FRANCISCO DE SÁ, E MIRANDA naceo na famosa Cidade de Coimbra a 27. de Outubro de 1495. de cuja patria virtuosamente se jacta na Fabul. do Mondeg. Estanc. 7.
Mas sobre todo lo que enriquiciò
La antigua tierra mia es el thezoro
Del santo cuerpo de su Rey primero
Foraõ seus Pays Gonçalo Mendes de Sà, e D. Filippa de Sà filha de Rodrigo Annes de Sà, e neta de Joaõ Rodrigues de Sà Varaõ digno de eterna memoria pelas acçoens politicas, e militares, que obrou em o Reynado delRey D. Joaõ o I. Para se instruir nas sciencias amenas, e severas naõ foy necessario sahir da sua patria onde depois de estudar os preceitos da Poesia, e Oratoria se aplicou com mayor disvelo a penetrar as subtilezas da Jurisprudencia Cesarea em que fez tantos progressos o seu maduro talento, e admiravel comprehensaõ, que recebidas as insignias Doutoraes nesta Faculdade a dictou com universal applauso em varias Cadeiras illustrando duplicadamente aquella nova Athenas com o nacimento, e com o magisterio. Por morte de seu Pay em cujo obsequio seguira aquelle genero de estudo se resolveo ainda que convidado pela Magestade delRey D. Joaõ o III. para administrar os mais honorificos lugares de letras a preferir a contemplaçaõ da Filosofia Moral, e Estoica para onde o inclinava o genio, a todas as honras, e conveniencias, que lhe podiaõ resultar do exercicio de Ministro. Firme em resoluçaõ taõ madura sahio do Reyno a examinar com os olhos as noticias, que aprendera em os livros, e discorrendo pelas melhores Cidades de Espanha, principalmente de Italia como foraõ Roma, Veneza, Napoles, Sicilia, Milaõ, e Florença observou tudo, que era mais notavel com atençaõ de curioso, e juizo de Sabio. Restituido a Portugal mereceo lograr distintas estimaçoens delRey D. Joaõ o III. e ainda mayores do Principe D. Joaõ, que igualmente se deleitava da sua discreta conversaçaõ, como da liçaõ das suas Poesias. Ao tempo que recebera da liberalidade real a Cõmenda chamada das duas Igrejas da Ordem de Christo em o Arcebispado de Braga se armou injustamente contra a sua pessoa a indignaçaõ de hum Cavalhero muito respeitado na Corte, e querendo como prudente evitar a causa desta emulaçaõ se retirou para a sua Quinta da Tapada junto de Ponte de Lima antepondo a tranquillidade do seu animo a todas as esperanças de mayores mercès, que lhes segurava o particular afecto do Principe D. Joaõ, e do Cardeal D. Henrique. Neste ameno sitio passou o restante da vida com louvavel ocio sem receyo de insolentes, nem dependencia de poderosos. Cazou com D. Briolanja de Azevedo filha de Francisco Machado Senhor da Louzãa, e das terras de Entre Homem, e Cavado, e de D. Joanna de Azevedo, a quem concedendo-lhe liberal a natureza o dote de discreta lhe negou avara o de fermosa merecendo pela excellencia do seu juizo a veneraçaõ de seu esposo, que altamente penetrado com a sua morte, se privou por tres annos, que lhe sobreviveo, de todo o genero de alivio explicando parte do seu sentimento pelas vozes daquelle Soneto, que lhe dedicou, e foy o ultimo que compoz
Aquelle espirito já tambem pagado,
Como elle merecia claro, e puro,
Deixou de boa vontade o Valle escuro
De tudo que cá vio como anojado, &c.
