GARCIA DE ORTA natural da Cidade de Elvas donde depois de estar instruido com os primeiros rudimentos passou a Castella, e nas Universidades de Alcalà, e Salamanca frequentou o estudo da Medecina em que recebeo o graò de Licenciado. Restituido a Portugal foy Lente de Filosofia na Universidade de Lisboa até o anno de 1534. em que se embarcou com o lugar de Medico delRey para a India na armada composta de sinco Náos de que era Capitaõ Mòr Martim Affonso de Souza de cuja familia era domestico, e com elle se achou no anno seguinte de 1535. na Fundaçaõ da Fortaleza de Dio, como escreve no Colloquio 35. Tendo adquerido a mais profunda noticia da Arte Medica practicada pela larga experiencia de quarenta annos assim na Europa, como na Asia, se aplicou à investigaçaõ das virtudes das plantas, e ervas que produziaõ as Regioens Orientaes devendose à sua incansavel deligencia manifestar as qualidades que estavaõ ocultas naquella vegetativa republica, das quais por falta de exame, e conhecimento tinhaõ escrito tantas fabulas muitos authores assim antigos, como modernos. O methodo com que triunfou das doenças mais rebeldes, e a vasta sciencia que tinha da Botanica lhes conciliaraõ a estimaçaõ naõ somente dos Governadores do Estado da India, mas ainda de muitos Reys Gentios principalmente do Nizamaluco que muitas vezes o chamou para o curar dando-lhe cada vez que vinha à sua prezença doze mil pardaos, e oferecendo-lhe quarenta mil de estipendio se quizesse assistirlhe quatro vezes cada anno. Para utilizar o publico com as continuas vigilias, que aplicara na investigaçaõ das plantas medicinaes de que he fecundo terreno a India Oriental. Compoz.
Colloquios dos Simples, e couzas medicinaes da India, e assi de algumas frutas medicinaes achadas nella, donde se trataõ algumas couzas tocantes á Medecina practica, e outras couzas boas para saber. Goa por Joannes de Endem a X. de Abril de 1563. annos. 4. Esta obra que tinha escrito na lingua Latina a publicou na materna por satisfazer á suplica de alguns amigos empenhados em que fosse mais proveitoza a todo o genero de pessoas, e a dedicou a Martim Affonso de Souza havendo 18. annos que com elle se embarcara para a India quando já assistia em Portugal gozando o ocio da paz à sombra das palmas com que se coroou triunfante em o Oriente. A este grande Mecenas antes da Dedicatoria està hum Soneto cujo assumpto declara com este titulo. Do autor falando com ho seu libro, e mandao ao Senhor Martim Afonso de Souza.
Seguro livro meu, da qui te parte,
Que com huma causa justa me consolo,
De verte oferecer ho inculto colo,
Ao cutello mordás, em toda a parte.
E esta he, que da qui mando examinarte,
Por hum Senhór, que de hum ao outro polo,
Sò nelle tem mostrado ho douto Apollo
Ter competencia igual có duro Marte.
Ali acharás defensa verdadeira
Com força de razoens, ou de Osadia,
Que huma virtude a outra naõ derrogua.
Mas na sua fronte há Palma, e há Oliveira,
Te diraõ que elle só, de igual valia
Fez co sanguineo arnez, ha branca Togua.
Seja o primeiro elogio desta obra a erudita informaçaõ do Doutor Dimas Bosque Medico Valenciano, que naquelle tempo vivia em Goa, e sahio impresso no principio dizendo entre outros louvores. Força tambem a authoridade do Autor aos que este seu livro lerem ter as couzas delle na conta, e estima, que ellas merecem, pois saõ de homem, que do principio da sua idade até a authorizada velhice nas letras, e faculdade de Medecina gastou seu tempo com tanto trabalho, e deligencia, que duvido achar na Europa quem em seu estudo lhe fizesse vantagem. O celebre Poeta Henrique Cayado lhe dedicou o seguinte epigramma em louvor de obra.
India quos frucus, gemmas, & aromata gignat,
Garcia pescribit D’ortius illa brevi.
Hoc opus, ò medici, manibus versetur ubique
Quod veteres olim non valuere viri.
Multa quidem vobis per quae medicina paratur
Occurrent, tenebris, quae latuere diù.
Rarus honos, doctor, tantas aperire tenebras
Plinius es terris, atque Dioscorides.
Qui quamvis ausi, magnis de rebus uterque
Scribere, judicio cedet uterque tuo.
Namque potens herbis, toto Podalyrius orbe
Diceris, & verá laude parare decus.
Forsitan & quaeras cur non sermone Latino
Utitur, ò Lector: consulit indocili.
Floret utraque nimis lingua cum postulat usus,
Excellens Medicus, Philosophusque simul.
