ANTONIO DINIZ DA CRUZ E SILVA, Cavalleiro professo na Ord. de S. Bento d’Avis, Doutor na faculdade de Direito Civil pela Universidade de Coimbra; seguiu os logares de magistratura até o de Chanceller da Relação do Rio de Janeiro; sendo ultimamente nomeado Conselheiro do Conselho Ultramarino, cargo de que consta tomara posse, mas que não chegou a exercer. – N. em Lisboa, na freguezia de Sancta Catharina a 4 de Julho de 1731, e m. no Rio de Janeiro no anno de 1799 ou principio de 1800, sem que todavia seja possivel designar a data precisa do seu falecimento.

Para a sua biographia veja‑se o Estudo do sr. Rebello da Silva impresso no Panorama, volumes IV e V da 3.ª serie, 1855‑56 e os Apontamentos que eu escrevi, e sahiram insertos no Archivo Pittoresco, vol. I, 1858, começados a pag. 346, onde mencionando todos os trabalhos de que havia noticia publicados com respeito á vida e feitos de Diniz, omitti involuntariamente o do sr. Rebello, porque só tive conhecimento d’elle quando o meu ia assás adiantado. É facil de ver que, se então o conhecesse, não ousaria explorar de novo um assumpto que já fora tractado com tal proficiencia por tão delicada penna; e que, ainda limitando‑me (como fiz) á parte puramente historica, isto é, á narrativa dos factos taes quaes poude averigual‑os, fugiria de provocar uma especie de competencia, em todos os modos desairosa e pouco lisonjeira para o meu amor proprio.

Diniz não imprimiu em sua vida que me conste, mais que a Ode ao Conde da Lippe; outra á Inauguração da Estatua equestre em 1775; o Idyllio pastoril aos desposorios do sr. Manuel Bernardo de Mello e Castro em 1771; e o Dithyrambo em applauso ao Marquez de Pombal composto por elle e por Theotonio Gomes de Carvalho em 1774: todas as demais composições suas correram por muitos annos ineditas, e só gosaram do beneficio do prelo depois do seu falecimento. São ellas:

610) Poesias de Antonio Diniz da Cruz e Silva na Arcadia de Lisboa Elpino Nonacriense. Tomo I. Lisboa, na Typ. Lacerdina 1807. 8.º de 347 pag. – Contem tres centurias de sonetos, seguidos de notas e lições variantes.

Tomo II.. Ibi, 1811. 8.º de 38‑322 pag. – Contém as eclogas e idyllios, precedidos de uma dissertação lida na Arcadia, em que se examina qual o estylo que melhor convenha a estas composições.

Tomo III. Ibi, 1812. 8.º de 296 pag. – Consta de poesias lyricas, isto é, dithyrambos, odes anacreonticas e horacianas, epithalamios, canções etc.

Tomo IV. Ibi, 1814. 8.º de 396 pag. – Comprehende mais alguns sonetos, epigrammas, apologos elegias, metamorphoses etc., a comedia original O Falso Heroismo, e a traducção da Iphigenia em Tauride, tragedia de Latouche.

Tomo V. Ibi, na Imp. Regia 1815. 8.º de XXIII‑309 pag. – Contém as odes pindaricas numeradas de I até XVI.

Tomo VI. Ibi, 1817. 8.º de 501 pag. – Contém as odes pindaricas restantes de XVII até XLIV.

Esta edição feita á custa do livreiro Manuel Pedro de Lacerda, foi preparada e dirigida por Francisco Manuel Trigoso, do qual são os prefacios, observações e notas philologicas que acompanham todos os volumes, excepto os que nos tomos V e VI pertencem ao proprio poeta. – Acha‑se exhausta ha muitos annos, e o preço dos exemplares regula actualmente de 800 a 960 réis, até 1:200.

Na Bibl Lusit. Escolhida de Salgado vem apontadas as Poesias de Diniz em 3 volumes impressos em 1812. Isto só admitte a explicação de que elle não conheceu os tomos IV, V e VI publicados depois d’aquella data. Custa a crer!

