D. HELIODORO DE PAYVA natural de Lisboa filho de Bartholomeu de Payva Guarda roupa delRey D. Joaõ o III. e Vedor das Obras do Reyno como escreve Francisco de Andrada na sua Chronica Part. 1. cap. 2. e de Filippa de Abreu Ama de peito do mesmo Monarcha. Ainda naõ excedia a idade juvenil quando seus Pays o mandaraõ estudar no Real Convento de Santa Cruz de Coimbra onde igualmente aprendesse as sciencias, e virtudes de que eraõ insignes cultores os seus Religiosos, e com tal afecto se inclinou ao instituto canonico Augustiniano, q deixando as esperanças do seculo fundadas em ser collaço delRey D. Joaõ o III. recebeo o habito para ser hum dos grandes ornatos de taõ illustre Congregaçaõ. A natureza o dotou beneficamente de engenho penetrante, e aguda comprehensaõ parecendo, que lhe foraõ mais infusas, do que adqueridas pelo estudo de diversas Faculdades em que sahio peritissimo. Depois de dictar as sciencias Escolasticas em que admirou a sua subtileza, querendo investigar os arcanos da Sagrada Escritura aprendeo as linguas Grega, e Hebraica, e nellas se fez taõ versado, que as escrevia, e fallava com a mesma facilidade que a materna. Ao tempo, que no Convento de Santa Cruz estava explicando aos domesticos os Actos dos Apostolos, e as Epistolas de S. Paulo, movido da sua fama o foy vizitar Luiz Lipomano Bispo Veronense Nuncio neste Reyno da Santidade de Paulo III. Varaõ muito celebre em a interpretaçaõ das Escrituras, e com a familiaridade de D. Heliodoro se aproveitou de muitas noticias com que ornou a Catena, que compoz sobre o Genesis. Sendo singular o seu talento em as sciencias Severas o naõ foy menos admiravel em as Artes Liberaes. Pintava excellentemente, e escrevia todo o genero de letras com tanto primor, que pareciaõ debuxadas. Foy insigne na arte da Musica assim practica, como especulativa compondo, e cantando suavemente ao compaço do Orgaõ, Claviorgaõ, Viola de arco, e Harpa, que destramente tocava de cuja armonica consonancia arrebatados os mais celebres professores desta Faculdade o aclamavaõ por Orfeo daquelle seculo. Todos estes dotes, que em outro espirito podiaõ influir desvanecimento lhe serviaõ de manifestar mais a modestia de seu animo, e abatimento da sua pessoa de tal modo que querendo ElRey D. Ioaõ o III. premiar os seus merecimentos com alguns Bispados, que lhe offereceo, sempre se excusou com decorosos pretextos naõ sómente de taõ alta dignidade, mas ainda de assistir em Lisboa, como lho insinuou o mesmo Monarcha na ocasiaõ, em que hindo vizitar a Universidade de Coimbra no anno de 1550. se hospedou no Real Convento de Santa Cruz. Cheyo mais de açoens virtuosas, que de annos passou da vida caduca para a eterna a 20 de Dezembro de 1552. Compoz.
Lexicon Graecum, & Hebraicum. Conimbricae in Monasterio Sanctae Crucis. 1532. fol. Foy dedicado a ElRey D. Ioaõ o III. como diz D. Nicol. de Santa Maria Chron. dos Coneg. Regrant. liv. 1. cap. 12. n. 9.
Missas, Magnificas, e Motetes de varias vozes. M. S.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]