Desta matrona teve dous filhos, Gonçalo Mendes de Sà, que valerosamente perdeo a vida em Ceuta com o seu Capitaõ D. Antonio de Noronha filho do primeiro Conde de Linhares cujo lamentavel successo foy argumento da Egloga em que saõ Interlocutores Umbrano, e Frondelio composta pelo incomparavel Luiz de Camoens. O segundo filho foy Jeronymo de Sà de Azevedo, que cazou com D. Maria de Menezes filha de Francisco da Sylva de Menezes, e D. Leonor de Mello de quem teve descendencia. Nas suas composiçoens poeticas em que observou por exemplares a Aristoteles, e Horacio naõ ostentou pompa de vozes, mas copia de sentenças querendo com artificio novo que tivessem mais alma do que corpo. Em muitas dellas reprehendeo com rigida severidade os defeitos de algumas pessoas, que viviaõ na Corte cujos nomes por ignorados neste tempo fazem dificultosa a intelligencia de alguns Versos. Foy o primeiro, que neste Reyno escreveo Versos mayores, devendo-se pela novidade do invento dissimular alguma imperfeiçaõ, que depois emendou a Arte. Sempre amou com taõ religiosa observancia o decoro, que atè no estilo comico em que he permitida mayor licença se absteve de alguma expressaõ menos honesta, sendo tambem o primeiro, como escreve Manoel Severim de Faria Disc. Var. pag. 82. vers. que em a nossa lingua Portugueza o descobrio com geral admiraçaõ de todos. Estudou ser mais profundo aos entendimentos, que armonioso aos ouvidos, e com arte nunca practicada ocultou debaixo das sombras de hum estilo sincero os documentos mais solidos para a instruçaõ da vida moral, e politica. Da lingua Grega foy taõ sciente, que lia a Homero no seu Original, e no mesmo idioma o marginava. Taõ destramente manejava os Cavallos, como tocava os instrumentos procurando nestes louvaveis exercicios a diversaõ de cuidados molestos. A todas estas acçoens excedia a piedade summa para com Deos, e o afecto cordial para sua Santissima Mãy practicando os preceitos evangelicos com tanta exacçaõ, que mais parecia Religioso, que Secular. Teve a estatura mediana, e corpulenta, o rosto alvo, e descorado, o cabello preto, e corredio, a barba povoada, e crecida, os olhos verdes, mas com excesso grandes, o nariz aquilino, e curvado. Foy na pessoa grave, no aspecto melencolico, e na conversaçaõ afavel. Ao tempo, que contava 63. annos de idade foy acõmettido da ultima emfermidade, e conhecendo ser chegado o termo da sua vida se preparou com todos os Sacramentos, que recebidos com grande ternura passou de mortal a eterno a 15. de Março de 1558. Jaz sepultado na Igreja de S. Martinho de Carrazedo no Arcediagado de Braga em a Capella de Santa Margarida. Para eternizar a memoria de varaõ taõ insigne lhe mandou Martim Gonçalves da Camara do Conselho de Estado delRey D. Sebastiaõ, e Ministro muito conhecido no Reynado deste Principe levantar huma sumptuosa sepultura, e nella se lhe gravou o Epitafio Seguinte
Rustica, quae fuerat solis vix cognita silvis
Aulica Miranda Musa canente fuit
Maturosque jocos, & ludricra seria ludens
Divina humanum miscuit arte Melos.
Cùm posset gladio transcendere nomen avorum
Maluit arguti militiam calami.
Posthabuit fasces, & inertis laudis honores
Ac docuit plectro promeruisse decus
Omnia Mirandus Mirandus pulvere in ipso est
Pulvere in hoc patriae Gloria scripta manet.
A taõ celebrado Poeta elogiaraõ os mayores cultores do Parnaso. Lope de Vega Carpio. Laurel de Apolo Sylv. 3.
Al gran Sá de Miranda
Que le dexe Melpomene le manda.
Diogo Bernardes Lima Elogio 6.
O nosso Sá de Miranda, que entendeo
A sem razaõ do mundo a tyrania
Aqui entre estes montes se escondeo
Onde Senhor de si livre vivia;
Vivia esses bons annos que viveo
Pois que naõ esperava, nem temia.