611) Odes pindaricas posthumas d’Elpino Nonacriense. Coimbra, na Imp. da Univ. 1801. 16.º de 258 pag.

Odes pindaricas de Antonio Diniz da Cruz e Silva, chamado entre os pastores da Arcadia Portugueza Elpino Nonacriense. Londres, na Off. de T. C. Hansard. 1820. 12.º gr. de VI‑224 pag.

Estas duas edições das Odes pouco differem entre si. A segunda recommenda‑se pela maior nitidez dos typos. Ambas porém são incompletas, pois comprehendem apenas 34 odes em vez das 44 que se acham na edição de Trigoso. Comparando‑as vê‑se, que n’esta ultima accrescem as odes I, XII, XV, XIX, XXXVII, XXXIX, XL XLI, XLIII, XLIV. Todavia a lição das odes nas edições de Coimbra e Londres e em geral preferivel á de Lisboa, porque o editor d’esta, apesar da sua preconisada erudição, nem sempre foi feliz na escolha das variantes, e aproveitou algumas vezes o peior.

612) O Hyssope, Poema heroi‑comico (em oito cantos). Londres, 1802. 8.º – Esta edição, feita na realidade em Paris, e que foi a primeira do celebrado poema, não merece hoje estimação alguma, em presença das outras, que posteriormente se fizeram.

Nova edicão, com variantes, prefacio e notas. Paris, na Off. de A. Bobée 1817. 12.º gr. de XXIV‑137 pag. Postoque superior em tudo a antecedente, é comtudo inferior em merecimento á seguinte, considerada de todas a melhor:

‑Nova edição revista, correcta e ampliada de notas. Paris, na Off. de P. N. Rougeron 1821. 12.º gr. de XXX‑198 pag. – Tanto esta como a de 1817 são ornadas de uma belle gravura, e foram ambas dirigidas pelo erudito philologo Timotheo Lecussan Verdier, de quem são os prologos, notas etc. Estas edições de Paris, que nos primeiros tempos se venderam a 1:200 réis, correm actualmente por 480 a 600 réis.

Além das tres referidas ha outra edição tambem de Paris, feita em 1834?, em 32.º dirigida por José da Fonseca, a qual fez parte do volume intitulado Satyricos Portuguezes, destinado a servir de tomo VI na collecção do Parnaso Lusitano.

No tempo da invasão franceza em Portugal em 1808 o livreiro F. Rolland fez ainda sahir de seu prelo uma edição do Hyssope em tudo conforme á de 1802, unica que então existia; porém sendo os francezes expulsos em Setembro d’esse anno, os exemplares, se alguns andavam á venda, foram todos recolhidos, porque o poema era prohibido em Portugal; e só depois de 1833 é que vi apparecerem alguns a publico: porém não são procurados porque em cousa alguma podem competir com os das edições parisienses de 1817 e 1821.

João Nunes Esteves deu tambem da sua oficina em 1834 uma pessima edição d’este poema, no formato de 16.°, incorrecta e em mau papel, da qual ninguem fez caso.

O Hyssope é geralmente conhecido e estimado dos estrangeiros que entendem a nossa língua. Ha d’elle uma traducção franceza, que De Manne attribue a Mr. J. F. Boissonade: sahiu com o titulo seguinte: Le Goupillon, poéme heroi‑comique, traduit du portugais d’Antoine Dinys. Paris, chez Verdière 1828.12.º gr.

Ao cabo de tantas edições falta ainda uma, que preencha satisfatoriamente a curiosidade dos leitores, pondo‑os ao alcance das particularidades historical do poema, e do caracter e circumstancias pessoaes de todos os individuos que n’elle figuram, e dando‑lhes a explicação de todos os factos a que o poeta allude em diversos logares. Veja‑se o que a este respeito digo no Archivo Pittoresco, tomo I, pag. 375.

