GABRIEL DA COSTA natural da Cicade do Porto, e filho de Pays nobres, e Catholicos posto que descendentes da Naçaõ Judaica, que o educaraõ com aquelles documentos, e artes dignas de hum mancebo bem nacido, sendo muito destro no manejo dos cavallos em que imitou a seu Pay, que neste exercicio foy peritissimo. Para cultivar o engenho que era muito perspicàs elegeo entre todas as Faculdades a Iurisprudencia Cesarea em que fez grandes progressos pelos quais mereceo quando contava vinte e sinco annos de idade obter a dignidade Ecclesiastica de Thezoureiro Mòr em huma Collegiada deste Reyno. Temeroso da condenaçaõ eterna, e solicito da salvaçaõ revolvia com incansavel disvelo varios livros asceticos, e outros de Theologia Moral, e da sua liçaõ começou a duvidar como podiaõ ser perdoados os pecados na Confiçaõ sacramental do que concebeo tal afliçaõ, e perplexidade no animo, que fluctuando entre a eleiçaõ da Ley, que havia de seguir, apostatou da Catholica em que fora educado, e abraçou a Moysaica para cujo effeito conhecendo que na patria havia de ser punido por desertor da verdadeira Religiaõ sem participar a pessoa alguma o seu intento renunciado o Beneficio, e deixadas as cazas nobres que seu Pay edificara no Porto, fugio clandestinamente com sua Mãy, e Irmaõs para Amsterdam onde se circuncidou mudando o nome de Gabriel em Vriel. Depois de examinar com grande reflexaõ que a ley que os Iudeos observavaõ naquella Cidade era muito diferente da que promulgara Moyses, julgando por horrendo absurdo esta transgressaõ, escreveo hum livro em que mostrava claramente pelos fundamentos da mesma ley como lhe eraõ totalmente opostas, e repugnantes as tradiçoens dos Fariseos de que se originou hum taõ furioso odio dos Iudeos contra a sua pessoa, principalmente por negar a immortalidade da alma, que lhe chamavaõ publicamente herege, e era apedrejado nas ruas todas as vezes que aparecia. Naõ foraõ bastantes taõ graves oprobrios para que refolutamente animozo sahisse com hum Tratado em que sustentava a sua opiniaõ de naõ ser a alma immortal por cuja causa sendo delatado pelos Iudeos aos Magistrados de Amsterdaõ acuzando-o de ofender igualmente a ley de Moyses como arruinar os fundamentos da Religiaõ Christaã, de que resultou depois de estar preso 18. dias ser condenado em trezentos Florins com perda de todos os livros. Cahindo de hum abismo, em outro mayor começou a afirmar que a Ley de Moyses naõ fora dada por Deos, mas era hum invento humano por conter muitos preceitos repugnantes à ley da natureza, e naõ podia Deos como Author da mesma natureza ser contrario a si mesmo; e certamente o seria se propuzesse aos homens preceitos, que se naõ podiaõ observar. Sendo acuzado por hum seu sobrinho de ser infiel aos Rabinos concitou contra si a colera dos sequazes da Sinagoga com tal excesso, que tumultuariamente o levaraõ à prezença dos Juizes, e sendo exarninado escrupulosamente das suas propofiçoens o condenaraõ a que despido até a cintura, e descalso dentro da Sinagoga fosse açoutado recebendo trinta, e nove açoutes naõ chegando ao numero de quarenta por ser prohibido pela Ley. Estimulado desta publica injuria resolveo vingar-se de quem fora o seu principal author contra o qual disparando hum bacamarte como errasse o tiro, e fosse conhecido, com a mesma arma se privou da vida no mez de Abril de 1640 como escreve Ioaõ Mallero in Prolog. ad Judaism. detect. pag. 71 . ou no anno de 1647. como querem Ioaõ Clerc Bib. Univ. Tom. 7. pag. 327. e Ioaõ Christovaõ Wolfio Bib. Hebraic. pag. 131. §. 203. Fazem delle mençaõ Imbonato Bib. Latin. Hebraic. pag. 201. col. 1. pag. 208. Bib. Magna Eccles. Tom. 1. pag. 70. col. 2. Bayle Diccion. Historiq. e Critiq. Tom. 1. pag. mihi 67. Joan. Moller Homonymoscopia. pag. 784. e Bern. Mart. Diefenbach. in Judaeo convertend. p. 132.

Compoz

Exame de Tradiçoens Farisaicas conferidas com a Ley escrita contra a immortalidade da alma. Amsterdam por Paulo Ravenstein 1623. 8. Esta obra foy escrita contra o Tratado da immortalidade da alma que compoz o Doutor Samuel da Sylva de profissaõ medico o qual foy impresso Amsterdaõ anno da Creaçaõ do Mundo 5383. que corresponde ao de Christo. 1623.

Exemplar humanae vitae. Foy achada esta obra entre os M. S. de Simaõ Episcopio, e publicada por Filipe Limborck no fim do seu doutissimo Tratado intitulado Amica collatio cum erudito Judaeo. Goudae apud Justum ab Hoeve. 1687. 4. a pag. 341. Nelle narra os tragicos sucessos da sua vida, e faz huma acerrima invectiva contra os Judeos de quem se queixa fora tyranamente tratado onde involve alguns argumentos com que impiamente impugna toda a Revelaçaõ divina, e toda a religiaõ revelada, como fabricada pela malicia humana, vomitando muitas proposiçoens contra o Christianismo de que foy impio desertor. Filipe Limborck o confusa doutamente naquella parte que respeita à Revelaçaõ divina com hum Tratado particular que intitulou Brevis refutatio argumentorum quibus Acosta omnem Religionem revelatã impugnat. Sahio impresso com o Exemplar vitae humanae do mesmo Gabriel da Costa.

 

[Bibliotheca Lusitana, vol. II]