HENRIQUE CAYADO filho de Alvaro Cayado, e de sua consorte Anna ornada de todos os dotes da natureza teve por patria a inclita Cidade de Lisboa onde na idade da adolescencia aprendeo os preceitos Gramaticaes de Gonçalo Rombo celebre professor de letras humanas. Anhelando o seu talento, que era prespicas, instruirse com sciencias mayores se resolveo passar a Italia atrahido da fama do grande Filologo Angelo Policiano a cujo dezejo condescendeo seu Pay o qual obtendo faculdade delRey (a quem era muito aceito pellas açoens politicas, e militares que em obsequio desta Coroa tinha obrado) para que seu filho sahisse de Portugal, o mandou abundantemente provido de tudo quanto lhe era necessario para Bolonha em cuja Universidade havia frequentar o estudo da Jurisprudencia Cesaria porem como o seu genio se naõ inclinasse a esta Faculdade dedicou toda a aplicaçaõ à cultura das letras humanas em q com summa deleitaçaõ consumia o tempo. Florecia neste tempo em Bolonha Cataldo Parisio natural de Sicilia sublime cultor do Parnasso de cujo magisterio sahio taõ egregiamente instruido, que chegou a competir na suavidade da metrificaçaõ com o Mestre eternizando em o Epigramma seguinte os progressos, que fizera na Poezia com as suas instruçoens.
Otia si qua tibi fuerint, si quando vacabit,
Versiculos nostros, docte Catalde, leges:
Versiculos è fonte tuo quos hausimus, &quos
Dictare haud dubie visus es ipse mihi,
Formasti ingenium primus, primusq per altos
Duxisti Iucos, antraque Pieridum:
Á te principium Musae, tibi nostra Thalia
Supplicat, & se vult te genitore satam.
Mirari noli, si degeneravimus usquam,
Nam liquido interdu manat ab amne lutu
De Bolonha se transferio a Florença ancioso de ver a Angelo Policiano cujo afecto querendo conciliar lhe offereceo hum Poema em seu louvor do qual inferio Policiano o sublime enthusiasmo da sua Musa. Nadando por devertimento em hum viveiro de peixes, que estava nos arrabaldes de Florença quasi esteve para exhalar o espirito por cauza do excesso de frio, que lhe ocupou todo o corpo, cujo tragico sucesso descreve na Egloga segunda em que juntamente lamenta com enternecidas expressõens a morte de Angelo Policiano. Em todas as Cidades de Italia, que discorreo eraõ os mais celebres eruditos os Panegiristas do seu talento como foraõ em Bolonha Roberto Lantono, e Mino Roscio Dictador, e em Ferrara Gregorio Giraldo, e Celio Calcagnino chegando a tal aclamaçaõ, que o povo com o dedo o mostrava como erario das delicias do Parnasso. As suas Eglogas eraõ lidas com geral aplauzo das quais tinha elle formado taõ alto conceito, que lhe pareciaõ iguaes às de Virgilio como insinuou na Carta escrita ao Duque Hercules. Virgilius decem Eclogas, Ego dumtaxat novem edidi, ne cum Poeta eminentissmo certare de numero viderer. A fama, que tinha adquerido em o estudo das letras amenas, como a natural aversaõ à Jurisprudencia, totalmente o separou de se aplicar a esta Faculdade, que seu Pay o mandara estudar, e sendo severamente increpado por seu Tio Nuno Cayado de naõ ter obedecido àquelle preceito, lhe respondeo nesta forma.
Discere me cogis, Noni, Civilia Jura
Et donare jubes jam mea plectra rude.
Dulcia quis trucibus permutat carmina rixis?
Quis praefert nostris jurgia rauca jocis?
Sunt reges lacrymae, quaestus, perjuria lites,
In vetitumque nefas, impliciteque doli.
Quis verdes aequis oculis spectare reorum,
Quis flectus duro pectore ferre potest;
Men nugas audire fori mendacia ? vanis
Men praebere aures causidicis faciles?
Ut juvat historias veterum monumenta virorum
Perlegere, & mores inspicere inde hominum.
Quid referam arcaná sensus in nube latentes?
Quid referam obstrusis mystica sacra modis?
Adde et conuexi clarissma lumina mundi,
Et rerum causas, notitiamque deùm.
Haec ego Pactolum siquis mihi tradat, & Hermum
Non vendam, est cunctis vitaque, morsque eadem.
Quod si divitiis opus est fulvoque metallo,
Esse inopes Musas non patiere mihi.
Tecta Ducum subeant alii, Procerumque penates,
Tum mihi pro cunctis Regibus esse potes.
Agravado o Tio do pouco fructo, que colhera com a exhortaçaõ feita ao sobrinho se vingou negando-lhe a assistencia do dinheiro com que se alimentava, e vestia, de cuja opressaõ se queixou com estas vozes a Bartholameo Blanchino.
Nocte, dieque famem patitur, Blanchine, Poeta
Incedit nudus pene Poeta miser.
