FRANCISCO DE SÁ, E MENESES primeiro Conde de Matozinhos, Cõmendador de Proença, e S. Tiago de Cassem, e Alcayde mòr do Porto, naceo nesta Cidade sendo seus Progenitores Joaõ Rodrigues de Sà, e Menezes, Alcayde mòr do Porto, Senhor do Conselho de Sever de quem se farà distinta memoria em seu lugar, e D. Camilla de Noronha filha de D. Martinho de Castello-Branco primeiro Conde de Villa-Nova de Portimaõ, Camareiro mòr delRey D. Joaõ o III. Governador da Justiça, e Vedor da Fazenda dos Reys D. Affonso V. D. Joaõ o II. e D. Manoel, e de D. Mecia de Noronha filha de Joaõ Gonçalves da Camara, Capitaõ da Ilha da Madeira, e D. Maria de Noronha. Em os primeiros crepusculos da idade era tal a prudencia do juizo, e gravidade do aspecto com que se distinguia de todos os Fidalgos, que frequentavaõ o Palacio delRey D. Joaõ o III. que o elegeo este Monarcha para Criado do Princepe D. Joaõ seu filho, dezempenhando com tanta satisfaçaõ o conceito, que da sua pessoa se tinha feito, que foy substituto de D. Francisco de Portugal primeiro Conde do Vimioso em o lugar de Camareiro mòr do mesmo Princepe. Semelhante ministerio conferido pela Rainha D. Catherina no anno de 1558. exercitou com a Pessoa delRey D. Sebastiaõ, o qual dimitio por serem nomeados quatro Camaristas cuja eleyçaõ diminuta grande parte de taõ authorizado lugar. Retirado à Cidade do Porto se dedicou ao estudo, que desde a puericia cultivara em que fez excellentes progressos o seu profundo talento, principalmente em a Poesia divertindo com a suavidade da metrificaçaõ a molestia de pensamentos melancolicos. Naõ permitio ElRey D. Sebastiaõ, que hum Varaõ taõ insigne estivesse ocioso em beneficio do Reyno, o qual sendo chamado à Corte naõ sómente o nomeou Capitaõ da sua Guarda, e Mordomo mòr da Princeza com quem se havia despozar, mas o deixou por Governador do Reyno em ambas as occasioens em que passou a Africa. Mayores honras recebeo do Cardeal D. Henrique, que atendendo à sua prudencia, e fidelidade extinctos os lugares de Camaristas o creou seu Camareiro mòr a 9. de Outubro de 1578. e seu Conselheiro de Estado dando-lhe o titulo de Conde de Matozinhos, e nomeando-o por hum dos cinco Governadores para a regencia desta Monarchia, e nomeaçaõ de seu successor. Penetrado de que o domínio desta Coroa se transferisse a Principe estranho para cujo efeito concorrera involuntariamente com o seu voto deixou a Corte buscando a Patria para sepultura onde acabou a vida a 3. de Setembro de 1584. quando contava 61. annos de idade, e naõ a 17. de Março de 1585. como escreve o Padre Francisco de Santa Maria Diario Portug. pag. 350. Jaz sepultado no Convento Serafico da Conceiçaõ do lugar de Matozinhos suburbio da Cidade do Porto jazigo dos seus Mayores. Joaõ Soares de Brito Theatr. Lusit. Litter. lit. F. n. 67. lhe compoz o seguinte epitafio

Ossa

Francisci de Sá de Menezes.

Hoc nullum graviorem virum, vel prudentiorem

Per omnes honorum gradus

Aetas pristina mirata est.

Fuit enim Joannis Principis educationi

Sebastiani Regis praetoriae cohorti,

Henrici, atque Philippi Regum cubiculo praepositus,

Á Consiliis status trium Regum,

Lusitaniae bis Gubernator

Semel vivente Sebastiano, iterum defuncto Henrico.

Tot tamque diverse sentientium

(Quae summa apud mortales gloria est)

Judicio magnus.

Foy cazado duas vezes; a primeira com D. Anna de Mendoça filha de Ayres de Souza Cõmendador da Alcanhede de Santarem, e a segunda com D. Catherina de Noronha filha de Joaõ Rodrigues de Sà Prima de seu Pay, e de ambos estes consorcios naõ deixou descendencia. Diogo Bernardes. Lima Carta 16. escrita ao mesmo Francisco de Sà, e Menezes o louva com estas metricas vozes Illustrissimo Sá a quem concede

O Ceo todas as partes que a virtude

Para formar hum raro esprito pede.

Materia deu o Ceo a vosso esprito

Para se nos mostrar tal na largueza

Qual sempre na virtude, qual no escrito.

Naõ nega a vossa branda natureza

Os olhos a ninguem, naõ nega ouvidos

A ninguem dá motivo de tristeza.

