D. FRANCISCO DE PORTUGAL primeiro Conde do Vimioso Senhor de Aguiar, Comendador de Calvedo na Ordem de Christo illustrou com o seu feliz nacimento a Cidade de Evora. Foy filho natural de D. Affonso de Portugal Bispo de Evora, e Neto do primeiro Marquez de Valença primogenito do primeiro Duque de Bragança, merecendo em todo o Reyno a mayor veneraçaõ assim pelo claro esplendor da sua ascendencia, como pelas virtudes moraes, e heroicas com que se ornou o seu grande espirito. Atendendo ElRey D. Manoel aos seus merecimentos, que se faziaõ mais estimaveis pelos vinculos do parentesco o creou Conde a 2. De Fevereiro de 1515. com outros generosos indultos, que lhe formaraõ à sua Casa. Acompanhou a este Monarcha quando passou a Castella a ser jurado Princepe daquella Coroa, e o mesmo obsequio practicou na occasiaõ que a Emperatriz D. Izabel se despozou com o Cezar Austriaco ao qual visitou por ordem delRey D. Joaõ o III. Do intrepido valor que lhe animava o peito deo repetidos argumentos em Africa militando em Arzila com outenta Infantes, e cincoenta Cavallos onde em varios combates experimentaraõ os barbaros os fulminantes golpes da sua espada. Restituido ao Reyno acompanhou ao Duque de Bragança D. Jayme na celebre expediçaõ de Azamor cõmetendo-lhe o Duque depois de conquistada esta Praça o cuidado da sua Casa, e familia que nella deixava por ser obrigado de huma infermidade a retirar-se com grande presteza. Igual ao valor que ostentou como Soldado na Campanha, era a prudencia que practicou como politico na Corte. A grave madureza, e summa penetraçaõ do seu juizo se admiravaõ na prompta expediçaõ dos mayores negocios, que pertenciaõ ao Officio de Vedor da Fazenda que exercitou em os Reynados dos Reys D. Manoel, e D. Joaõ III. Observante dos dictames do Evangelho, e oposto aos Aforismos de Tacito eraõ sempre os seus votos mais religiosos, que politicos de tal modo que pelo soberano testemunho delRey D. Joaõ o III. afirmava delle que quando votava na prezença do Rey da terra tinha no seu pensamento a veneraçaõ a outro mayor Rey qual era o do Ceo. Foy naturalmente generoso cuja virtude deixou hereditaria na sua grande Casa sendo a profusaõ que usava para remedio da pobreza, e naõ para argumento da vaidade. Varias vezes lhe succedeo voltar para casa com a bolsa vasia em beneficio dos pobres, que levava cheya de ouro, e prata. A mesma piedosa liberalidade usou lançando ocultamente de noute tres mil cruzados no cofre da Misericordia por lhe constar que estava exhausto. Naõ foy menor o dispendio que fez no Convento deSanta Catherina de Sena de Religiosas Dominicas em a Cidade de Evora para o qual lhe deo o sitio com tanto desinteresse, que unicamente se contentou com o Padroado da Capella mòr. Foy muito devoto da Oraçaõ, e observante do jejum. Frequentemente se confessava, e cõmungava. Fez hum voto a Deos de nunca negar o que se lhe pedisse por seu amor. Ao criado mais grave da sua casa encomendava a pia occupaçaõ de enfermeiro assim da sua Familia, como Parochia para assistir aos infermos com o duplicado socorro de remedios, e alimentos. Cultivou desde os primeiros annos a Poesia em que fez admiraveis progressos na mayor idade. Pelas solidas, e agudas sentenças, que proferio, e escreveo alcançou a nobre antonomasia de Cataõ Portuguez as quaes sem declarar o author, repetia a pessoas illustres para lhes increpar modestamente os defeitos. Naõ houve Vassallo em seu tempo que lograsse mais distintas estimaçoens de seus Principes como elle, de que saõ irrefragaveis testemunhos as cartas de D. Joaõ o III. da Emperatriz D. Izabel, dos Infantes D. Luiz, e D. Duarte escritas do proprio punho onde o tratavaõ com o inestimavel titulo de Primo. Mayor honra recebeo quando no letigio que teve com o Conde de Penella D. Affonso de Vasconcellos sobre qual era mais propinquo no parentesco à Caza Real para preceder nos Actos publicos, firmasse a sentença a seu favor a Magestade delRey D. Joaõ o III. com os Infantes D. Luiz, e D. Henrique, e cinco Ministros de conhecida sciencia, e integridade a tempo que esta formalidade havia muitos annos estava extinta entre os Reys de Hespanha. Foy Camareiro mór dos Principes D. Manoel, e D. Joaõ filhos do Serenissimo Rey D. Joaõ o III. sendo igual a taõ honorifico lugar a carta que lhe passou. Desta taõ authorizada occupaçaõ se despedio com exemplo pouco practicado entre os Palacianos, e parecendo-lhe que era mayor acçaõ naõ sómente deixar o serviço do Paço mas tambem a assistencia da Corte se retirou para o sitio de Belèm onde prevenido com actos religiosos para o ultimo instante da vida a finalizou piamente em a Cidade de Evora a 8. de Dezembro de 1549. Bastando (como discreta, e elegantemente escreve o Illustrissimo, e Excellentissimo Conde do Vimioso herdeiro do Titulo, e virtudes deste insigne Heroe na Instrução para seu filho primogenito D. Francisco Jozè Miguel de Portugal pag. 13.) para inferir-se a felicidade da hora considerar-se a santidade do dia em que espirou. Foy com excesso sentida a sua morte principalmente pelos pobres cujos clamores eraõ lastimosos pregoeiros da sua compassiva liberalidade. Jaz em Sepultura raza no meyo da Capella mòr do Convento de Nossa Senhora da Graça da Cidade de Evora cujo Padroado lhe deo a Magestade de D. Joaõ o III. com este breve Epitafio