Naõ eraõ poderosas estas molestias para que suspendendo o comercio das Musas frequentasse o estudo da Jurisprudencia até que obrigado do preceito delRey D. Manoel preferio Iustiniano a Apollo, e no espaço, de tres annos tal foy o progresso, que a perspicacia do seu talento unida à felicidade da memoria fez naquella Faculdade em a Universidade de Padua, que foy laureado com as insignias doutoraes, e na mesma Academia a 23 de Outubro de 1503 recitou huma Oraçaõ em louvor da Jurisprudencia, que mereceo aplauzo universal a qual no anno seguinte se publicou impressa por Bernardino Vital. Restituido a Portugal assistio pouco tempo na sua patria pois sentindo, que lhe fosse anteposto em hum lugar Juridico outra pessoa muito inferior ao seu merecimento, para naõ experimentar segunda injustiça se retirou para huma Quinta situada em Bemfica meya legoa distante de Lisboa onde desgostozo acabou a vida. Adriano Baillet Jugem. des Scavans Tom. 4. pag. mihi 304. escreve, que elle morrera em Roma no anno de 1508. de huma grande porçaõ de vinho que para remedio da doença, que padecia lhe deu hum Inglez seu amigo chamado Christovaõ Fischer persuadindo-o a que desprezando os medicamentos receitados pelos Medicos bebesse aquelle eficaz Besoartico produzido em Corsega, e conservado havia quatro annos. Teve a estatura pequena, corpo grosso, practica jovial, e summamente prompto em as respostas. Diversos authores celebráraõ a sua memoria com elegantes Elogios, como saõ Filippe Beroaldo in Epist. ad Ludou. Teixeram dizendo. Est Hermicus Lusitanus in condendis Poematis ingeniosus, elegans, florulentus: habet venerem, habet salem sunt illi verba latina, sententiae poeticae, versus emuncti. Desider. Erasmo in Ciceroniano lhe fez o seguinte Elogio. Et Lusitanos aliquod eruditos novi qui vulgaverinte ingenii sui specimen, neminem novi praeter Hermicu quemdam in Epigrammatibus felicem, & in oratione soluta facilem, ac promptum, ad argumentandum dexterrimae dicacitatis. Faria, e Souza Fuent. de Aganip. 4. Part. n. 3. e 4. Eglogas de nuestro Portuguez Henrique Cayado, que las dedico al Rey D. Manoel con otros Poemas nò son infelices. Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. pag. 432. col. 2. floruit latiná eruditione, & Poesi. Resende in Orat. habit. in Acad. Olyssip. anno 1537. Poeta veteribus conferendus. Lilius Girald. de Poet. sui Temp. Dialog. 2. Fuit Hermicus Cayadus Poeta vester qui in Lustania Henricus vocabatur sermone festivus in Italia Florentiae, & Bononiae versatus, Politiani, & Beroaldi tempore quorum, & disciplina, & familiaritate usus. Ludou. Teixeira in Epistol. ad Beroald. Utinam quae ego de Carminibus Cayadi, quae de ingenio conceperim, vulgó possim citra assentationis suspicionem. Ostenderem quippe quantopere Poeta noster non modó inter Hispanos excellat, sed etiam urgeat vestrates. Morery Diccion. Historique. Poete celebre. Maced. Flor. de Espan. cap. 8. Excel. 11. Damian. de Goes Hispan. no Tit. de vir doctis. Ioan. Soar. de Brito Theatr. Lusit. Liter. lit. H. n. 5. Leytaõ Not. Chronol. da Universidade de Coimb. pag. 414. §. 895. Excellente Poeta, & Jurisconsulto. Petrus Sanches in Epist. ad Ignatium de Moraes.
Cayada de gente tibi venit Hermicus ille
Hermicus Ausonia cunctis notissimus urbe,
Qui cecinit Sylvas, pecudesque, & numimina ruris,
Quem saepe inflantem calamos, & dulce sonantem
Tectus arundinibus summis audivit ab undis
Mincius ipse pater fluctus, &ponere raucum
Jussit murmur aquae labentis, ut altius aure
Attentá molles numeros, & verba notaret.
Credebatque senex Musam, manesque Maronis
Populeas inter frondes, in vallibus illis
Errare, & Sylvas, sedesque revisere amatas.
O Padre Antonio dos Reys Enthusiasm. Poet. n. 167.
… Cayadus ab ipso
Virgilio haud multùm distans super ardua collis
Ibat, ab ore melos fundendo dulcius illo,
Quo placata olim Plutonia Regna canenti
Eurydicem tribuere viro.
Publicou.
Eclogae, Sylvae, & Epigrammata. Bononiae apud Benedictum Hectorem. 1501. 4.
Chegando hum exemplar desta obra às maõs do Summo Pontifice Alexandre VII. insigne Poeta Latino julgou ser digno o seu author de ornar a Bibliotheca Hispana em que naquelle tempo trabalhava indefessamente o famoso Nicolao Antonio a quem remeteo o exemplar pelo eruditissimo Monge Cisterciense Fr. Ioaõ Bona, que depois foy elevado á Purpura Romana. Sahio esta obra segunda vez impressa em nobre caracter, e elegante forma no 1. Tom. do Corpus Illustr. Poetar. Lusitanor. qui latine scripserunt. Lisbonae Typis Regalibus Sylvianis, Regiaeque Academiae. 1745. 4. desde pag. 51. até 259.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]