Os da fortuna menos conhecidos

Esses achaõ em vòs mais certo amparo

Esses saõ mais de vòs favorecidos.

Antonio Ferreira nos seus Poem. Lusit. pag. 41. vers. lhe dedica a Ode 3. onde o louva da educaçaõ que dera ao Principe D. Joaõ

Ah tu Francisco viste

A 1uz que se acendia

Naquelle real sprito, que criaste:

Porque ainda tua alma triste

Suspira, ali provasse

Quaõ cedo o fogo a escuridaõ vencia.

E na Elegia 1.

Polo publico bem te desvelavas

Graõ Francisco tuas horas, e tua vida

Em nossa vida, e honra só gastavas.

Igual ao pensamento era o teu dito

Igual ao dito a obra se viveras

Quanto nòs cá de ti ficara escrito.

E na Egloga 3.

Bem conhecidos saõ; Sás se chamaraõ

Hum de Menezes, outro de Miranda

De que as Irmãas, e Febo se espantaraõ.

E inda hoje entre nòs soa a voz taõ branda

Do seu divino Canto que lhe ouvimos

Que todo o Ceo aclara, e o ar abranda.

Emman. da Costa Epithalam. Infant. Eduard.

Tu quoque pendebas Sasiae spes maxima gentis

Jam venerande puer Francisce, novemque sororum

Deliciae vatum quondam tutela future.

  1. Franc. Manoel Carta dos AA. Portug. ao Doutor Themudo; heroico, e candido Poeta. Franc. de S. Mar. Diar. Portug. pag. 350. Varaõ digno de illustre memoria pelas grandes prendas, que nelle resplandeceraõ de prudencia, generosidade, e valor. Fr. Manoel da Esperança Hist. Seraf. da Prov. de Portug. Part. 2. liv. 10. cap. 53. n. 4. Excellente Cortezaõ, e inclinado ás letras em particular à Poesia Portugueza. E no cap. 43. n. 2. insigne Portuguez. Fr. Franc. à D. Aug. Maced. Domus Sadica. pag. 81. Vir memorabilis, & in quo prudentiam, & felicitatem Politici mirentur, quod cum sit difficile Principem Summae Reipublicae successori placere, ille quinque Principibus magna semper obeundo munera gratis fuerit. Joaõ Soar. de Brit. Apolog. a Cam. repost. à Cens. 10. 11. e 12. n.12. Grande, e esclarecido Conde de Matosinhos, e no Theatr. Lusit. lit. F. n. 67. Fuit vir eximia prudentia, & tametsi in difficillima tempora inciderit incolumem tamen semper sustinuit dignitatem. Entre as suas obras Poeticas, Sagradas, e Profanas de que conservava hum volume na sua selecta Livraria o eruditissimo Antiquario Manoel Severim de Faria Chantre de Evora saõ celebres aquellas Redondilhas, que compoz quando se retirou ultimamente da Corte, que principiaõ

A tudo quanto dezejo

Acho atalhadas as vias

Intentos, e fantesias

Muy máo caminho me vejo.

Foraõ glossadas por D. Francisco de Portugal primeiro Conde do Vimioso, e elegantemente vertidas em versos elegiacos Latinos pela insigne Musa do grande Macedo in Dom. Sadica. desde pag. 78. atè 81. Começaõ

Omnia, quae cupio fugiunt mea vota, nec ullo

Quo teneam, video jam superesse modum.

Multa agito mecum, curas & pascor inanes

Ut fruar optatis invia facta via est.

Redondilhas ao Rio Lessa. Principiaõ.

Ó rio de Lessa

Como corres manso

Se eu tiver descanso

Em ti se começa.

Esta Poesia verteo excellentemente em Versos Elegiacos, Saficos, e Alcaycos, Joaõ Soares de Brito, e sahiraõ impressos na Apolog. de Cam. reposta à Censur. 10. n. 12.

Elegia a Santa Maria Magdalena. He em Tercetos cuja obra applaude Francisco de Sà, e Miranda no 25. Soneto das suas Poesias, que começa

A vossa verdadeira penitente

Quaõ bem que lhe guardais pontos devidos

Do sepulchro os Apostolos partidos

Ella naõ parte, vede o que ali sente.

Elegia a Filiz, cujo principio he o seguinte

Buelve Filiz hermosa a este llano

Dò estes olmos verdes, ò sombrios

Por ti suspiran longamente en vano.

Desta Poesia se lembra com louvor o Dezembargador Antonio Ferreira Carta 13.

Sofrera-se melhor huma elegancia

Branda de amor de ti tambem cantada

Quando Filiz tua doce frauta ouvia, &c.

Soneto em applauso do Doutor Antonio Ferreira. Sahio impresso no principio dos seus Poem. Lusit. Lisboa por Pedro Craesbeeck. 1598. 4.

 

[Bibliotheca Lusitana, vol. II]