso de constante,
Que degenere o firme em obstinado.
Por duas vezes hospedou em Olanda ao Serenissimo Senhor Infante D. Manuel com a magnificencia digna de tal Principe conseguindo dos Estados lhe dessem o tratamento do Principe de Gales ainda que o Senhor Infante estava incognito. Tal foy o conceito, que esta industriosa Republica formou do seu talento, que o constituhio Mediador no Tratado da Barreira com o Emperador para cuja Corte partio a 16 de Janeiro de 1726. onde recebeo das Magestades Cesareas distintas estimaçoens sendo a mayor quando se despedio do Emperador mandarlhe atar no peito o seu Retrato, e meter-lhe no dedo hum anel, que tirou da sua maõ ennobrecendo com hum donativo o centro da fedilidade, e com outro o instrumento da profuçaõ. De todos os Monarchas, e Principes Soberanos mereceo semelhantes honras de que era acredora a sua politica capacidade. Luiz o Grande contribuio muito para a gloria do seu nome com a carta, que escreveo à Raynha Anna. O Duque de Orleans foy Panegirista das suas virtudes como testemunhou o Excellentissimo Conde da Ribeira. ElRey de Polonia, o Eleytor Palatino, e o Graõ Duque de Toscana authorizaraõ a sua memoria com repetidas cartas, que lhe escreveraõ. A Santidade de Clemente XI. lhe canonizou por hum Breve a ardente piedade, com que protegera em Olanda aos Catholicos. Para premio de tantos serviços, que pelo espaço de vinte, e nove annos auzente da patria fizera a esta Coroa o nomeou a Magestade de D. Ioaõ o V. Nosso Senhor Embaxador extraordinario na Corte de Espanha, e Mordomo mòr da Raynha Nossa Senhora cujos lugares honorificos naõ exercitou impedido pela morte, que intempestivamente o arrebatou na Corte de Viena a 29 de Novembro de 1738. Em hum Sabbado, que sendo dedicado à Virgem Santissima de quem era cordial devoto, foy feliz auspicio da sua predestinaçaõ, quando contava sessenta, e seis annos sinco mezes, e outo allas de idade. Recitou o seu Elogio Funebre na Academia Real, de que foy Academico, e Director, o Excellentissimo Conde da Ericeira D. Francisco Xavier de Menezes; e à sua gloriosa memoria levantou dous eloquentissimos Padroens gravados em dous Elogios o Excellentissimo Marquez de Valença D. Francisco de Portugal seu Cunhado onde lerà a posteridade eternizadas em elegantes caracteres as açoens moraes, politicas, e militares deste insigne Varaõ. Foy cazado com D. Joanna Roza de Menezes 4. Condessa de Tarouca filha herdeira de D. Estevaõ de Menezes Senhor da Caza de Tarouca, e Deputado da Junta dos Tres Estados, e de D. Helena de Borbon filha de D. Thomaz de Noronha terceiro Conde dos Arcos, e D. Magdalena de Borbon de quem teve D. Estevaõ de Menezes V. Conde de Tarouca Deputado da Junta dos Tres Estados, que cazou com D. Margarida de Lorena filha de seu Primo com irmaõ, e Tio Manoel Telles da Sylva III. Marquez de Alegrete: Manoel Telles da Sylva, que passando a Alemanha em companhia de seu Pay foy nomeado pelo Emperador seu Conselheiro de Estado, e cazou em Vienna de Austria no anno de 1740. com a Princeza Maria Barbara Amelia de Holstein: Fernaõ Telles da Sylva Monteiro mór do Reyno por cazar com D. Maria Iozefa de Mello herdeira desta Caza: Iozeph Gomes da Sylva Capitaõ de Infantaria: D. Luiza Iozefa de Menezes, que cazou com D. Antonio de Noronha segundo Marquez de Angeja: D. Helena de Menezes, que morreo em tenra idade: D. Maria Iozefa de Menezes, que se despozou com seu sobrinho, e Primo Fernaõ Telles da Sylva V. Conde de Villarmayor, e IV. Marquez de Alegrete. D. Margarida de Menezes, que falleceo em idade pueril: D. Mariana de Menezes, e D. Thereza de Menezes religiosas professas do instituto de Santa Thereza em o Convento de Carnide; e D. Izabel de Menezes, que morreo sem estado. Compoz.
Soneto em aplauzo de Manoel de Souza Moreira author do Theatr. Geneal. da Caz. de Souza. Sahio ao principio deste livro. Pariz por Ioaõ Anisson. 1694.
Carta escrita em Haya aos Excellentissimos Censores da Academia Real em 18 de Fevereiro de 1723. em que os congratula de ser admitido a esta sociedade. Sahio no Tom. 3. da Collec. dos Docum. da Acad. Real Lisboa por Paschoal da Sylva. 1723. fol.
Carta escrita de Vienna de Austria a 15 de Outubro de 1729. com hum Soneto em aplauzo do Duque Estribeiro mór D. Jaime de Mello ter escrito as ultimas Açoens do Duque do Cadaval seu Pay. Sahio no principio deste livro Lisboa na Officina da Musica. 1730. fol.
Obras Poeticas, que comprehenden, mais de 200. Sonetos a varios assumptos Academicos com outras Poesias Lyricas serias, e jocosas. 4. M. S.
Negociaçoens das suas Embaxadas. fol. 4. Tom. M. S.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]