Fr. FRANCISCO DA NATIVIDADE chamado antonomasticamente o Latino pela perfeiçaõ, com que soube este idioma, naceo em Lisboa no anno de 1648. sendo filho de Duarte Ferreira, e Izabel da Costa. Estudou as letras humanas na classe do famoso Mestre Antonio Fernandes de Barros, de quem fizemos mençaõ em seu lugar, e tanto o distinguia dos outros discipulos, que quãdo se altercava alguma duvida sobre hum ponto gramatical mandava ao seu Gigante (assim o intitulava ironicamente por ser de estatura muito pequena) o qual subido a hum banco a decidia com summa viveza, e geral admiraçaõ dos circunstantes. Estes dotes com que a natureza taõ antecipadamente o dotou moveraõ a varias Religioens para o pertencer para seu alumno, porém mereceo esta fortuna a Ordem Carmelitana sendo admitido em o Convento patrio a 2. de Julho de 1661. cujo Instituto professou solemnemente a 22. de Fevereiro de 1664. Applicouse as sciencias severas no Collegio de Coimbra, e tal foy o progresso, que nellas fez a sua penetrante comprehensaõ, e profundo talento, que se resolveo Andre Furtado de Mendoça Reytor da Universidade a que recebesse as insignias doutoraes como prevendo o grande credito, que havia resultar a taõ celebre Academia com este insigne Candidato, cujo intento se naõ efeituou por ser mandado ler Filosofia no Convento de Moura, e depois a mesma Faculdade, e a de Theologia em o Convento de Lisboa, do qual foy Prior por nomeaçaõ do Reverendissimo Geral Fr. Angelo Monfignani a 8. de Mayo de 1683. Ordenandolhe fosse defender Conclusoens no Capitulo geral, que se celebrava em Roma. Obedeceo promptamente a esta ordem, e partindo de Lisboa no anno de 1686. chegou à Curia onde compoz, e imprimio humas Conclusoens, que comprehendiaõ todas as sciencias, que se ensinaõ em as Universidades constando de 72. paginas de folha divididas em onze Ceos esmaltados com gravissimas questoens de que trata a Theologia Escholastica, Expositiva, Dogmatica, Moral, Regular, e Mystica, Jurisprudencia Canonica, e Civil, Medecina, Filosofia, Mathematica, e Musica. Correspondeo ao profundo engenho com que foraõ ideadas a prompta actividade com que foraõ defendidas aclamando-o todo o numeroso concurso, que foy espectador deste litterario combate por homem Encyclopedico. Neste Capitulo foy eleito Provincial da Provincia Portugueza cuja eleiçaõ foy confirmada pela Santidade de Innocencio XI. no primeiro de Julho de 1686. e no fim deste lugar foy Comissario, e Visitador Geral da mesma Provincia. Tanta prudencia practicou nestes lugares, que segunda vez foy eleito Provincial a 20. de Mayo de 1703. E como no anno seguinte se celebrasse Capitulo Geral em Roma partio para esta Corte onde recitou Varias Oraçoens latinas em applauzo da Santidade de Clemente XI. de quem recebeo especiaes significaçoens de estimaçaõ sendo a principal o motu proprio passado a 5. de Abril de 1705. para governar quarto anno a Provincia. Foy eloquente Orador, excellente Poeta em todo o genero de Versos, agudo Filosofo, e profundo Theologo, insigne nas letras humanas, e versado nos Sagrados Canones. Pello espaço de quarenta annos prègou na Capella Real, de cujos Sermoens tanto se agradava a Magestade de D. Pedro 2. que lhe ordenou em algumas Quaresmas prègasse tres vezes. Teve singular urbanidade, grave prezença, deleitosa conversaçaõ. Era fiel para seus amigos, e compassivo para os ingratos por ser dotado de coraçaõ candido, e genio afavel. Venerou com afecto cordial a Maria Santissima, e com igual afecto a Imagem de Christo morto, que está em huma Capella da Igreja do Convento do Carmo de Lisboa solemnizando-a com grande pompa no 3. Domingo de Julho. Depois de tolerar huma larga enfermidade perparado com actos de bom religioso passou desta vida mortal para a eterna a 16. de Outubro de 1714. quando contava 66. annos de idade, e 53. de Religiaõ. Ao seu Funeral assistio a mayor parte da Nobreza da Corte e das Comunidades Regulares. Jaz Sepultado no Cemiterio novo com esta inscripçaõ.
Aqui jaz o muito Reverendo P. Mestre Fr. Francisco da Natividade por anthonomasia o Latino, Varaõ de perspicaz engenho, insigne nas humanas, e divinas letras tanto nos Pulpipitos como nas Cadeiras; Prior, que foy deste Convento, e duas vezes dignissimo Provincial, Comissario, e Visitador Geral, e Reformador Apostolico desta Provincia, Prègador de Sua Magestade, e por Decreto seu Deputado da Junta das Missoens. Falleceo de 66. annos aos 16. De Outubro de 1714. Compoz.
Sermaõ da Soledade da Senhora prègado na Capella Real. Lisboa por Miguel Deslandes. 1687. 4. Sahio na Laurea Portugueza.
Oraçaõ Panegyrica, e funeral em as Exequias do Beatissimo Padre Innocencio XI. celebradas em o Templo do Loreto desta Cidade. Lisboa pelo dito Impressór 1689. 4.
Oraçaõ funebre em as Exequias, que a Irmandade do Santissimo Sacramento da Parochial Igreja de Santa Justa celebrou como a seu Juiz perpetuo o Duque D. Luiz Ambrosio de Mello filho primogenito do Excellentissimo Duque do Cadaval D. Nuno Alvares Pereira de Mello. Lisboa pelo dito Impressor 1701. 4.
Lenitivos da dor propostos ao augustissimo, e poderoso Monarcha ElRey D. Pedro II. e applicados aos leaes Portuguezes no justificado sentimento da intempestiva morte da Serenissima Rainha D. Maria Sofia Izabella. Lisboa pelo dito Impressor 1700. fol.
Novena da Senhora Santa Anna com o seu Officio. Lisboa por Manoel, e Jozè Lopes Ferreira 1708. 12. Sahio sem o seu nome.
Thezaurus Evangelicus. Desta obra de que deixou escritos 45. cadernos, e lhe fez os Indices necessarios Fr. Jayme de Sampayo Lente de Prima do Collegio do Carmo de Coimbra, fallando Fr. Manoel de Sà Mem. Hist. dos Escrit. do Carm. Da Prov. de Portug. pag. 162. será de grande utilidade para as Cadeiras, e para os Pulpitos pelo admiravel das resoluçoens, pela singularidade dos conceitos, e pelo subido do Estilo.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]