S. Fr. GIL chamado no seculo Gil Rodrigues de Valladares filho de Ruy Pires de Valladares do Conselho delRey D. Sancho I. de Portugal seu Mordomo mór, e Alcayde mór do Castello, e Cidade de Coimbra, e de Thereza Gil filha do Senhor da Quinta da Cavallaria naceo em o anno de 1185. em a Villa de Vouzella Cabeça do Conselho de Lafoens em o Bispado de Viseu. Teve por palestra dos seus estudos a famosa Cidade de Coimbra onde aprendendo a lingua Latina, Filosofia, e Medecina (faculdade em que naquelles tempos estudavaõ pessoas de conhecida nobreza) em o Real Convento de Santa Cruz de Coimbra como testefica D. Nicol. de Santa Maria Chron. dos Coneg. Reg. liv. 7. cap. 15. n. 4. sahio pela viveza do engenho taõ Egregiamente instruido, que nenhum dos seus condiscipulos lhe disputava a primazia. A fama que corria das suas letras lhe adquirio multiplicadas dignidades sendo ao mesmo tempo Conego das Cathedraes de Braga, Coimbra, e Guarda, Arcediago da terceira Cadeira em a de Lisboa, e Prior das Igrejas de Santa Iria em Santarem, e Santa Maria de Coruche. O verdor dos annos, e a opulencia de tantas rendas Ecclesiasticas lhe infundiraõ em o animo taõ vaõgloriosos pensamentos, que se resolveo a frequentar a Universidade de Pariz celebre emporio de todas as sciencias formando dellas os degraos por onde subisse à eminencia dos mayores lugares, que na sua idea maquinava. Tanto que chegou a esta celebre Academia continuou o estudo da Medecina, e nella fez taõ agigantados progressos, que por voto de todos os Cathedraticos foy laureado com as insignias doutoraes. Observando com madura reflexaõ que alguns dos seus condiscipulos taõ claros em o sangue, como na Sabidoria preferiaõ a pobreza Evangelica à opulencia mundana determinou seguir taõ heroicos vestigios para cujo efeito deixando o seculo se recolheo ao claustro do reformado Convento de S. Jacobo de Pariz da Ordem dos Pregadores em o anno de1225. quando contava quarenta annos de idade. Em o Noviciado onde teve por companheiro a Humberto, que depois foy Mestre Geral da Ordem, castigava com a parsimonia do sustento, e aspereza do vestido os regalos, e delicias com que fora educado na caza de seus illustres Pays, e para abater a memoria da sua nobreza se exercitava em os mais vis ministerios da cozinha, e enfermaria. Feita a profiçaõ solemne se aplicou ao estudo da Sagrada Theologia em que recebeo o grao de Mestre em a Universidade de Pariz donde partiõ para Hespanha a dictar taõ sublime Faculdade. Do Magisterio foy assumpto em o anno de 1233. ao Provincialado de toda Espanha, que vagara por morte da V. Fr. Sueyro Gomes, em cujo lugar uzou de afabilidade, e prudencia, e posto, que estava summamente atenuado com achaques, e penitencias naõ deixou de visitar a pé taõ dilatada Provincia, que se extendia pelo vasto espaço de trezentas legoas. Tendo assistido em Bolonha à celebraçaõ do Capitulo Geral em que sahio eleito no anno de 1238. por Mestre Geral da Ordem S. Raymundo de Penafort voltando a Portugal, foy absolto do lugar de Provincial, que estimou excessivamente para com mayor socego se dedicar à contemplaçaõ dos divinos atributos. A culpavel inercia com que ElRey D. Sancho II. de Portugal permitio ser dominado pelos seus Vassalos com injuria da Soberania, e abatimento da Magestade impellio aos zelozos da patria para que clamassem a Innocencio IV. o depuzesse do trono. Esta comissaõ, que era a todos formidavel, a executou o Santo Fr. Gil com apostolica liberdade posto, que padeceo graves afrontas, e infinitas molestias. Segunda vez foy eleito Provincial, e como atendia mais pela observancia religiosa, que