Aqui jaz D. Francisco de Portugal Conde do Vimioso por amor de Deos hum Pater Noster, e huma Ave Maria por sua alma. Falleceo a VIII. do mez de Dezembro de M.D.XLIX.

Foy duas vezes cazado, a primeira cõ D. Brites de Vilhena filha de Ruy Telles de Menezes quinto Senhor de Unhaõ, Mordomo mòr da Rainha D. Maria, e da Emperatriz D. Izabel, Governador da Casa do Infante D. Luiz seu Camareiro mòr, e Guarda mòr, e de D. Guiomar de Noronha filha de D. Pedro de Noronha Senhor do Cadaval, e Mordomo mòr delRey D. Joaõ o II. e seu Embaxador a Roma da qual teve D. Guiomar de Vilhena, que cazou com D. Francisco da Gama segundo Conde da Vidigueira Almirante da India Oriental, e Estribeiro mòr delRey D. Joaõ o III. filho do famoso Heroe D. Vasco da Gama, e de D. Catherina de Attaide de que há numerosa descendencia. Passou a segundas vodas com D. Joanna de Vilhena sua Prima segunda filha do Senhor D. Alvaro filho de D. Fernando primeiro do nome Duque de Bragança do qual era bisneto, e de D. Filippa de Mello Condessa de Olivença, e de taõ augusto matrimonio sahiraõ D. Affonso de Portugal que lhe succedeo na casa, D. Joaõ que foy Bispo da Guarda, e D. Manoel Embaxador a Castella, que cazou a primeira vez com D. Maria de Menezes filha de D. Henrique de Menezes, Cõmendador da Idanha a Velha, Governador da Casa do Civil, e Embaxador a Roma de quem teve quatro filhos. Passou a segundas vodas com D. Margarida de Mendoça Corte Real, Senhora do orgado de Val de Palma na Ilha Treceira filha de Manoel Corte Real Senhor da Capitania de Angra na dita Ilha, e de D. Brites de Mendoça Dama da Rainha D. Catherina da qual teve unica a D. Joanna de Mendoça Corte Real a qual cazou com D. Nuno Alvres de Portugal, Governador do Reyno seu primo com irmaõ de cujo consorcio houve descendencia. Fazem illustre memoria do Conde D. Francisco os nossos Chronistas, e outros graves Escritores. Garcia de Resende Chron. de D. Joaõ o II. cap. 55. Homem de muito preço, e grande estima, de muito credito, e authoridade muy sezudo, e prudente, e de muito bom conselho. Damiaõ de Goes Chron. do Princip. D. Joaõ cap. 17. a quem com razaõ podemos chamar hum Cataõ Censorino porque tal ho foy elle vivendo em saber, e prudencia, assi nas cousas da paz quomo nas da guerra, quomo nos Conselhos dos Reys que servio, e na Chron. delRey D. Manoel Part. 4. cap. 85. Andrada Chron. delRey D. Joaõ o III. Part. 4. cap. 38. Osor. de reb. Emmanuel. lib. 9. cujus insignis nobilitas erat cum non mediocri laude prudentiae conjuncta. Maris Dialog. de var. Hist. Dialog. 5. cap. 3. Imhof. Stem. Reg. Lusit. pag. 32. e 43. Coelho Chron. da Ord. do Carm. liv. 1. cap. 20. Foy muy esclarecido em prudencia, Cavallaria, e todo o genero de virtudes, pessoa de muita verdade com seu Rey do qual com grande razaõ foy muy estimado, e juntamente com isto era muy iusto com todos, e piedoso com os pobres em tanto que era delles chamado Procurador seu. Fr. Ant. da Purif. Chron. da Prov. dos Erimit. de Sant. Agost. liv. 7. Tit. 6. §. 3. deixando geral fama de Principe Christianissimo. Toscano Paralel. de Var. Illust. cap. 125. Foy Varaõ de muito grande governo, confiança, authoridade, verdade, e cortezia por o qual alcançou grandes cargos, e quaes nas Cazas Reaes… era naturalmente eloquente, e cheyo de excellentes sentenças. Salaz Hist. Geneal. de la Casa de Sylva Part. 2. liv. 9. cap. 2. Faria Coment. às Lusiad. de Cam. Part. 1. pag. 54. El Conde de Vimioso D. Francisco de Portugal gran voto en estos estudios (falla da Poesia) Joan. Soar. de Brito Theatr. Lusit. Litter. lit. F. n. 62. Fonsec. Evor. Glorios. pag. 346. As suas palavras eraõ apothemas, os seus conselhos oraculos. Souza Hist. Gen. da Caz. Real Portug. Tom. 3. liv. 4. cap. 5. e 15. e no Tom. 10. liv. 10. cap. 3. pag. 551. Varaõ grande, Sabio, prudente ornado de tantas virtudes que naõ he facil distinguir na que mais se excedeo. Por ordem, e diligencia de seu Neto D. Henrique de Portugal sahio à luz publica Sentenças de D. Francisco de Portugal primeiro Conde do Vimioso derigidas à Nobreza deste Reyno. Lisboa por Jorge Rodrigues 1605. 12.

