FR. ANTONIO DAS CHAGAS (2.º), chamado no seculo ANTONIO DA FONSECA SOARES, seguiu primeiramente a vida militar, chegando ao posto de Capitão. Depois renunciando o mundo e suas pompas, professou a regra de S. Francisco no convento d’Evora, a 19 de Maio de 1663 quando contava quasi 32 annos de edade. Foi Missionario Apostolico, e instituidor do seminario do Varatojo no convento que ahi fundara elrei D. Affonso V, e de que elle e seus companheiros tomaram posse a 6 de Maio de 1680. – N. na villa da Vidigueira, no Alemtejo, a 25 de Junho de 1631, e depois de regeitar a mitra de Lamego que lhe fora offerecida, morreu com fama de grande sanctidade no referido seminario do Varatojo a 20 de Outubro de 1682, com pouco mais de 51 annos. V. a sua Vida composta pelo P. Manuel Godinho, de que ha varias edições, e tambem Canaes, nos Estudos Biogr. pag. 225. Ha na Bibl. Nac. de Lisboa um seu retrato de meio corpo. – E.
531) (C) Cartas espirituaes do Veneravel P. Fr. Antonio das Chagas, com suas notas observadas por um seu amigo etc. Lisboa, por Miguel Deslandes 1684. 4.º de XVI‑246 pag., adornado com um retrato do P. Chagas. O auctor das notas foi D. João da Silva, Tenente General de cavallaria, falecido de 82 annos no de 1712.
532) Segunda parte das Cartas espirituaes. Ibi, pelo mesmo impressor 1687. 4.º Esta parte sahiu por diligencia do P. Manuel Godinho. – Ambas as partes sahiram em segunda edição, Lisboa 1736. 4.º 2 tomos.
Os preços da primeira, que é preferivel e mais estimada, regulam entre 600 e 960 réis.
533) (C) Primeira parte das Obras espirituaes do espiritual e veneravel Padre etc. Lisboa, por Miguel Deslandes 1684. 8.º Foram tambem publicadas posthumas, e por diligencia do dito P. Godinho. Sahiram novamente com o titulo seguinte: Obras espirituaes etc. Primeira e segunda parte, dedicadas pelo mesmo auctor a Christo crucificado. Lisboa, na Off. de Francisco Borges de Sousa 1762. 4.° de XX‑507 pag. – Na segunda parte se incorporaram varios opusculos que já corriam impressos em separado; taes como: Espelho do Espirito em que deve ver‑se e compor‑se a alma etc. – Faiscas do Amor divino e lagrimas da alma, – O Padre Nosso commentado, – Semana sancta espiritual, etc. etc.
Este volume, cujo preço regular, bem como o dos que se seguem, é de 400 a 480 réis, apparece ás vezes inesperadamente por preços insignificantes. Eu tenho um, e bem tractado, que me custou apenas 80 réis!
534) (C) Escola de Penitencia, e flagello de viciosos costumes, que consta de Sermões apostolicos etc. tirados á luz por Fr. Manuel da Conceição, Missionario do Varatojo. Lisboa, por Miguel Deslandes 1687. 4.º de XIV‑516 pag. – Ha segunda edição, ibi, na Off. de Antonio Rodrigues Galhardo 1763. 4.º.
Ainda que estes sermões sahiram posthumos, e não receberam da mão do auctor a ultima lima, comtudo pela alteza dos assumptos, pela solidez e força do raciocinio, e até pela cultura da dicção, gravidade do estylo, e pureza da phrase não são menos recommendaveis que as outras obras do respeitavel missionario. O sermão preludial e exhortatorio, que vem no principio, é todo do editor P. Conceição, que de si confessa haver accrescentado nos outros muitos logares e muitas auctoridades.
535) (C) Sermões genuinos e practicas espirituaes etc. Lisboa, por Miguel Deslandes 1690. 4.º – Foram dadas á luz pelo P. Manuel Godinho, de quem é a disposição, prologo, etc. – Sahiram novamente, ibi, por Miguel Rodrigues 1737. 4.º de XII‑518 pag., e ultimamente, ibi, por Antonio Rodrigues Galhardo, 1762. 4.º.
536) (C) Ramalhete espiritual, composto com as flores de doze sermões doutrinaveis, que no reino de Portugal prégou o insigne Orador etc. – Tirou‑os á luz o M. R. P. Fr. José da Trindade da provincia dos Algarves. Lisboa, por José Manescal 1722. 4.º – Ibi, por Francisco Borges de Sousa 1764. 4.º de XII‑567 pag.
Falando geralmente a proposito dos sermões do P. Chagas, diz o erudito Cenaculo: «que supposto n’elles se encontre certa propensão para o uso dos equivocos, opposta a instituição mascula de orar, todavia respiram a suavidade e graça naturaes de seu auctor.»
