V. P. GONÇALO DA SYLVEIRA Teve por berço a Villa de Almeirim situada na Provincia Trastagana onde vio a primeira luz a 23 de Fevereiro de 1526. e por Progenitores a D. Luiz da Silveira primeiro Conde de Sortelha, Alcayde Mòr de Alanquer, Capitaõ da Guarda delRey D. Ioaõ o III. e a D. Brites Coutinho filha de D. Fernando Coutinho Marichal do Reyno, que valerosamente sacrificou a vida na Conquista da Cidade de Calicut, e de D. Mariana de Noronha. Naceo o decimo, e ultimo de seus irmãos, e como teve a sorte de Benjamin em o nacimento assim experimentou sua Mãy a desgraça de Rachel morrendo tres dias depois, que o pario. Poucos annos contava de idade quando se vio orfaõ de seu Pay, e entregue à vigilante educaçaõ de sua irmãa D. Filippa de Vilhena mulher de D. Alvaro de Tavora Senhor do Mogadouro sahio instruido em maximas mais catholicas, que politicas. Aprendidos os primeiros rudimetos estudou Gramatica com os Religiosos Franciscanos do Convento de Santa Margarida situado nas rayas de Castella, e depois de estar igualmente doutrinado em a lingua Latina, como na practica das virtudes o mandou seu irmaõ mais velho D. Diogo da Sylveira proseguir os estudos das sciencias mayores em a Universidade de Coimbra onde impellido da exemplar vida dos primeiros Fundadores do Collegio da Companhia de Jesus deixou as enganosas esperanças do mundo por seguir os vestigios da pobreza Evangelica abraçando aquelle sagrado instituto a 9 de Junho de 1543. Consumada a carreira da Filosofia, e Theologia em que mostrou igual capacidade para a Cadeira, que para o pulpito se exercitou em diversas Missoens em que colheo copiosos frutos a sua ardente charidade, e parecendo-lhe pequena esfera o Reyno de Portugal para theatro das suas declamaçoens Evangelicas alcançou faculdade de Santo Ignacio para passar ao Oriente para onde partio no anno de 1556. Tanto, que aportou em Goa a 6 de Setembro do referido anno foy ouvido na Sé Primacial com geral aplauzo de hum numeroso auditorio, exercitando o sagrado ministerio de Evangelico operario já quando era Provincial de Chaul, Tanâ, e Cochim com espirito verdadeiramente apostolico atè que foy destinado à cultura do Imperio de Monomotapa a cuja alta empreza lhe servio de prologo a conversaõ do Principe de Imhambane, que bautizou com toda a familia real. Para esta jornada se embarcou em 19 de Agosto de 1560. e subindo até a boca do Rio Zambece, que dos seus dous braços se formaõ as barras de Quilimane, e Loabo, foy conduzido a Simbao è Corte do Emperador de Monomotapa por Antonio Cayado grande valido deste Principe o qual avizado da chegada do varaõ Apostolico o mandou cumprimentar com hum generoso donativo,que cortez agradeceo, desenteressado regeitou, de cuja acçaõ deixou atonito ao barbaro por ser pouco practicada naquelle Paiz, e como fosse admitido à sua prezença o recebeo com particulares significaçoens de urbanidade. Para atrahir o coraçaõ deste Principe à nova ley, que lhe pregava, lhe offereceo hum quadro em que estava pintada com elegante primor a Virge Santissima, e de tal sorte se sentio penetrado da fermosura da imagem, que resolveo authorizar com ella o seu Cabinete onde foy decorosamente collocada. Resoluto o Emperador abraçar a Religiaõ Catholica de que teve por estimulo hum mysterioso sonho, foy solemnemente bautizado com o nome de Sebastiaõ em obsequio do Monarcha, que naquelle tempo dominava Portugal, e a Emperatriz sua Mãy cujo exemplo seguiraõ trezentos Titulares, que regenerados na fonte bautismal se adoptaraõ por Grandes da Caza de Deos. Envejoso o demonio de se lhe arrebatar das mãos o scetro da Cafraria se valeo para instrumento da sua vingança dos mouros, que furiosamente conspiraraõ contra a innocente