D. HENRIQUE quinta produçaõ do fecundo thalamo dos Serenissimos Monarchas D. Joaõ o I. e D. Felippa naceo em a Cidade do Porto a 4 de Março de 1394. Como a natureza cegamente lhe negou ser herdeiro do Scetro de seu Pay o quiz ser do seu valor concebendo desde os primeiros annos espiritos taõ heroicos, e militares, que parece se animava o seu coraçaõ com o bellico furor de Marte de que foy glorioso preludio a empreza de Ceuta em cuja famoza expediçaõ authorizada com a prezença de seu augusto Pay, o Conde de Barcellos seu irmaõ, e o clarissimo Heroe D. Nuno Alvres Pereira foy o primeiro, que saltou em terra, e entrou a Cidade seguido de poucos, e cometido de muitos onde com o braço e com a vóz rebateo o impulso dos barbaros, excedendo o numero das açoens heroicas ao dos annos, que naõ passavaõ de vinte, e hum. Segunda vez passou à Africa em companhia de seu Irmaõ o Infante D. Fernando com o religioso intento de dilatar a Fé, e oprimir aos seus Antegonistas, e ainda, que o efeito naõ correspondeo à piedade da cauza, sempre conseguio a fama de insigne General. Ao exercicio das armas unio o das letras deixando indecisa a posteridade se na palestra de Minerva, ou de Bellona mereceo mayor Coroa. Como tivesse aplicado o seu agudo talento à especulaçaõ das Disciplinas Mathematicas, e revolvesse na Grandeza de seu animo generosas emprezas se retirou do tumulto da Corte para a Villa de Sagres situada em o Reyno do Algarve onde com mayor tranquilidade cultivasse os estudos, e descubrisse a vasta extensaõ do Oceano, cuja vista lhe excitou o heroico intento de descubrir novos mares, e novas terras para mayor extensaõ desta Monarquia. Impellido de taõ nobre idea expedio varios Argonautas instruidos pelo seu dictame para investigar mares nunca cortados de alguma quilha conseguindo pela sua incansavel industria, e prudente direçaõ descubrir trezentas, e setenta legoas de Costa, que correm do cabo Bojador até Serra Leoa alem das Ilhas fertilissimas do Oceano de que foraõ Venturosas primicias Porto Santo, e Madeira, sendo o primeiro Author, e instrumento de que domado o orgulho do Oceano, domesticada a ferocidade de varias naçoens, aberto, e patente o caminho até aquelle tempo ignorado para tantas Regiõens, naõ somente manifestasse ao mundo a ignorancia em que estava da existencia dos Antipodas, e de ser habitavel a Zona torrida, mas de se aggregarem à Coroa de Portugal as mais vastas, e opulentas terras de seu dominio. Igualmente foy cultor das sciencias, que Protector dos Sabios doando em 12 de Outubro de 1431. humas cazas quando a Universidade estava em Lisboa para nellas se lerem todas as Faculdades, e consignando doze marcos de prata em 22 de Setembro de 1460 procedidos dos Dizimos da Ordem de Christo para Salario do Lente de Prima da Theologia por cujos donativos mereceo o titulo de Protector dos estudos de Portugal. Desde a puericia foy inclinado a exercicios devotos recitando quotidianamente as Horas Canonicas, e assistindo com toda a sua familia ao incruento Sacrificio do Altar. O seu Palacio era norma do Mosteiro mais reformado bastando, que alguem tivesse o foro de seu criado para ser conhecido com o caracter de virtuoso. Nas açoens foy magnifico, no comer parco, no vestir modesto. Amou com tanta observancia a continencia, que nunca a contaminou com a mais leve palavra. Sempre conservou o animo illeso da paixaõ da ira, e ainda que fosse provocado rompia em palavras brandas, e suaves. Foy liberal para com os pobres, compassivo para os aflictos, e para todo o genero de pessoas suavemente afavel como significava a Coroa tecida, e enlaçada de ramos de carrasco, que tomou por empreza animada com esta letra Franceza. Talent de bien faire. Teve a estatura proporcionada, os membros robustos, a cor branca, e corada; os cabellos quasi crespos; o aspecto severo, e o genio humano. Foy Duque de Viseu, Senhor da Covilhãa, Fronteiro mòr da Comarca de Leiria, outavo