D. Fr. GASPAR DO CAZAL. Naceo em a celebre Villa de Santarem correndo o anno de 1510. e posto que se ignore o nome de seus Pays consta claramente que procedia de illustres Ascendentes por ser Neto de Valentim Gonsalves do Cazal Cavalheiro professo da Ordem de Christo Senhor de Germinade, e Mouril, e Ouvidor das terras do Infantado, e primo de Vasco Fernandes do Cazal criado do Infante D. Duarte. Quando contava a tenra idade de quatorze annos abraçou o sagrado instituto de Erimita de Santo Agostinho em o Convento da sua patria em o anno de 1524. professando solemnemente no de 1526. Nessa sagrada palestra começou a exercitar aquelles actos virtuosos constitutivos de hum exemplar religioso cauzando admiraçaõ o veloz progresso que fazia o seu espirito nas virtudes naõ sendo inferior em as letras que estudou na Universidade de Lisboa merecendo por ellas receber o grao de Doutor Theologo em a Academia Conimbricense a 19. de Março de 1542. onde foy Lente de taõ sagrada Faculdade. A profundidade da sua litteratura unida com a integridade dos seus custumes estimularaõ a ElRey D. Ioaõ o III. para o nomear seu Pregador, e Confessor de seu filho o Principe D. Ioaõ, e naõ satisfeito com esta eleyçaõ o fez primeiro Presidente da Meza da Conciencia, e Bispo do Funchal Capital da Ilha da Madeira em cuja dignidade foy confirmado por Iulio III. a 3. de Fevereiro de 1551. O mesmo Monarcha o mandou como seu Theologo ao sagrado Concilio de Trento, e nesta veneravel Assemblea assistio segunda vez no anno de 1563. reynando a Magestade de D. Sebastiaõ já quando era Bispo de Leyria onde em ambas as ocasioens deu manifestos argumentos da sua profunda sabidoria, e eloquente expressaõ. De Trento passou a Roma para bejar o pé do Summo Pontifice Pio IV. de cuja paternal benevolencia recebeo singulares demonstraçoens como elle agradecido confessa na Dedicatoria ao mesmo Pontifice da sua obra intitulada de Caena, & Calice Domini nestas palavras Beatitudinis tuae sanctissimos pedes, & Officii, &pietatis ergo deosculaturus Romam advenissem, ita me, Pontifex Maxime servulum tuum hilari fronte, gratoque animo excepisti ut re ipsa omnia fama, atque existimatione maiora esse mecumque praeclare magis, quam antea umquam ea die actum esse cognoverim. Restituido a Diocese de Leyria começou a exercitar as obrigaçoens de solicito Pastor dispendendo com generosa maõ em beneficio dos pobres o patrimonio Ecclesiastico, que naõ excedendo a quantia de sinco mil cruzados de renda, parece incrivel que pudesse chegar para taõ largo dispendio, principalmente quando se animou a erigir desde os fundamentos a Cathedral, certamente huma das mais sumptuozas que tem o Reyno. Depois de assistir no Synodo de Lisboa celebrado pelo seu Metropolitano D. Iorge de Almeyda em 22. de Março de 1574. em que estiveraõ o Bispo do Funchal D. Ieronimo Barreto; o de Lamego D. Manoel de Menezes, e o de Portalegre D. Andre de Noronha seus suffraganeos, voltou para Leyria onde edificou em o anno de 1577. hum Convento da sua Ordem para depozito das suas cinzas. Havendo illustrado as duas Cathedraes de Funchal, e Leyria foy assumpto por nomeaçaõ do Cardial D. Henrique à Cadeira Episcopal de Coimbra sendo confirmado pela Santidade de Gregorio XIII. em o primeiro de Dezembro de 1579. Convocadas Cortes em a Villa de Almeirim foy nomeado pelos Governadores do Reyno Embaxador a Filippe 2. para lhe reprezentar naõ uzasse do violento impulso das armas na pertendida sucessaõ desta Coroa mas que esperasse a decisaõ juridica de quem havia ser o seu dominante. Aceitou a incumbencia com zelo de fiel Portuguez levando por seu companheiro a Manoel de Mello Monteiro mór do Reyno, e posto que na sua pessoa concorriaõ a larga experiencia de negocios, o veneravel numero de annos, e o respeitado caracter da dignidade para concluir aquella negociaçaõ, naõ correspondeo o efeito às diligencias do seu zelo. Tendo assistido nas Cortes celebradas na Villa de Thomar por Filippe II. em o anno de 1581. se restituhio ao seu Bispado de Coimbra onde practicou todas as virtudes pastoraes dignas de eterna memoria pelas quais partio a receber o premio na patria celeste a 9. de Agosto de 1584. quando contava 72. annos de idade 60. de Religiaõ, e 34. de Bispo, sendo 6. para 7. do Funchal, 22. De Leyria, e 5. de Coimbra. Foy sepultado em o Collegio de S. Agostinho com este epitafio.