vida do V. P. Gonçalo da Sylveira sendo taes as resoens, que propuzeraõ ao Emperador para ultima ruina deste Evangelico varaõ, que persuadido dellas sem attender à malevolencia com que eraõ maquinadas decretou a sua morte, e posto que naõ participou a pessoa alguma taõ impia resoluçaõ foy superiormente revelada ao Veneravel Padre. Para este conflicto se preparou com o incruento sacrificio da Missa onde oferecendo em holocausto o divino Cordeiro, brevemente em seu obsequio se havia sacrificar como victima. Tendo bautizado sincoenta Cafres ultimos filhos, que gerara para Christo confessou a muitos Portuguezes a quem deixou herdeiros do seu espirito, e conhecendo ser chegada a hora, que o havia transferir à eternidade ornado de sobrepeliz, e estola se poz a passear com grande serenidade esperando por seus inimigos. Cançado da tardança se lançou a dormir com hum crucifixo á cabeceira. Tanto que os assassinos o viraõ reclinado entraraõ furiosamente, e arrebatando-o pelos pés e braços o suspederaõ no ar em quanto outros lhe lançavaõ huma corda ao pescosso com a qual oprimida a respiraçaõ voou o seu heroico espirito a coroarse na gloria sendo grande a inundaçaõ de sangue, que manava da boca, e nariz. Com este genero de martyrio consumou a carreira dos apostolicos trabalhos este insigne varaõ a 15 de Março de 1561. quando contava 35 para 36 annos de idade. O Ceo se empenhou a vingar o sangue deste innocente Abel com hum exercito de Gafanhotos, que cubrindo o sol, e falando os campos consumiraõ tudo quanto produzia a terra. A esta praga se seguio outra mais fatal, que foy a peste devorando a muitos milhares de viventes de cujos horrorosos efeitos penetrado o Farao da Cafraria conheceo a injustiça com que condenara a innocencia daquelle grande varaõ, e convertendo o furor contra os conselheiros de taõ execravel delicto mandou matar sua Mãy, e todos os authores da morte de V. Padre Gonçalo da Sylveira. Foy Doutor em Theologia, primeiro Proposito da Caza de S. Roque, VI. Provincial da India pela ordem dos tempos, e segundo por patente de Santo Ignacio somente concedida antes delle a S. Francisco Xavier. Escreveraõ as suas heroicas açoens o P. Nicolao Godinho na lingua Latina, o Padre Bernardo Cienfuegos na Castelhana, e na Portugueza Jorge Cardozo Agiol. Lusit. Tom. 2. p. 190. e no Commentario de 16 de Março letr. D. e o Padre Antonio Franco Imag. da Virtud. em o Nov. de Coimb. Tom. 2. liv. 1. cap. 1. até 18. Fazem illustre memoria do seu abrazado zelo, e cruel martyrio Orland. Hist. Societ. Part. 1. lib. 4. n. 57. lib. 8. n. 8. lib. 11. n. 71. lib. 13. n. 52. lib. 16. n. 2. Sachin. Hist. Societ. Part. 2. lib. 1. n. 19. 48. 53. 144. 152. lib. 2. n. 171. lib. 3. n. 111. 120. 127. 144. lib. 4. n. 210. lib. 5. n. 219. Maf. Hist. Ind. lib. 16. Jarric. Thezaur. rer. Ind. Tom. 1. lib. 1. cap. 16. e Tom. 2. lib. 1. cap. 3. e 10. e Tom. 3. lib. 1. cap. 42. Vasconcel. Discript. Portugal. pag. 205. e 517. Guerreiro Coroa de Sold. Esforc. da Comp. Part. 3. Gusman Hist. de las Mission. de la Comp. de Jes. liv. 3. cap. 11. Telles Chron. da Companh. de Jesus da Prov. de Portug. Part. 1. liv. 1. cap. 22. E Part. 2. liv. 4. cap. 29. até 38. Nadasi Ann. dier. Mem. S. J. Part. 1. pag. 141. Tanner Societ. Jesus usque ad vit. & sang. efus. milit. p. 156. et seq. Alegambe Mortes Illust. ad ann. 1561. à pag. 22. ad 41. Andrad. Chron. delRey D. Joaõ o III. Part. 4. cap. 118. Faria Azia Portug. Tom. 3. Part. 3. cap. 23. n. 6. Camargo Chronol. Sacra ad 1556. Surius Comment. Rer. in Orbe Gestar. ad. ann. 1540. pag. mihi 273. E 274. Imago primi saecul. S. J. lib. 4. cap. 13. S. Roman. Hist. de la Ind. Oriental. liv. 4. cap. 28. O grande Camoens Luziad. Cant. 10. Out. 93.