Governador, e Administrador do Mestrado da Ordem militar de Christo, e Cavalleiro da Jarretiere por eleiçaõ de Henrique VI. de Inglaterra. Passou a coroar-se na eternidade em a Villa de Sagres quinta feira 13 de Novembro de 1460. quando cõtava 66 annos 8 mezes, e 9 dias de idade. Foy sepultado na Igreja de Lagos donde em o anno seguinte se transferio o seu cadaver por deligencia do Infante D. Fernando seu sobrinho, e herdeiro, para o Real Convento da Batalha, e na sumptuosa Capella em que jazem seus augustos Pays está o seu mausoleo sobre o qual se vè a sua figura vestida de armas brancas com huma cotta esmaltada com as Armas de Portugal. O seu nome, e açoens louvaraõ as mais remontadas pennas merecendo o primeiro lugar entre todos o Pontifice Nicolao V. na Bulla expedida em Roma a 8 de Janeiro de 1454. em que confirma a Conquista de Africa pelos Portuguezes a qual está impressa em o livro de Donat. Regiis composto pelo Doutor Domingos Antunes Portugal Tom. 2. lib. 3. cap. 8. dizendo o Summo Pastor em o louvor deste grande Principe as seguintes palavras. Ad nostrum siquidem nuper non sine ingenti gaudio, & nostrae mentis laetitia pervenit auditum, quod dilectus filius nobilis vir Henricus Infans Portugalliae charissimi in Christo filii nostri Aphonsi Portugalliae, & Algarbii Regnorum Regis illustris Patruus inhaerens vestigiis clarae memoriae Joannis dictorum Regnorum Regis ejus genitoris, ac zelo salutis animarum, &fidei ardore plurimùm succensus, tamquam Catholicus, & verus omnium Creatoris Christi miles ipsiusque Fidei acerrimus, ac fortissmus defensor, & intrepidus pugil &c. P. Joaõ Marian. de reb. Hispan. lib. 21. cap. 12. Unus Henricus generis nobilitatem, paresque opes litterarum studiis illustrans; & cap. 17. Henricus Eduardi Regis frater ingenti Spiritu vir primus omnium in eam cogitationem incubuit novas orbis regiones investigandi, anniversariisque classibus australem caeli plagam explorare jussis ad extima Africae littora, qua inflatis immensum Occeani fluctibus quatitur, novas insulas, gentes incognitas invenit. Pacheco Vida da Inf. D. Maria. liv. 2. cap. 15. Este Principe a quien deve Hespaña sus navegaciones. Damian de Goes in Fertilit. Hispan. Mathematicus insignis, qui primò novas terras suo studio, & industria reperit Petrus Opmerus Opus Chronol. Orb. Univ. Tom. 1. pag. 423. Navigationes Occeani atque Madeiram Insulam ejus auspiciis inventam ad coronam regni Lusitaniae tanquam fundum haeriditarium transmisit. Faria Asia Portug. Tom. 1. cap. 1. n. 16. Autor memorable de la milicia Austral y Oriental. En las artes, y letras fue versado, en las Mathematicas superior a todos los que las manegaron en su edad. e na Europ. Portug. Tom. 2. Part. 3. cap. 1. n. 179. Valeroso Principe y sabio y Santo y digno de su Origen, e no Comment. das Lusiad. de Cam. Cant. 8. Estanc. 35. Fuè el Prometheo de España porque si aquel desde el monte Caucaso investigó el curso, y virtud de los Planetas, este dexando la Corte se fué a vivir solo en el Promontorio de Sagres y desde alli investigando las estrellas hallo el descubrimiento de nuestros mares, y Conquistas, de que es Padre unico. Charlevoix Hist. del ‘Isle de S. Doming. Tom. 1. pag. 64. un des plus vertueux, e des plus accomplis de son temps. D. Agostinho Manoel Vid. de D. Duarte de Men. liv. 5. n. 20. Yá más se entendio tratasse de otra cosa, que de enriquecer el Reyno con las Conquistas de Africa, descubrimientos del Oceano, de que fue el Origen, y promovedor y a quien por este respeto y el de sus virtudes se deve sngular memoria. Souza Hist. de S. Domingos da Prov. de Portug. Part. 1. liv. 6. cap. 15. Foy sua alma coroada de muitas, e grandes virtudes vivendo em perpetua continencia, vida solitaria, e Filosofica exercitando todas as boas sciencias, e em especial as da Cosmografia, e Geografia, que lhe abriraõ o caminho para intentar os primeiros descubrimentos dos mares, e terras incognitas da Costa de