Depois do muito que os criticos têem dito ácerca do merecimento de Diniz como poeta, notando‑se entre elles opiniões tão oppostas, quaes são v.g. a de Garrett, que no Bosquejo da Historia da Poesia Portugueza (com que se abre o tomo I do Parnaso Lusitano) diz a pag. XI que a verdadeira corôa poetica de Diniz é o Hyssope, o mais perfeito poema do seu genero que ainda se compoz em lingua nenhuma, comparada com a do sr. A. Cardoso Borges de Figueiredo, que sustenta no seu Bosquejo Historico da Litter. Classica a pag. 193, que a despeito da superioridade de Diniz como poeta satyrico o seu mais bello titulo ao nosso reconhecimento lhe vem das suas odes, parece‑me que não desagradará a alguns leitores estudiosos verem aqui o juizo que sobre estes pontos assentou um homem, cujo voto é sem duvida de grande peso. Falo do nosso poeta e critico Nuno Alvares Pereira Pato Moniz, hoje menos conhecido do que o devera ser, se tivessem vindo a publico as numerosas obras que deixou em quasi todos os generos, e entre ellas um breve, mas judicioso ensaio critico ácerca do merito dos mais notaveis poetas do seu tempo. Como tive ha annos em meu poder este inedito, por favor do meu collega e amigo o sr. José Pedro Nunes, que então o possuia, com todas as obras que restam do desventurado Moniz, falecido no desterro em 1826, d’elle extractei muitos apontamentos, e entre estes o que dizia respeito a Antonio Diniz, que transcreverei aqui na sua integra.