Vè de Monomotapa o grande Imperio
Da Salvatica gente negra, e nua
Onde Gonçalo morre, e vituperio
Padecerá pela Fé Santa sua.
O mesmo Virgilio Portuguez na 1. Parte das suas Rimas lhe compoz o Epitaho neste famoso Soneto, que he o 37.
Naõ passes caminhante: quem me chama?
Huma memoria nova, e nunca ouvida,
De hum que trocou finita, e humana vida
Por divina, e infinita, e clara fama.
Quem he que taõ gentil louvor derrama?
Quem derramar seu sangue naõ duvida
Por seguir a bandeira esclarecida
De hum Capitaõ de Christo, que mais ama:
Ditozo, fim ditozo sacrificio
Que a Deos se fez, e ao mundo juntamente
Apregoando direi taõ alta sorte:
Mais poderás contar a toda a gente
Que sempre deu sua vida claro indicio
De vir a merecer taõ santa morte.
Escreveo.
Carta para seu cunhado Luiz Alvres de Tavora, e sua Irmãa. D. Filippa de Vilhena. Sahio impressa pelo Padre Franco Imag. da Virtud. do Nov. de Coimb. Tom. 2. liv. 1. cap. 2. a qual traduzio em latim o Padre Godinho Vit. P. Gundis. Sylver. lib. 1. cap. 7.
Carta escrita de Braga ao Padre Miguel de Torres em que lhe dá conta dos seus escrupulos. Impressa na Imag. da virtud. assima allegado cap. 4.
Carta escrita da Cidade do Porto ao Padre Manoel Godinho, e mais Irmãos do Collegio de Coimbra. Parte della sahio na Imag. da virtud. cap. 5.
Carta escrita de Cochim em o anno de 1557. ao Padre Gonçalo Vaz de Mello em que lhe relata os socessos desde Lisboa até Goa, e o fruto, que fizera em Cochim. Conserva-se no Archivo da Caza professa de Lisboa, e consta de 10 paginas. Parte della está impressa na Imag. da Virtud. cap. 6. e 7. e sahio traduzida em Italiano com outras. Venetia por Michele Tramezzino 1559. 8. Desta Carta faz mençaõ Manoel Correa no Comment. das Lusad. de Cam. Cant. 10. Out. 93.
Carta escrita de Moçambique a 12. de Fevereiro de 1560. ao Padre Antonio de Quadros. Impressa na Imag. da virtud. cap. 9. e 10.
Carta escrita em o anno de 1559. ao Padre Geral em que lhe da conta da Missaõ futura de Monomotapa. M. S.
Carta escrita de Moçambique a 12. de Fevereiro de 1560. aos Padres do Collegio de Goa. M. S.
Carta escrita a 9 de Agosto de 1560. de Moçambique onde narra o bautismo delR.ey de Imhambane. M. S. Estas tres Cartas se guardaõ no Archivo da Caza professa de S. Roque desta Corte. Sahiraõ vertidas em Italiano. Venetia por Michele Tramezzino. 1562. 8.
Duas Cartas escritas ao Illustrissimo Arcebispo de Evora D. Theotonio de Bragança ambas do Monomotapa a primeira em 20 de Outubro de 1559. e a 2. Em 26 de Janeiro de 1561.
Duas Cartas escritas de Monomotapa ao Padre Ignacio Martins da Comp. De Jesus. A 1. em 10 de Outubro de 1559. e a 2. em 10 de Janeiro de 1561.
Estas quatro Cartas escritas da sua propria maõ se conservaõ no Archivo da Serenissima Caza de Bragança onde as vimos.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]