GIL VICENTE illustre por nacimento, e muito mais illustre pelo espirito poetico com que imitou, e ainda excedeo aos mayores Poetas, que venerou a Antiguidade. Naceo em a Villa de Guimaraens como quer D. Antonio de Lima em o seu Nobiliar. Tit. de Menezes, ou na Villa de Barcellos como escreve Fr. Pedro Poyares Paneg. da Vill. de Barcel. cap. 16. ou na famosa Cidade de Lisboa como seguem muitos escritores. Aplicouse ao estudo da Iurisprudencia Cesarea em a Universidade de Lisboa, e ainda que pela vivacidade do engenho com que penetrava as suas mayores dificuldades podia subir aos lugares mais honorificos, impellido do genio faceto, e jovial, que tinha para a Poesia, preferio o comercio das Musas às especulaçõens da sciencia legal compondo diversas obras no estilo de Plauto com madureza de juizo, e novidade de idea. Nas Comedias de que foy por repetidas vezes theatro o Palacio, e expectadores os Serenissimos Reys D. Manoel, e D. Ioaõ o III. com seus Irmãos D. Luiz, D. Affonso, e D. Henrique conciliou os aplauzos destes Principes observando o subtil artificio com que valendo-se de palavras jocosas, e figuras rusticas increpava severamente os vicios, e atrahia suavemente os animos ao amor das virtudes. Deste estilo jocoso, e nunca pueril foraõ imitadores aquelles dous Corifeos do Parnasso Castelhano Lopo Felix da Vega, e D. Francisco de Quevedo. Taõ largamente se extendeo a fama do seu talento poetico, que sahindo do continente de Espanha estimulou a Erasmo Roteradamo celebre Filologo a aprender a lingua Portugueza para penetrar as agudezas, que estavaõ ocultas em as obras de Gil Vicente, e depois, que as leo, confessou ingenuamente, que nenhum Poeta mais exactamente como elle imitara o estilo de Plauto, e Terencio. Foy cazado com Branca Bezerra digna consorte da sua pessoa, de quem teve Gil Vicente, Luiz Vicente, e Paula Vicente, que nos Versos Lyricos naõ degeneraraõ da fecunda veya de taõ illustre Pay. Sendo a sua assistencia em Lisboa foy obrigado a passar com a Corte para a Cidade de Evora onde terminando a carreira da vida humana foy universalmente lamentada a sua morte sucedida antes do anno de 1557. por nelle perder o Reyno o seu Plauto como era intitulado por muitos, e principalmente por Manoel de Faria, e Souza Epit. Das Hisp. Portug. Part. 2. cap. 18. Foy sepultado no Convento de S. Francisco, e sobre a Campa se lhe gravou o seguinte Epitafio, que elle compuzera, e se acha impresso no fim das suas obras.

O Graõ Juizo esperando

Jazo aqui nesta morada

Tambem da vida cançada

Descançando.

Preguntas-me quem fuy eu?

Atenta bem para mi,

Por que tal fui coma ti,

E tal hasde ser coma eu.

E pois tudo a isto vem

Ó Leytor do meu Conselho

Tomame por teu espelho

Olhame, e olhate bem.

Com mayor propriedade se lhe podia esculpir aquella inscripçaõ sepulchral, que compoz para o Poeta Plauto Varro lib. 1. Postquàm est morte captus Comaedia luget, Scena est deserta; risus, ludus joc usque, & numeri innumeri simul omnes collacrymarunt. Celebraõ o seu nome Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. 1. pag. 314. col. 2. Manoel Severim de Faria Dial. da ling. Portug. fol. 78. Souza Flor. de Espan. cap. 8. excel. 9. cap. 24. excel. 6. e Eva e Ave. Part. 1. cap. 26. n. 8. Andre de Rezende Genethl. Princip. Joan.

Cunctorum hinc acta est Comaedia plausu,

Quam Lusitaná Gillo author, & Actor in Aula

Egerat ante; dicax, atque inter vera facetus:

Gillo jocis levibus doctus praestingere mores:

Qui si non lingua componeret omnia vulgi,

Sed potius Latiá non Graecia docta Menandrum

Ante suum ferret: nec tam Romana Theatra

Plautinos, ve sales; lepidi vel scripta Terentì

Jactarent: tantó nam Gillo praeiret utrisque,

Quantò illi reliquos inter, qui pulpita rore

Oblita Coryceo digito meruere faventem.

Garcia de Rezende Miscellan.

E vimos singularmente

Fazer representaçoens

De estilo muy eloquente

De muy novas invençoens

E feitas por Gil Vicente.

Elle foy o que inventou

Isto cá, e o uzou

Com mais graça, e mais doutrina

Posto que Joaõ de Enzina

O Pastoril começou.

Por deligencia de seu filho Luiz Vicente sahiraõ posthumas as suas obras com este titulo.

Compilaçaõ de todas las obras de Gil Vicente o qual se reparte em sinco livros. O primeiro he de todas suas cousas de devaçam. O segundo as Comedias. O terceiro as Tragicomedias. O quarto as Farsas. No quinto as obras meudas. Lisboa por Joaõ Alvres 1562. fol. e mais correctas por Andre Lobato 1586. 4. consta de 281. folhas. Varias obras poeticas sahiraõ dispersas antes, e depois da sua morte das quais o Cathalogo he o seguinte.

Auto de Amadis de Gaula. Lisboa por Vicente Alvres 1586. 4. et ibi por Domingos da Fonceca. 1612. 4. Posto que este Auto fosse prohibido pelo Index Expurgatorio Castelhano impresso Valladolid 1549. se permite emendado no Cathalogo dos livros prohibidos por ordem do Illustrissimo Inquizidor Geral D. Fernaõ Martins Mascarenhas Lisboa 1624.

Auto da Barca do inferno. Lisboa 1623. 4. e Evora na Officina da Universidade 1671. 4.

Auto de D. Duardos. Lisboa por Vicente Alvres 1613. 4. & ibi por Ant. Alvres 1634. e Braga por Fructuozo de Basto. 1623. 4.

Auto do Juiz da Beyra. Lisboa por Ant. Alvres. 1630. 4.

Triunfo do Inverno. Comedia. Lisboa por Manoel Carvalho 1613. 4.

Pranto de Maria Parda. Lisboa por Antonio Alvres. 1632. 4.

Auto da Donzella da Torre, ou do Fidalgo Portuguez. Lisboa por Antonio Alvres. 1643. 4.

 

[Bibliotheca Lusitana, vol. II]