Africa, como poz por obra. Osorius de reb. Emman. lib. 1. vir animi maximi, & Religionis sanctitate clarissimi D. Francisc. Man. Epanaph. de Var. Hist. pag. mihi 313. Mestre insigne de toda a arte militar, e da nossa milicia de Christo se sinalou em valor, e disciplina por ser aventejosamente afeiçoado a emprezas dificultozas, cujos intentos crecendo em virtuosa emulaçaõ de que via conseguir a ElRey seu Pay em si mesmo se estava cada hora ensayando para mayores efeitos. Maffeus Hist. rer. Ind. pag. mihi 3. Nihil omnino vel ad nominis Lusitani famam illustrius, vel immortali Deo gratius visum est quam incognita scrutari Maria, novas in Occeanum classes mittere, & rectam Religionem in omnes partes quoad ejus fieri posset, extendere. Maris Dialog. de Var. Hist. Dialog. 4. cap. 4. Entre as letras Sagradas, que elle por devaçaõ, e veneraçaõ muito amava tambem das humanas foy muito estudioso, e com ellas chegou a ser grandissimo Cosmografo. Arnoldo Lign. Vitae lib. 1. cap. 92. ampliandi regni paterni desiderio Africae littora clasibus lustrare caepit, & in Athlantico mari novas, &ab hominibus nunquam habitatas, reperit insulas. Sylva Mem. delRey D. Ioaõ o I. Tom. 1. liv. 1. cap. 92. Foy o prototypo das mayores virtudes; eraõ nelle iguaes a piedade, e a Religiaõ, a prudencia, e a constancia; a clemencia, e afabilidade; a liberalidade a beneficencia, e a magnanimidade. Marracio Princip. Marian. pag. 223. non solum bellica virtute, verùm etiam vitae sanctimonia illustris. Franc. de Santa Mar. Chron. dos Coneg. Secul. lib. 3. cap. 27. Ao manejo das armas ajuntou o das letras revolvendo com igual destreza, e valentia as folhas dos livros, e da espada. Leytaõ Not. Chronol. da Univ. de Coimbra p. 371. §. 812. deixando de si a todo o Reyno gloriosa memoria, e eterna saudade pelos descubrimentos a que deu principio, e pela proteçaõ com que amparou as letras. Monsiur de la Clede Hist. De Portug. Tom. 1. liv. 11. pag. mihi 406. col. 1. Prince pieux, sage, e courageux. Vasconcel. Anaceph. Reg. Lusit. pag. 154. Princeps sane nulli priorum posterior, nulli posteriorum inferior, sive fidei ardorem sive animi magnitudinem consideres. Souza Hist. Gen. da Caz. Real Portug. Tom. 2. liv. 3. cap. 3. do seu valor saõ testemunhas as Praças de Ceuta, Arzila, Alcacere, e Tangere, e das suas virtudes o será eternamente a Historia em que he universalmente louvado, naõ só na Portugueza, mas nas outras naçoens com immortal memoria do seu nome.
Escreveo.
Noticia dos seus Descobrimentos. Esta obra, como afirma Fr. Luiz de Souza na Hist. de S. Domingos da Prov. de Portug. Part. 1. liv. 6. cap. 15. mandou o Infante D. Henrique seu author a ElRey de Napoles, a qual vio o mesmo Chronista Dominicano, e na Cidade de Valença de Aragaõ entre algumas alfayas preciosas, que ficaraõ da recamara do Duque de Calabria ultimo descendente daquelles Principes. Arnoldo Vion in Lign. Vitae. lib. 1. cap. 92. escreve ser esta obra vertida em Italiano, e impressa em Veneza por deligencia de Joaõ Baptista Ramusio.
Carta escrita de Coimbra a 22 de Setembro de 1428. a seu Pay D. Joaõ o I. em que refere como se celebráraõ naquella Cidade os despozorios de seu irmaõ ElRey D. Duarte. Começa. Muito alto, e muito honrado, e muy presado Senhor. Eu boso filho, e servidor o Ifante D. Anrique Duque de Viseu, e Senhor da Covilhãa muito humildosamente, enuio a beijar bosas mãos. &c. Sahio impressa nas Memor. delRey D. Joaõ o I. compostas pelo Academico Real Jozeph Soares da Sylva Tom. 1. liv. 1. cap. 92. pag. 470.
Conselho sobre a guerra de Africa. M. S. Começa. Vosso Irmaõ, e servidor o Ifante D. Anrique Governador da Ordem de Nosso Senhor JESU Christo Duque de Viseu Senhor da Covilhãa Protector dos Estudos de Portugal.
Conselho oferecido a seu Pay quando partio para Tangere. Começa. Destas coisas vos disse segundo o meu aviso que vos cumpria muito avizar &c. M. S.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]