D. FRANCISCO DE PORTUGAL Sahio à luz do mundo em a grande Cidade de Lisboa para cõmunicar novo esplendor aos seus descendentes se o naõ herdara taõ esclarecido dos seus Mayores, sendo filho de D. Lucas de Portugal Cõmendador da Fronteira na Ordem de Aviz, Senhor do Prazo da Marinha, e D. Antonia da Sylva filha de D. Antaõ de Almada Capitaõ mòr de Lisboa, e Neto de D. Francisco de Portugal Estribeiro mòr delRey D. Sebastiaõ, Vedor da sua Fazenda, do seu Conselho de Estado. Nos primeiros annos se aplicou ás Artes dignas do seu nacimento como eraõ jogar as armas, manejar os Cavallos, tocar varios instrumentos regulados pelos preceitos da Musica, e cultivar as flores da Poesia para a qual o dotou taõ prodigamente a natureza, que excedeo aos mayores Corifeos do Parnaso Castelhano assim na afluencia das vozes, como na subtileza dos conceitos, retratando taõ fielmente nos versos o seu espirito, que aquelles que se publicavaõ sem o seu nome eraõ logo conhecidos por partos da sua Musa. Passando a Madrid frequentou o Palacio de Filippe III. onde foy applaudido, e estimado pelo mais discreto Cortezaõ daquella idade causando respeito aos inferiores, enveja aos iguais, e admiraçaõ aos mayores. Entre todos se distinguia na pompa, e boa eleiçaõ dos vestidos, que trajava, posto que a fazenda que possuia naõ era correspondente à sua qualidade. Ninguem podia competir com elle assim na urbanidade do trato, como na promptidaõ das repostass e agudeza de ditos, que sendo muitos jocosos nunca degeneraraõ em pueris. Naõ foy menos illustre na Corte, que na Campanha, como o manifestaõ as varias occasioens em que embarcando nas Armadas do Reyno tres vezes ocupou o lugar de Capitaõ; a primeira na Armada de que era General D. Affonso de Noronha, e as duas exercitando este posto D. Antonio de Attaide. Naõ satisfeito o seu heroico coraçaõ com estas expediçoens militares se embarcou na Armada da Restauraçaõ da Bahia no anno de 1624. movido da gloria, e zelo da Patria onde valendo-se os Olandezes do nosso descuido fizeraõ huma sahida à qual se oppoz taõ intrepidamente, que rompendo ao inimigo por entre hum diluvio de balas o obrigou a que largasse ignominiosamente o campo semeado de cadaveres, e instrumentos militares de cujos despojos offerecendo-lhe huns mosquetes primorosamente fabricados os naõ aceitou dizendo, que naõ eraõ dignas de hum Capitaõ as Armas, que deixara a cobardia, e naõ o valor. Voltando da Bahia para Portugal se embarcou na Almirante a qual pela furia das tempestades destituida de mastros, e quasi aberta chegou à Ilha do Fayal, e resolvendo o Almirante representar ao Governador o imminente perigo em que se achava foy eleito para esta cõmissaõ D. Francisco o qual advertindo que o Ceo condensado prometia a ultima derrota à Nào para que hia pedir socorro, e nella acabariaõ lastimosamente os seus companheiros, e elle salvar-se, recusou com animo heroico o apartar-se da sua amavel companhia em cujo obsequio queria sacrificar a vida. Foy mandado à India por tres vezes com o posto de Capitaõ mòr, e em todas se escusou deste lugar igualmente honorifico que rendoso por motivos dignos da sua Pessoa. Desenganado de receber premio capaz dos seus merecimentos, deixou o serviço do Principe da terra para totalmente se dedicar ao culto do Supremo Monarcha, que remunera com eternas felicidades, e posto que desde a primeira idade cultivasse as virtudes, em a ultima as exercitou mais religiosamente. Era extremosamente charitativo para os pobres, severamente cruel para o seu corpo, e summamente urbano para todo o genero de pessoas. Poucos dias antes da sua morte estando em o Convento de S. Francisco da Cidade cujo penitente habito da Terceira Ordem professara, e como Ministro della estava exercitando com summa humildade este lugar, foy acõmetido de hum grande desmayo causado da debilidade a que o reduziaõ as penitencias, e sendo promptamente socorrido pelos circunstantes a o dezapertarlhe os vestidos o viraõ cingido com hum aspero cilicio que costumava trazer havia muitos annos. Com taõ religiosas virtudes se preparou o seu espirito para a eternidade o qual depois de recebidos os Sacramentos com grande piedade passou a gozar da patria celeste a 5. de Julho de 1632. com 47. annos de idade. Foy depositado o seu Cadaver (como tinha disposto no Testamento) na Capella dos Terceiros de S. Francisco de Lisboa