Além d’estas obras de maior vulto publicaram‑se ainda em nome do mesmo veneravel Padre alguns pequenos opusculos em prosa e verso. Os que tem chegado á minha mão são os seguintes:
537) Desengano do Mundo, pelo mais enganado d’elle. Obra que fez no tempo em que andava para entrar na religião. Coimbra, por Luis Secco Ferreira 1743. 4.º de 15 pag. – É em prosa, e começa: Alérta, homens pois não ha vida tão privilegiada etc.
538) Contricção de um peccador arrependido a Christo crucificado. Lisboa, por João Galrão 1685. 4.º São cincoenta oitavas.
539) Fugida para o deserto, e desengano do mundo. Lisboa, por Pedro Ferreira 1756. 4.º – Reimpresso, ibi, por Manuel Soares, com a mesma data. De 12 pag. É um largo romance.
540) Carta do Ven. P. Fr. Antonio das Chagas, escripta a um amigo seu, depois de ser religioso, na qual se manifesta a sua virtude e se qualifica o seu entendimento. Coimbra, sem nome do impressor 1738. 4.º de 9 pag. – Começa: Tão descuidado, amigo Fabio, me tinham os empregos etc. Esta carta é tambem attribuida ao cardeal D. José Pereira de Lacerda, e até foi impressa conjunctamente com os Sermões d’este no volume de que farei menção no artigo competente.
No fim da Vida de Fr. Antonio das Chagas pelo P. Godinho, já acima citada, andam quatro elegias suas em tercetos.
De todas as composições poeticas que escreveu anteriormente á epocha da sua conversão, apenas consta que se imprimissem as que vem (anonymas) na Phenix Renascida tomo IV pag. 356 a 372, e tomo V pag. 72 a 136, parte d’ellas em lingua castelhana: dous pequenos poemas em outava rima, o primeiro com o titulo Applauso da gioriosa victoria das linhas d’Elvas etc., o segundo Mourão Restaurado em 29 de Outubro de 1657: sahiram tambem com o nome de Antonio da Fonseca Soares no Postilhão d’Apollo, tomo I a pag. 281 e tomo II a pag. 211.
Do seu chamado poema Tragico‑Amoroso, com o titulo de Filis y Demofonte, escripto em oitavas hespanholas, inedito que elle nunca chegou a completar, escrevendo do canto outavo apenas as primeiras cinco estancias, e parando no canto decimo na estancia decima quinta, tenho visto varias copias, sendo a mais notavel por sua nitidez e perfeição calligraphica uma que existe na livraria da Acad. Real das Sc. Na minha collecção de manuscriptos tenho outra, de letra que indica ser dos principios do seculo passado, formando um volume de 400 paginas em 4.° e é estimavel pelo grande numero de variantes que encerra, mostrando haver sido collacionada com diversos transumptos.
Em maior estimação ainda conservo do mesmo auctor outro pequeno codice no formato de 12.°, contendo 557 pag. de bellissima letra dos fins do seculo XVII, e no melhor estado de conservação. Seu titulo é: Romances que compoz Fr. Antonio das Chagas antes de ser religioso. Comprehende ao todo cento e cincoenta e nove romances, uns em portuguez, outros em castelhano. É collecção completa, tanto quanto eu posso julgar, e copia quasi contemporanea, feita com todo o esmero.
Tendo dado conta de todas as obras conhecidas do P. Chagas, ouçamos agora quanto aos seus meritos como escriptor, o que diz a proposito o P. Francisco José Freire nas suas Reflexões sobre a Lingua Portugueza, tanto menos suspeito nos louvores que lhe dá, quanto as suas opiniões em materias de gosto e poesia eram diametralmente oppostas ás idéas que dominavam no tempo de Fonseca Soares ou P. Chagas. Diz pois o bom Candido Lusitano: «Foi este escriptor um dos que melhor penetraram os mysterios da lingua portugueza. Em todas as suas obras se vêem provas de que usava d’ella com propriedade, como quem tinha medido a sua vastidão. Nas Cartas Espirituaes acham‑lhe os criticos mais cultura e pureza do que nos outros livros, especialmente no uso de termos e phrases familiares, se bem que muitas ou inventou, ou tirou do castelhano sem as achar defendidas com exemplos de escriptores de classica auctoridade. Se o seu estylo não fôra tão florido, inconstante, e muitas vezes poetico, teria talvez facilitado ainda aos rigoristas, o darem‑lhe logar mais distincto entre os primeiros mestres da nossa linguagem. – Considerado como poeta, tem tal merecimento nos seus versos, no que toca ás especialidades da locução, que os criticos lhe deram logar entre os classicos. O certo e que não haverá palavra expressiva, ou modo de falar legitimamente portuguez, que se não encontre n’este auctor, especialmente nas obras em que usou do estylo temperado, ou simples.» – Omitto por brevidade muitos outros testemunhos, que podia aqui adduzir.
[Diccionario bibliographico portuguez, tomo 1]