D. FRANCISCO DE ALMEYDA Cõmendador do Sardoal da militar Ordem de S. Tiago, setimo filho de D. Lopo de Almeyda, primeiro Conde de Abrantes, e de D. Brites da Sylva, filha de Pedro Gonçalves Malafaya Védor da Fazenda d’ElRey D. Affonso V. foy hum dos mayores Heroes, que produzio Portugal, dilatando o immortal ecco da sua fama, desde Lisboa, que lhe deu o berço, atè onde o Sol tem o seu Oriente. A primeira escola, em que practicou os marciaes espiritos, que lhe animavaõ o peito, foy o Reyno de Granada, onde em obsequio dos Reys Catholicos triunfou muitas vezes dos Sequazes de Mafoma, merecendo pela heroicidade das suas acçoens particular estimaçaõ daquelles Principes, principalmente em a Cidade de Toledo, quando o nosso Serenissimo Rey D. Manoel se foy coroar herdeiro da Coroa de Castella. Era taõ respeitada a sua pessoa, que ElRey D. Joaõ o II. que zelava com escrupulosa observancia a veneraçaõ devida à Magestade, o fez sentar consigo à meza com igual enveja, que admiraçaõ de todos os Palacianos. Certificado ElRey D. Manoel das grandes virtudes, que ornavaõ a hum taõ insigne Vassallo, quaes eraõ a disciplina militar nos conflictos, summa constancia nas adversidades, heroica resoluçaõ nas emprezas arduas, e ardente zelo da gloria da Naçaõ, e do serviço do seu Principe, o nomeou primeiro Vice-Rey do Estado da India, para que debaixo da sua prudente direcçaõ, e fulminante espada se dilatasse aquelle Emporio contra a Violencia armada dos Potentados da Asia. Partio a 25. de Março de 1506. em huma poderosa armada, que constava de 22. náos guarnecida de mil, e quinhentos soldados, entre os quaes se distinguia seu filho Lourenço de Almeyda, e para que fosse patente a todos a honra, com que ElRey D. Manoel o tratava, o acompanhou atè o lugar do embarque com toda a Nobreza, e innumeravel multidaõ de povo. Logo que tomou as redeas do governo, desempenhou o alto conceito, que se tinha formado do seu valor heroico, obrando acçoens dignas da immortalidade da fama. Para estabelecer solidamente o Emporio Portuguez Asiatico, lhe abrio os alicesses com a fundaçaõ das Fortalezas de Sofala, Quiloa, Anchediva, e Cranganor inexpugnaveis propugnaculos contra a invasaõ dos Principes Orientaes. Derrotou aos Reys de Quiloa, e Mombaça, e fez tributarios os de Ceylaõ, e Batecala, entregando à Voracidade do fogo tudo o que escapara da violencia do ferro. Alcançou gloriosas victorias em Dabul, Onor, e Passane, sendo a mais celebre de todas a em que destruio a 3. de Fevereiro de 1509. a formidavel Armada do Soldaõ do Egypto, de que era General Mirstocem. Foy inimigo jurado do interesse como paixaõ indigna de animos generosos, de tal sorte, que concedendo-lhe ElRey, que nos despojos, assim terrestres, como maritimos reservasse para si huma peça de valor de quinhentos cruzados, nunca escolheo entre tantas conquistas, e victorias alcançadas pelo seu braço mais que algum instrumento militar, em que se adulava o seu genio guerreiro. Coroado de tantos triunfos, partio da India para Portugal a receber o premio merecido às suas gloriosas emprezas, quando ao dobrar o Cabo da Boa Esperança, querendo prover-se a Armada de agua na Aguada de Saldanha, se travou no primeiro de Março de 1510. hum conflicto dos nossos soldados com os barbaros, que habitavaõ aquella terra, de que se seguio empenhar-se o Vice-Rey no desaggravo daquella offensa, e sahindo a terra com os principaes Cavalheiros, depois de hum porfiado combate, em que morreraõ Lourenço de Brito, Copeiro d’ElRey D. Manoel, que defendera alentadamente a Praça de Cananor, Manoel Telles, Pedro Barreto de Magalhaens, e outros Fidalgos, cahio D. Francisco de Almeida atravessado pela garganta, cujo tragico successo será eternamente lamentavel na posteridade, acabando com fim taõ infausto hum Varaõ digno de mais larga vida, e honorifica sepultura. Foy cazado com D. Joanna Pereira, filha de Vasco Martins Moniz, Commendador de Panoyas, e Garvaõ em a Ordem de S. Tiago, e de D. Aldonça Cabral, filha de Estevaõ Soares de Mello, sexto Senhor de Mello, e D. Thereza de Novaes de Andrade, de quem teve a D. Lourenço de Almeyda, morto na batalha de Chaul, e a D. Leonor de Almeyda, que cazou com Francisco de Mendoça, filho herdeiro de Pedro de Mendoça Alcayde mór de Mouraõ, Capitaõ que fora de Ormuz, e irmaõ da Duqueza de Bargança D. Joanna de Mendoça, por cuja morte passou a segundas vodas com D. Rodrigo de Mello, Conde de Tentugal, primeiro Marquez de Ferreira, de quem teve dous filhos, e tres filhas. A sua memoria celebraõ gravissimos Escritores, como saõ Garcia de Rezende Miscellan.