donde passados alguns annos se tresladou para o Convento de Santo Antonio da Villa da Fronteira da Provincia da Piedade de que era Padroeiro. Teve a estatura mediana, e bem porporcionada, cabello negro, barba povoada, rosto alvo, e gentil, olhos vivos, e taõ ayroso a pè como a cavallo. Cazou com D. Cecilia de Portugal filha de Antonio Pereira de Barredos, Comendador de S. Joaõ da Castanheira, e de S. Gens de Arganil na Ordem de Christo, Governador, e Capitaõ General da Ilha da Madeira, e da Praça de Tangere, e General perpetuo da Armada de Portugal, e de D. Mariana de Portugal. Deste matrimonio teve numerosa descendencia como foy D. Lucas de Portugal digno filho de taõ grande Pay, Comendador da Fronteira, e Mestre Sala do Palacio de quem em seu lugar faremos mençaõ: D. Antonio de Portugal Religioso da Ordem dos Prègadores: D. Diogo de Portugal, que morreo no infeliz naufragio de Tristaõ de Mendoça: D. Lourenço de Portugal Cavalleiro da Ordem de Malta: D. Carlos de Portugal Religioso da Ordem Militar de JESUS Christo: D. Maria de Portugal, que se desposou com D. Paulo da Gama, Primo com Irmaõ de seu Pay, e D. Mariana, e D. Magdalena que naõ cazaraõ. A sua vida escreveo na lingua materna Francisco Luiz de Vasconcellos reduzida a hum breve, e elegante epitome em que representou sómente a figura de taõ grande Heroe, e sahio impressa por ordem de D. Lucas de Portugal com as obras posthumas de seu Pay eternizando por este modo a sua memoria mais perduravel pelo privilegio da escritura, do que se a gravasse na dureza dos marmores, e dos bronzes, e sahiraõ com este titulo
Divinos, e humanos Versos. Consta de Sonetos, Cançoens, Motes, Redondilhas, Sextinas, Outavas, e Romances em Portuguez, e Castelhano. No fim tem outra obra intitulada
Prizoens, e solturas de huma Alma. Consta de Prosa, e Verso. Huma, e outra sahiraõ em hum Tomo. Lisboa na Officina Craesbeeckiana. 1652. 4.
Arte de galantaria. Lisboa por Joaõ da Costa 1670. 4. & ibi por Antonio Crasbeeck. de Mello. 1683. 8. Consta de Verso, e Proza Castelhana, e Portugueza.
Na Bibliotheca do Cardeal de Souza, que hoje possue o Illustrissimo, e Excellentissimo Duque de Lafoens se conservaõ muitas obras Poeticas de D. Francisco de Portugal ornadas de termos galantes, e pensamentos discretos sendo entre ellas a mais estimavel
Discurso a Ave chamada Solitario.
Começa
Cidadaõ de ty mesmo, que suave
Nas lizonjas dessa gloria te aplicas
Acaba
Entre alegres louvores te derrama
E acclamaçoens de Celia tudo chama.
Naõ he inferior a esta obra a Fabula burlesca de Iphis, e Anaxarte, que principia
Senhora Celia pois que meus gemidos
Naõ ferem vosso peito
Nem minha dor vos passa dos ouvidos.
Varios foraõ os Elogios com que diversos Escritores applaudiraõ o seu talento sendo entre elles o mais celebre D. Francisco Manoel de Mello na Carta dos Authores Portuguezes escrita ao Doutor Themudo. Juntou á discriçaõ as boas partes, e fez raramente caber juntas as gentilezas de Cortezaõ com as consideraçoens de devoto, e mais largamente no Tomo das suas Cartas Familiares Centur. 2. cart. 91. escrita a seu filho D. Lucas de Portugal. A locuçaõ sobre ser bem fielmente Castelhana he florida, e mysteriosa. Ajunta com raridade a decencia com que goza da graça, e da doutrina, e de tal maneira que se naõ desvia daquelles dous fins para que a Poesia foy inventada. Assi persuade, assi deleita, assi ensina. Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. 1. pag. 252. Col. 1. disertus Poeta. Macedo Eva, e Ave Part. 1. cap. 13. n. 13. Illustre Cortezaõ. Joan. Soar. de Brit. Theatr. Lusit. Litter. lit. F. n. 63. Urbanitate aulica celebratissimus. D. Antonio Caetano de Souza Hist. Gen. da Cas. Real Portug. Tom. 10. liv. 10. cap. 4. pag. 610. Foy muy entendido grande Cortezaõ, e Poeta. Jacinto Cordeiro Elog. dos Poet. Lusit. Estanc. 10. Discreto a D. Francisco sigo, en tanto
Portugal sin igual, cuyo sentido
Para la elevacion moviendo espanto
El ingenio mas alto y presumido.
Imitar presumi tu heroico canto
Que impossible me fue? Quedo vencido;
Icaro quise ser de tal sugeto
Que nò puede imitarse en lo discreto.
O P. Antonio dos Reys Enthus. Poet. n. 54.
Nec Francisce tui resonantis carmina plectri
Tinnula praeteream surdus: Te sacra prophanis
Sed procul á culpa mis centem exornat Apollo
Fronde sibi propria.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]