Participei, há dias, num congresso em que fiz uma intervenção sobre a loucura na literatura, sabendo que a loucura é um não lugar de certezas e a literatura a forma com que nos enganamos, com prazer, rumo à liberdade. Na sequência desse episódio, académico e portanto de pouco significado, dei comigo a pensar o que se segue. É de grande inutilidade – mas faz-me bem, como uma lufada de ar à beira oceano, um dia de ócio ou um bocejo muito prolongado. Um beijo – o mais casto e inspirado.

Há uma profunda contradição em certas leituras que faço. Não pelo conteúdo que gentilmente me disponibilizam mas pela forma com que as escolho e o desacato com que as interpreto. Opto por elas com a fome do garoto que passou a manhã a tentar perceber para que serve a escola quando no pátio há tanto e tão mais divertido para fazer.

Quase obsessivamente, dou prioridade a ensaios e a ensaístas e a minha mesa de trabalho tem sempre, pelo menos dois, livros de filósofos.

Quem me visita espanta-se por encontrar ficção ao lado de grandes pensadores e até livrinhos policiais de obesa essência a espreitar do volume grosso do filósofo aplaudido. De todos faço a eleição de alguns e na exiguidade do que se pensa nos nossos dias há sempre alguns que se destacam – e me surpreendem. Dos pensadores aos mestres do enredo.

É na minha trincheira o que mais me assalta: a capacidade que alguns pensadores (e diria: algumas pessoas ) têm de surpreender-me. Eis um exemplo: sem gostar dele especialmente, Deleuze anda sempre por perto. Nem sei porquê, percorrido o labirinto há sempre um beco em que nos encontramos.

Apontam-me a dedo que gosto de estudar e que ficar em cantos de luz baixa a ler livros é um sintoma de imbecilidade, como outro qualquer. É uma traição ao sol, dizem-me alguns, e surpreendem-se muito quando me veem regressar tisnado e até com marcas excessivas da exposição ao astro-rei. Esses que me acusam, porque se preocupam, não por inimizade, arranjaram-me um título que acham depreciativo: és LOUCO. Podias aproveitar melhor a vida. E vejo-os a correr para as suas necessidades depressivas, por detrás das quais há uma vontade enorme de ser feliz e que, por comparação comigo, não me chegam para exemplo a seguir.

Confesso que é a seguir os meus trilhos que me sinto. A poesia, a música, as paisagens que me trago, adiam a morte como alguns remédios o fazem aos mais debilitados. Acho que é só para isso que serve o Belo – conceito tão variável de acordo com cada um de nós. Para que se adie o derradeiro.

Deleuze afirma que só amamos de verdade uma pessoa quando percebemos a sua loucura. E regozijo-me com aqueles que me entendem.  Ser amado é uma das nossas maiores ambições – só rivaliza com a capacidade de amarmos. Quando essa nos escapa nada pode ser recíproco. Amar a nossa loucura é erguer um facho a arder na noite escura, diria o Régio.

Tenho horas para escrever, outras para estudar, outras para andar por aí sem comprometimentos, alimento as minhas causas, mesmo as perdidas, só perante mim faço alarde do que faço, fazendo-o até á obcecação: um balancé entre utopias e distopias, para aguentar o que temos de mais violento: a realidade. Alexandre Honrado