Em diversa lingua, mas com mayor energia lhe corresponde o mais canoro Cisne do Parnasso Portuguez o divino Camoens assistente naquelle tempo em Goa na Ode 8. derigida a D. Francisco Coutinho Conde de Redondo, e Vicerey da India.
Favorecey a antiga
Ciencia que já Aquilles estimou:
Olhay que vos obriga
O ver que em vosso tempo rebentou
O fruto de aquell’ Orta onde florecem
Plantas novas, que os doctos naõ conhece
Olhay que em vossos annos
Huma Orta produze varias ervas
Nos campos Indianos
As quaes aquellas doctas, e protervas
Medea, e Circe nunca conheceraõ
Posto que a Ley de Magia excederaõ.
E vede carregado
De annos, e tras a varia experiencia
Hum velho que ensinado
Das Gangeticas Musas na Ciencia
Podaliria sutil, e arte Sylvestre
Vence ao velho Chiron d’ Aquiles Mestre
Christovaõ da Costa, de quem fizemos memoria em seu lugar, no Tratado de las Drogas, e Medicinas de las Indias Orientales diz no Prologo. Encontrè en las Indias Orientales con el Doctor Garcia de Orta medico Portuguez, y Varon grave de raro, y peregrino ingenio, cuyos loores dexo para mejor ocasion por ser tantos que quando pensasse aver dicho muchos serian más los que me auria dexado. Depois de relatar varias circunstancias porque se fazia digna de estimaçaõ a obra que imprimira o Doutor Garcia de Orta, conclue. Pareciendome a mi, que en esta nuestra nacion seria aquel libro de grãde provecho se se diesse noticia de las cosas buenas que en el ay mostrandose con sus exemplos, y figuras para mayor conocerlas… zelozo del bien desta tierra con la charidad que a mis proximos devo deliberè tomar este trabajo, y debuxar vivo cada planta sacada de raiz abueltas de otras muchas, que yo vi, y el Doctor Garcia d’Orta nò pudo por las cauzas dichas. Donde se colhe que traduzio a obra dos Colloquios de Garcia de Orta em Castelhano, assim como a verteo em Latim Carlos Clusio mais abreviadamente com este titulo.
Aromatum, et simplicium aliquot medicamentorum apud Indos nascentium Historia: primum quidem Lusitana lingua per Dialogos conscripta a D. Garcia ab Horto Proregis Indiae Medico auctore. Nunc vero Latino sermone in Epitomen contracta, & iconibus ad vivum expressis, locupletioribus annotatiunculis illustrata a Carolo Clusio Atrebate Antuerpiae apud Christophorum Plantinum 1567. 8. & ibi apud eumdem Typ. 1574. 8. et 1582. 8. 1584. 8. & ibi apud Viduam Joannes Moreti. 1593. 8. O Traductor na Epistola dedicatoria diz. Perlectum librum haud mendaci titulo insignitum esse deprehendi: etenim multarum plantarum meminit, quae á Veteribus haudquaquam descripta sunt; atque etiam de iis aromatibus agit quae veteribus quidem descripta, & non satis perspecta fuere. Sahio com humas doutissimas illustraçoens de Joaõ Boncio Medico de Leyden. Lugd. Batau. 1642. 12. Joaõ Posthio Medico Alemaõ louva com este epigrama ao Tradutor, e ao Traduzido.
Gratia magna tibi debetur Garcia: nec non
Gratia debetur Carole magna tibi.
Tu quoniam nobis latio sermone dedisti
Ille suis patrio, quae dedit ante sono.
Vestra simul vivent igitur praeconia, donec
India fertilibus pharmaca mittet agris.
O Doutor Anibal Briganti Marracino de Chieti tradusio esta obra em a lingua Italiana com este titulo.
Dell’ historia de i semplici aromati, e altre cose che vengono portate dell’ Indie Orientali pertenente al uso de la Medecina scritta in lengua Portughese dell’ excellente Doctore Garcia del Horto. Venetia por Francesco Ziletti. 1582. 4. & ibi por le heredi de Hyeronimo Scoti. 1605. 8. e na lingua Franceza por Antonio Colin. Pariz. 1609. 8. e 1615. com o apellido du Jardin.
Fazem illustre memoria de Garcia de Orta Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. 1. p. 395. col. 1. eximio ingenio, & multa vir doctrina, rerumque imprimis Indicarum peritia instructissimus. Zacut. Lusit. de Med. Princip. Hist. lib. 5. hist. 28. diligentissimus scriptor. Joan. Soar. de Brito Theatr. Lusit. Litter. lit. G. n. 6. Medicus clarissimus. O Doutor Dimas Bosque na Carta Latina escrita ao Doutor Thomas Rodrigues da Veyga Cathedratico de Prima de Medecina do qual era seu discipulo, lhe chama prudentissimus senex. Severim Disc. de Var. Hist. fol. 50. cujos livros saõ muito estimados. Leitaõ Mem. Chronol. da Univ. de Coimb. pag. 517. até 529.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]