Hìc jacet bonae memoriae Pater Pauperum D. Fr. Gaspar Casalius Augustinianus sanctimonia, et octo doctissimorum librorum editione conspicuus. Quidam ex primis hujus Academiae lectoribus, primus Praesidens Senatus Conscientiae, Joannis III. Lusitaniae Regis Confessarius, consiliarius, et concionator. Archiepiscopus primò Funchalensis, deinde Episcopus Leyriensis (quo tempore bis interfuit Concilio Tridentino) tandem Episcopus Conimbricensis, &. Comes Arganillensis.

Passados 22. annos da sua morte foy tresladado como elle dispusera no seu Testamento para o Convento de Leyria que fundara cuja tresladaçaõ se executou a 15. de Mayo de 1596. sendo conduzido pelo Provincial Fr. Antonio de Santa Maria filho do Senhor D. Jorge, e neto delRey Joaõ II. e Fr. Guilherme de Santa Maria filho dos Condes de Linhares D. Francisco de Noronha, e D. Violante de Andrade, e outros gravissimos Capitulares em cujo funebre acto pregou o Mestre Fr. Antaõ Galvaõ Lente da Universidade de Coimbra. Para se eternizar a memoria de taõ illustre Prelado por ter novamente erigido a Cathedral de Leyria se lhe gravou a seguinte inscripçaõ na fachada deste Templo.

Gaspar Leiriensis Episcopus vir litteris, & magnificentia antiquis Patribus persimilis Ecclesiam Dei gubernante Paulo IV. Lusitanorum Rege Joanne III. anno à partu Virginis M.D.LIX Tertio Idus Augusti Templi Maximi fundamentum primum jecit, propriis sumptibus auxit.

Naõ he menor o aplauzo que dedicaraõ ao seu nome diversos Escritores como saõ o insigne Andre de Resende na Carta que lhe escreveo em Verso Latino a qual está impressa no 2. Tom. das suas obras. Coloniae Agripinae apud Arnoldum Mylium 1600. 8. onde entre outros Elogios que lhe faz diz o seguinte.

Te neque luxus iners, nec degener ambitus altá

Dejecit speculá; communis totius orbis

Causa Tridentinas Alpes, Athesimque nivalem

Magnum ad Concilium Patrum, Sanctumque Senatum

Fecit adire procul patriá, laribusque relictis.

Nec tamen inde demum rediisti inglorius; extant

Ingenij monumenta tui testantia curam

Pro pietate, leget quae post mirata vetustas.