«É este na verdade um dos nossos mais sublimes poetas lyricos, e do qual com justiça se tem erguido um grande brado, postoque não (segundo entendo) pelo motivo que geralmente se aponta, isto é, por ser elle o nosso Pindaro: ou, o que o mesmo vale, por ser elle um optimo imitador de Pindaro: cuido que bem pouco tem d’isso. Nas odes de Pindaro vemos constantemente alliada a poesia com a philosophia, e falta esta nas de Antonio Diniz: em Pindaro ha muita poesia descriptiva, em Diniz quasi nenhuma: Pindaro em quasi todas as suas odes tem grandes e mui variadas digressões; as que achamos em Antonio Diniz são todas historicas, e em historia foi elle na verdade um dos nossos poetas mais sabedores: em Pindaro ha muitas e excellentes comparações allegoricas, e prosopopeas, e muitas atrevidas e felicissimas metaphoras, e eis aqui no que elle é imitado por A. Diniz; advertindo porém que a pluralidade das metaphoras que tomou de emprestimo, foram tomadas não de Pindaro, mas sim de Chiabrera um dos melhores lyricos italianos: o que não obstante deve notar‑se que de todos estes magnificos adornos da lyrica poesia, alguns ha a que Diniz pode chamar propriamente seus, já por serem de sua propria invenção, e já porque tão feliz e artificiosamente os revestiu e trajou, que ao todo parecem novos. O estylo é uma das em Pindaro mais avantajadas condições, nem de outro sabemos que mais o tenha sublime, e sustentado, nem de mais perfeita harmonia metrica: na primeira parte o imita Diniz, posto que com muitas e grandes desigualdades, e mal na segunda se lhe poderá comparar, por ser elle d’entre nossos bons modernos o mais frouxo e descuidado metrificador, e cheio de muitos e rigorosos prosaísmos: dir‑se‑ha porém, e de justiça é que se diga, serem todos esses defeitos como pequenas manchas em mui suberbos quadros: pois quando a phantasia de Antonio Diniz é assaltada pela fogosa torrente do estro, que tantas vezes a inflammou, a sua expressão é não sómeute pura, propria, e energica, senão que é ardente e impetuosa, e arrebata comsigo a alma de seus leitores: mas não era elle dotado de tão creadora imaginação como incendiada phantasia: sabia bem engrandecer os objectos que encarava, raro porém creava outros com que estes embellecesse; e eis aqui o porque as suas odes são, pela maior parte, batidas debaixo do mesmo cunho: verdade e que a uniformidade dos assumptos devia, na expressão de sua grandeza, produzir alguma monotonia, mas nem tanta que o artificio de todas as odes fosse, como é em Diniz, fundado na comparação e parallelo de cada um dos nossos heroes com algum outro da mais famosa antiguidade. Por certo que os nobres feitos dos portuguezes na India tiveram bem mais grandeza e variedade do que os solemnes jogos da Grecia, e sobre elles soube Pindaro diversificar as suas tão estimadas odes. Finalmente confrontem‑se as odes de Diniz com as de Pindaro, e com as de Chiabrera, e aqui e ali semeadas se lhe acharão as imitações do primeiro, quando aliás o segundo se achará quasi a cada pagina imitado: e ainda isso, quanto a mim com esta differença: Chiabrera tem mais philosophia e mais variedade, porém não mais alteza nos pensamentos, mais arrojo nas figuras, nem mais riqueza e magestade na dicção: as suas odes heroicas são quasi todas vulcanicas, porém as suas explosões não são mais violentas, e os vôos de Diniz são quasi sempre mais sustentados: talvez poderia dizer‑se que as odes de Chiabrera são ardentes e brilhantissimos phosphoros, e as de Antonio Diniz fulgorosos e bem caudatos cometas: mas Pindaro é um astro de luz propria; e será Diniz um seu grande imitador? Não, nem ainda o nosso Pindaro, porque temos outro maior do que elle, que é Francisco Manuel; este sim, que é harmonioso, energico, sublime, rapido, arrojado, impetuoso, e mil vezes original; nenhum tem elle que lhe seja superior. Que importa o não fazer, como Diniz, a divisão (para nós chimerica) de suas odes por strophes, antistrophes, e epodos? Além de que, por essa lhe faltar egualmente, negar‑se‑ha por ventura que tenha Horacio algumas odes tão sublimes como as de Pindaro? pois ainda mais tem Francisco Manuel. – E como appellidaremos então Diniz? Como um grande poeta, que entre nós abriu em lyrica uma nova e magnifica estrada, pela qual se têem perdido quasi todos os seus seguidores. Mas nem só foi elle excellente nas suas odes pindaricas, e alta prova é de seu muito engenho que d’aquellas odes sublimes em que anda quasi sempre topetando com os astros, descesse ás composições eroticas, e por tal arte soubesse amoldar o estylo, e apropriar a expressão, que pela maior parte sejam as suas Odes anacreonticas umas das melhores cousas que n’esse genero possuimos. Porém a natureza, que em nenhum sentido deixa illimitado o humano poder, não deu a Antonio Diniz tão amplas as faculdades do estro, que fosse capaz de escrever ao modo de Horacio: e proviria isto sómente de seu ingenho? não, eu cuido que tambem da sua lição foi procedido. Diniz era mui erudito legista, historiador e philologo, mas não philosopho, e isto lhe faltou para compor boas odes horacianas. Inda bem, visto serem tão ruins, que poucas foram as que n’esse genero nos deixou, já que é fado dos auctores celebres que nas posthumas edições de suas obras se estampem quantas frioleiras em má hora compozeram. Pouco valem as suas outras composições, á excepcão de alguns poucos Sonetos, alguns Idyllios e quasi todos os Dithyrambos: e se estes são bons, é optimo o seu Hyssope, sendo esse não sómente o nosso melhor poema heroi‑comico, porém de tantas bellezas enriquecido, que bem póde competir com os melhores das outras nações. Quanto ás suas Metamorphoses para tudo lhes faltar até lhes falta o metro, parecendo pela maior parte, que antes são escriptas em prosa arrevezada, que em versos hendecasyllabos. »

 

[Diccionario bibliographico portuguez, tomo 1]