Em huma Carta de D. Antonio de Attaide Neto do grande D. Antonio de Attaide Conde da Castanheira, e valido delRey D. Joaõ o III. escrita de Alcobaça a 10. De Janeiro de 1601. impressa ao principio desta obra em que persuade a D. Henrique de Portugal publique as sentenças de seu Avó D. Francisco de Portugal, faz o seguinte Elogio a este Heroe. Rendeo na guerra os inimigos com esforço, na paz os competidores com entendimento, na Corte os galantes com estilo, emfim naceo com pouca fazenda sendo por linha masculina Tresneto delRey D. Joaõ o I. e pela feminina do Condestabre D. Nuno Alvres por cujo valor o mesmo Rey alcançou o Reyno, e o titulo de gloriosa memoria, mas de modo servio os Reys, D. Manoel, e D. Joaõ o III. seus Reys, e seus Tios que mereceo igualaremlhe o Estado com o Sangue instituindo essa Casa do Conde do Vimioso, que durarà assi grande para sempre pois a deixou cheya de Vassallos com muitos contos de renda, e asás rodeada de successores, e fundada sobre merecimentos pessoaes, que saõ mais seguros alicesses, que os da valia. Naõ temos cousa sua que mais no lo reprezente, que as suas sentenças pelas quaes no mundo que pode ser, alcança a immortalidade.

Obras Poeticas assim Portuguezas, como Castelhanas. Sahiraõ impressas no Cancioneiro de Garcia de Rezende. Lisboa por Hermaõ de Campos. 1516. fol. A fol. 79. atè 86. 144. 145. 150. vers. 153. 175. e 182. Glossa ao Mote

Jà naõ posso ser contente.

Glossa às Redondilhas compostas por Francisco de Sà, e Menezes primeiro Conde de Matozinhos de quem adiante se farà a merecida memoria. Começaõ

A tudo quanto dezejo

Acho atalhadas as vias

Intentos, e Fantezias

Muy mal caminho vos vejo.

 

[Bibliotheca Lusitana, vol. II]