Ah discreto Pastor quem se seguisse
Tuas pizadas cà! Quem lá te visse?
Tu nos bosques as plantas, tu nas serras
As pedras abrandavas com teu canto
Trazido cá por ti de estranhas terras
Com grande enveja duns d’outros espanto.
Agora em longo sono os olhos cerras
Agora estes meus abres ao pranto,
Mas eu naõ choro só, que choraõ montes
Valles, bosques, prados, rios, fontes.
Por ti Aves, e féras chorar vejo
Os Satyros, os Faunos, os Pastores
Minho, Douro, Mondego, Lima, Tejo
A folha o louro perde, o campo as flores.
As louras Nymfas deixaõ com dezejo
Saudoso de verte seus favores
E polla triste praya em grito solto
Teu nome com suspiros vay envolto.
Antonio Figueira Duraõ Laur. Parnas. Ram. 2.
Carmina dum stupidum fundis Miranda per orbem
Pulsari Orpheam credit Apolo Lyram.
Dum feris armonicum subtili carmine plectrum
Obstupet Aonidum, Pieridumque Chorus.
Nec mirum est, quod te mirentur ubique
Nam Miranda quidem nomine Musa tua est.
Antonio Ferreira Poem. Lusit. Eglog. 9
Ó bom Poeta já a tua doce, e branda
Voz se callou; já por aqui naõ soa,
Nem os ventos serena, o mar abranda!
Ah já aquella innocencia santa, e boa
Do bom velho aquella alta, e sam doutrina
Nos deixou quam depressa o melhor voa.
Ah santo velho de mil annos digna
Era tua vida, e inda mil annos cedo.
Quem honra o campo? Quem virtude ensina!
Já naõ do pè da Faya, ou do penedo
Muscoso te ouvirá o campo, e o valle
Cantar da terra, e Ceos alto segredo.
O rio seque, e o campo Apolo calle
Chorem as tristes Irmaãs, nem já aqui soe
Frauta, pois nenh~ua há que á tua iguale.
Nem Pastor cante, nem louros croe.
Nem tenha hera, ou loureiro já verdura.
Nem Nymfa da agua saya, ou ave voe.
Perdeste Apollo já tua fermosura
Do teu Poeta sempre taõ cantada
Perdeste, Amor, teu fogo, e tua brandura.
Ó doce, e grave Lyra temperada
Daquella maõ que assi se fez famosa,
Naõ consintas ser de outra maõ tocada.
A nossa idade, que tu taõ ditosa
Fizeste, te honre sempre, e louve, e ame
Pois por ti será sempre gloriosa.
P. Ant. dos Reys Enthus. Poet. n. 6.
Nobilis ille senex odio quem vastus habebat
Occeanus siquidem prohibebat ferre tributum
In mare suspendum cantus dulcedine Mondam..
Fr. Franc. à S. Aug. Macedo Domus Sadica pag.16. Franciscus Sà Miranda; na Mirandus? Celeberrimus ob ingenii acumen, & Judicii pondus, & scientiarum varietatem, morumque integritatem: qui primus Lusitanis stili nasum produxit; soccosque cothurnis miscuit feliciter; togatas satyras in aulam induxit; & illud pastoritio carmine consectus est, ut Sylvae Consule dignae fierent: ultra fabulas Poeta, imo, & sui temporis gratus Momus, & futuri vates, quem admodum ejus scripta demonstrant. Certe nemo melius eo, & aptius jocos seriis, ac seria jocis distinxit. Lourenço Gracian Criticon p. 3 . Cris. 12. Seran eternas las obras de Francisco de Sá, y Miranda. E na Arte de Ing. Disc. 63. El sentencioso, y ingenioso Portuguez Sá Toscano Parallel. de Var. Illutr. Cap. 41. Outro Horacio Lyrico na Poesia, e Sentenças delle. Macedo Flor. de Espan. Excel. 9. cap. 8. e Eva, e Ave. Part. 1. cap. 26. e na Lusit. Liberat. Proaem. 1. §. 