Guilielm Hysengreu. Cathal. Test . veritatis ad ann. 1555. vir omni genere doctrinarum, & sapientiae clarus. Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. 1. pag. 400. col. 1. eruditionis, atque ingenii, nec non et vitae integritatis laude praestans. Souza Vid. de D. Fr. Barth. dos Mart. liv. 2. cap. 17. era estremado na agudeza, e substancia de conceitos para suspender os entendimentos,e na excellencia de os dispor para deleitar os ouvidos Joan. Soar. de Brito Theatr. Litter. lit. G. n. 17 vir certe Christiana eruditione satis conspicuus.Gratian. Anastas. August. pag. 76. Vir praeter morum integritatem ingenii praestantia, divinarum, atque humanarum cognitione supra morem excultus. Crusen. Monast. August Part. 3. cap. 39.  Lusitania ut alterum Ambrosium suscepit, suspexit, eique uti ipatri patriae acclamavit. Faria Europ. Portug. Tom. 3. Part. 3. cap. 12. Varon Santo. Macedo Collat. Doctr. D. Thom. et Scot. Tom. 2. Collat. 10. Differ. 2. sect. 3. unus PP.Concilii Tridentini praestantissimus. Fr. Ant. à Purif. de vir. Illust. Ord. Erim. D. Aug. cap. 23. memorabilis vir divinis, humanis que litteris supra morem excultus, e na Chron. da Prov. de S.Agost. de Portug. lib. 7. Tit. 1. §. 6. fol. 219. Vers. doutissimo, religiosissimo Padre. Cardozo Agiol. Lusit. Tom. 3. pag. 262. Foraõ bastãtemente aplaudidas suas letras de que saõ evidentes testemunhas inda hoje os muitos, e doctos volumes, que estampou para bem Universal da Igreja adquirindo com elles no mundo fama immortal. Fr. Jozeph de S. Antonio Flos Sanct. August. Part. 3. pag. 720. Grande Prelado. Leytaõ Cathol. dos Bisp. de Coimb. §. 70. Veneravel em virtudes, e letras, e nas Notic. Chronolog. da Univ. de Coimb. pag. 530. §. 1134. e seguintes. Vazconcellos Hist. de Santar. Edificad. liv. 2. cap. 34. digno de perpetua memoria. D. Ant. Caet. de Souz. Cathal. dos Bisp. do Funchal. §. 3. Varaõ douto, e virtuoso. e no Agiol. Lusit. Tom. 4. pag. 486. Esclarecido Prelado em virtudes, e letras. Fr. Ant. da Nativid. Mont. e Coroas. letr. G. §. 7. n. 9. e Mont. 2. cor. 8. §. 2. n. 36. e cor. 9. §. 2. n. 23. Joan. Halleverd. Bib. Curios. pag. 98. col. 1. Pallavic. Hist. Conc. Trid. lib. 19. cap. 4. n. 5. Fr. Manoel de Figueired. Flos. Sanct. August. Tom. 4. pag. 127. Compoz.

Axiomatum Christianorum libri tres ex diversis scripturis, & Sanctis Patribus adversus haereticos antiquos, & modernos. Coninbricae apud Joannem Barrerium, & Ioannem Alvares. 1550. 4. Venetiis apud Iordanem Zilettum 1563. 4. & Lugd. 1593. 4. In Praedicamenta, & Topica Aristotelis. Venetiis apud Iordanem Zilettum. 1563. 4.

De Sacrificio Missae, & Sacrosanctae Eucharistiae celebratione per Christum in Caena novissima libri tres in quibus tredecim his de rebus articuli in Sacra OEcumenica Synodo Tridentina propositi in examen revocantur, Orthodoxa fides asseritur, et adversariorum errores eliduntur. Venetiis apud Iordanem Zilettum 1563. 4. Antuerpiae apud Libertum Malcotium 1566. 8.

De Caena, & Calice Domini libri tres ad Pium IV. Pontificem Maximum. Venetiis apud Iordanem Zilettum 1563.4.

De Quadripartita Justitia libri quatuor in quibus omnium quotquot extant Theologorum conquisitis, probeque digestis sententiis orthodoxa de Justificatione nostra fides asseritur, et errores haereticorum eliduntor. Venetiis apud eumdem Typ. 1565. fol. et ibi. 1668. fol. In quo opere (saõ palavras do Doutor Ieronimo Maggio Iurisconsulto Anglariense na Epistola Dedicatoria deste livro) Dii boni! Quam multivagam eruditionem? Quàm Christiana scita? Quam reconditae Theologiae supellectilem! quàm validissimorum argumentorum vim cui nemo non manus dederit, reperi. Divum ipsum Augustinum haereticorum flagellum, quin potius Dei Spiritum, quem et Paulus se habere fassus est, eruditissimo, sanctoque Episcopo adfuisse credas: ita probe dissidia componit ex abditis Theologiae, Scripturaeque sacrae locis argumenta eruit; de faecatam, & genuinam veritatem astruit et graphice delineatam lectorum oculis spectandam, atque expetendam proponit.

Carta escrita de Leyria em 23. de Janeiro de 1561. à Raynha D. Catherina em que lhe persuade naõ deixe a Regencia da Monarchia no tempo da menoridade de seu Neto o Principe D. Sebastiaõ. Sahio impressa nas Mem. Polit. e Milit. delRey D. Sebast. Part. 1. liv. 2. cap. 3. He muito larga, e judiciosa

 

[Bibliotheca Lusitana, vol. II]

.