Vi o Vice-Rey primeiro,
Que á India foy mandado, Muy vallente Cavalleiro,
Sem cobiça verdadeiro,
Muy sezudo, muy avizado.
Hos Rumes desbaratou,
Com que a India segurou
Tomou Quiloa, e Mombaça. Parece cousa de graça
Ver de que morte acabou.
Maffeo Hist. Ind. lib. 4. p. mihi 78. clarissimus Imperator, et vir integerrimus cu Europam, et Asiam victoriis peragrasset in Africae demùn ignoto littore ad ludibriu rerum humanarum ab nudis, et teterrimis Aetiopibus interfectus. Castanhed. Hist. do descobrimento da Ind. liv. 2. cap. 124. Foy homem de corpo meaõ, e membrudo, e de rosto grave, e de grande magestade, foy muito devoto, e amador de N. Senhor, e guardava seus Mandamentos segundo parecia. Foy taõ piedoso, que nunca castigou pinguem. que primeiro ho naõ reprendesse tres vezes. Foy de condiçaõ muito magnifica, e liberal, segundo se vio nos muitos bens, que fez aos homens, em quanto governou assi à sua custa como a d’ElRey, no que se extendia seu poder. Foy muito izento para fazer o que lhe parecia bem, porèm com conselho, e foy muito prudente, e discreto, e foy de taõ altos pensamentos, que muitos lho atribuiaõ a vaidade, principalmente seus amigos, etc. Faria Azia Portug. Tom. 2. Part. 2. cap. 3. Hazia-se venerar por lo grave de la presencia, por lo acertado del consejo, y por lo pontual de la cortezia. Descobrio en el el tiempo una estremada continencia, una capital enimistad con la codicia, y una concordancia fixa con la liberalidad, y gratitud. Osor. de rebus Emman. lib. 4. virum insgni virtute praeditum, & lib. 6. Vir probitate, et liberalitate, et rebus gestis admirandus. Barros Decad. 2. da Ind. liv. 3. cap. 10. Era homem de honrada prezença, Cavalleiro de Conselho, e de Corte, e por esta, e por outras qualidades de sua pessoa muito estimado. Fr. Ant. de S. Rom. Hist. de la Ind. Orient. liv. 1. cap. 27. aviendo conseguido insignes vitorias em Azia, y Europa al fin vino a rematar su vida en una infame playa de Africa. Maris Dial. de var. Hist. Dial. 4. cap. 15. Pessoa de altos merecimentos, e nobres qualidades para grandes, e difficultosas emprezas. Franc. de Santa Maria Diar. Portug. pag. 28. Obrou acçoens dignas de immortal memoria. Fonsec. Evor. Glorios. p. 130. Sogeito de esclarecidas prendas, que com a toga, e com a espada foy o primeiro Cezar da India. Barbud. Emprez. Milit. de Lusit. fol. 144. Vers. Fue assombro de varias, y belicosas naciones, y puso debaxo del yugo Portugues algunas dellas. Escreveo
Carta a ElRey D. Manoel. Principia grande paixaõ he para mi escrever esta carta a V. A. He muito larga, e judiciosa, onde se justifica de quanto tinha obrado na India.
Ordem expedida em Cochim a 26. de Mayo de 1508. para sindicar de Affonso de Albuquerque.
Carta escrita a Cogeatar.
Estas duas obras se achaõ impressas nos Coment. do grande Affonso de Albuquerque. A primeira na 1. part. cap. 58. e a segunda cap. 62. e dellas faz mençaõ o moderno addicionador da Bib. Orient. de Ant. de Leaõ Tom. 1. Tit. 3. col. 69.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]