pelo proprio descanço aceitou taõ laborioso ministerio em que encheo as obrigaçoens de vigilante Prelado. Acometido da ultima infermidade recebeo com summa ternura os Sacramentos, e pronunciando as palavras in manus tuas Domine commendo Spiritum meum partio a lograr o premio das suas virtuosas obras a 14 de Mayo de 1265. quando contava 80 annos de idade ficando com taõ agradavel aspecto, que parecia se entregara a hum placido sono. Passados seis annos foy transferido o seu corpo, que se achou incorrupto para hum Mausoleo, que lhe edificara sua Prima D. Joanna Dias Senhora da Attouguia mulher de D. Fernando Fernandes Cogominho senhor de Chaves, e Alcayde mór de Coimbra, o qual está collocado em huma Capella do Cruzeiro do Convento de S. Domingos da Villa de Santarem da parte da Epistola concorrendo continuamente innumeravel povo a venerar o Santo Cadaver. Os assombrosos milagres, que em beneficio de innumeraveis pessoas obrou a sua heroica virtude assim vivo como morto; os admiraveis extasis com que repetidas vezes foy visto suspenso nos ares parecendo mais habitador do Ceo, que da terra; as rigorosas penitencias com que macerou o corpo reduzindo o às Leys do espirito; e as gloriosas vitorias, que alcançou do Principe das trevas se podem ler difusamente em Resende. Conv. mirand. D. Aegid. Lusit. lib. 4. Souza Hist. de S. Domingos da Prov. de Portug. Part. 1. liv. 2. cap. 13. até 35 . Illustrissimo Cunha Hist. Eccles. de Brag. Part. 2. cap. 34. e Hist. Eccles. de Lisboa. Part. 2. cap. 64. Bzou. Annal. Eccles. Tom. 13. ad an. 1230. Mariet. Hist. de los Sant. de Espan. lib. 12. cap. 25. Tamayo Martyrol. Hisp. Tom. 3. ad 16. Maij. Brandaõ Mon. Lusit. Part. 4. liv. 15. cap. 32. Nunes Descripc. de Portugal. cap. 47. Vasconcel. Descript. Portugal. p. 553. n. 11. Balinghen Kalend. Virg. p. 228. Delrio Disq. Mag. lib. 6. cap. 2. sect. 3. quaest. 3. Joan. Soar. de Brit. Theatr. Lusit. Litter. lit. G. n. 49. Magna Biblioth. Eccles. Tom. 1. pag. 125. col. 1. Cardoso Agiol. Lusit. Tom. 3. pag. 239. e no Coment. de 14. de Mayo letr. C. e pag. 816. E no Coment. de 25. Julho. letr. D. Nicol. Ant. Bib. Hisp. Vet. lib. 8. cap. 4. §. 117. Monteiro Claustr. Domin. Tom. 3. pag. 227. Echard. Script. Ord. Praed. Tom. 1. pag. 241. onde refuta com resoens concludentes tudo o quanto escreveraõ alguns authores da Conversaõ do Santo Fr. Gil, mostrando evidentemente ser apocryfa aquella historia. Compoz alem de outras obras, que desapareceraõ grande parte do livro atribuido a Fr. Humberto Mestre Geral da Ordem dos Pregadores intitulado. Vitae Fratrum. Lovanii apud Servatium Sassenium 1575. 8. no qual in lib. 4. Tit. de Virtute Orationis se lem estas palavras. Haec Fr. Aegidius de Portugallia scripsit vir simplex, et rectus, & timens Deum magnus in artibus, & Physica, &Theologia. E na impressaõ de Duaco 1619. Haec Fr. Aegydius de Portugalia scripsit vir totius Sanctitatis. No mesmo lib. 4. Tit. de diversis Visionibus. Fr. Aegidius Hispanus, qui fuit in saeculo magnus, in Artibus, & in Physica & in Ordine Sacrae Paginae lector, qui Prior fuit bis in Hispania, vir religiosus, pius, & verax socio suo Fr. Humberto Magistro Ordinis scripta misit &c. Destas Relaçõens, que remeteo a Fr. Humberto faz repetida memoria Fr. Luiz de Souza Hist. de S. Doming. Part. 1. liv. 2. cap. 8. 9. e 11. principalmente da Vida de Fr. Fernando Pires, e Fr. Fernando de JESUS Religiosos Dominicos no Convento de Santarem escreve Jorge Cardoso Agiol. Lusit. Tom. 2. pag. 223. no Coment. de 18. de Março letr. B. fora seu Chronista o Santo Fr. Gil.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]