5. n. 3. Plataõ Lusitano. Bernardes Nova Florest. Tom. 1. pag. 127. Joaõ Medeiros Correa Elogio de And. De Albuq. fol. 27. Fr. Francisco da Nativid. Lenit. da dor. pag. 26. o intitulaõ Seneca Portuguez. Esperança Hist. Serafi. da Prov. de Portug. Part. 2. liv. 10. cap. 35 . excellente Cortezaõ inclinado às letras humanas particularmete á Poesia Portugueza. Illustrissimo Cunha Hist. Eccles. de Braga Part. 2. cap. 77. §. 11. Grande Poeta, honra, e gloria deste Reyno Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. 1. pag. 359. col. 2. in quibus (falla das suas Poesias) Lusitani sententiarum gravitatem, simul, & acumen, Sermonis castitatem servatum uniuscujusque rei decorem, imitatos faelicissime veteres Poetas agnoscunt pariter, & effuse laudant: alterum huic post Camoèsium Poetarum suorum Coripheum sine controversia locum adjudicantes. Franc. de S. Maria Diar. Portug. pag. 343. Famoso poeta, singular ornamento, e gloria immortal da Cidade, e Universidade de Coimbra. Franckenau Bib. Hisp. Geneal. Herald. pag. 143. n. 475. virum linguae Grecae, aniquitatum, Juriumque doctissimum, ac Poetarum Lusitanorum, si Ludovicum Camonium excipias, Corypheum. As suas Poesias se publicaraõ com este titulo.
Obras do Doutor Francisco de Sá de Miranda que M. S. se conserva na Bib. Real de Pariz num. 8292. como escreve Montfaucon Bib. Biblioth. nova Tomo 2. pag. 796. col. 1. Sahiraõ impressas a primeira vez Lisboa por Manoel de Lyra. 1595 . 4. Novamente impressas com a relaçaõ da sua qualidade, e vida. Lisboa por Vicente Alvares. 1614. 4. Nesta ediçaõ sahio com alguma diferença da primeira emendada pelo original do Author, que conservava em seu poder D. Fernando Cores Sotomayor morador em Salvaterra de Galiza, e cazado com huma Neta de Francisco de Sá de Miranda, que estimou tanto este original, que quiz que entrasse como peça de grande valor em o dote que recebeo. Sahio terceira vez impresso Lisboa por Pedro Craesbeeck 1632. 32. e quarta vez ibi por Antonio Leyte Pereira 1677. 8.
Comedia de Vilhalpandos. Coimbra por Antonio de Mariz. 1560. 12.
Comedia dos Estrangeiros. Coimbra por Joaõ de Barreira. 1569. 8. Foraõ mandadas imprimir por ordem do Cardial D. Henrique, que varias vezes as mandou reprezentar em sua prezença. De ambas vimos hum exemplar, sahindo a primeira segunda vez impressa com as mais obras poeticas. Lisboa por Manoel de Lyra. 1595. 4. e ambas Lisboa por Vicente Alvares. 1622. 4.
Satyras. Porto por Joaõ Rodrigues 1626. 8.
No Cancioneiro Geral de Garcia de Rezende. Lisboa por Hermaõ de Campos. 1516. fol. estaõ duas Glosas a fol. 109.
No Cancioneiro de que foy Collector Pedro Ribeiro no anno de 1577. e se conserva na Bibliotheca do Cardial de Sousa, que hoje possue o Excellentissimo Duque de Lafoens, estaõ duas Elegias. Huma começa.
Ó bom Jesu, e por que me naõ vejo. Outra
A Magdalena o seu esposo busca.
Vida de Santa Maria Egypciaca. M. S. escrita em Redondilhas, que se guarda na Livraria do Excellentissimo Conde de Redondo, e acaba com esta copla
A Deos Leytor a mais ver
Porque ainda aveis de ver mais:
Mas da Angelica mulher
Admiraçaõ dos mortais
Naõ soube mais escrever.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]