D. Fr. IOAÕ DE PORTUGAL. Teve por berço a Cidade de Evora, e por Progenitores a D. Affonso de Portugal II. Conde de Vimioso Senhor das Villas de Aguiar, e Vimioso, Alcayde mòr, e Commendador de Thomar, Vedor da Fazenda, e D. Luiza de Gusmaõ Dama da Infanta D. Maria, filha de Francisco de Gusmaõ Mordomo mòr da mesma Infanta Irmãa do Serenissimo Rey D. Ioaõ o III. A graça, e a natureza se uniraõ a formar este insigne Varaõ competindo o esplendor do nacimento com a agudeza do juizo, e a especulaçaõ das sciencias com a pratica das Virtudes. Para acrecentar novos brazoens à sua pessoa se retirou ao Claustro da preclarissima Ordem dos Pregadores professando o seu sagrado instituto no Convento da Cidade de Evora a 8 de Setembro de 1570. Estudou as sciencias Escholasticas em a Universidade de Salamanca onde ainda sendo discipulo já podia ser Mestre naõ somente pela perspicaz comprehensaõ com que penetrou as mayores dificuldades, mas pela rara promptidaõ com que decidia as mais profundas questoens. Subindo a Cadeira dictou com universal aplauzo em Portugal, e Hespanha as materias mais sublimes da Theologia Especulativa em que mostrou ser o mais agudo, e fiel interprete da doutrina de seu Angelico Mestre. Igual talento teve para o pulpito pois sendo Pregador de Filippe II. de Portugal animava os seus discursos com taõ vehemente energia que fazia amavel a virtude, aborrecido o pecado. Foy Deputado do Conselho Geral do S. Officio de cujo honorifico lugar tomou posse a 19 de Mayo de 1622. e o primeiro Vigario do exemplar Mosteiro do Sacramento de religiosas Dominicas devendo-se à sua industria a augmento material da Caza, e ao seu espirito a exacta observancia do instituto. Elevado à Cathedral de Viseu em cuja dignidade foy sagrado a 27 de Abril de 1626. practicou pontualmente as obrigaçoens pastoraes de que S. Paulo formou o Cathalogo para instruçaõ de hum perfeito Prelado. Tudo quanto lhe rendia a Mitra dispendia prodigamente com os pobres chegando a tal excesso a sua charidade que se despojava dos proprios vestidos para com elles serem cubertos. O seu mayor disvelo era socorrer promptamente a necessidade, que para seu socorro, e alivio o pejo prendia os passos, e fechava a boca, mandando ocultamente alimentar donzellas honestas, e Viuvas authorizadas. Orava todos os dias duas horas distribuidas pela menhãa, e noute , e como tinha o seu apozento proximo à capella onde se venerava o Santissimo Sacramento, abrazado com a vizinhança daquelle divino fogo deixando o descanso do leito o procurava em taõ amoroso centro. Atenuava o corpo com continuos jejuns de paõ, e agua, e para q a sua familia naõ percebesse taõ rigorosa abstinencia a encobria com o pretexto de estar indisposto. Cingido com hum cilicio armado de penetrantes bicos se disciplinava taõ asperamente que o estrondo dos golpes revelava o excesso com que tyranizava os seus membros. Foy acerrimo propugnador da immunidade Ecclesiastica opondose com liberdade apostolica aos insultos dos seus violadores. Com animo fiel, e zeloso, que herdara de seus Mayores seguio as partes do Senhor D. Antonio quando pertendeo cingir a Coroa de Portugal, por cuja cauza padeceo constante diversas opressoens ministradas pela violencia Castelhana. Atenuado com tantas penitencias, e alguns achaques conheceo ser chegada a hora que o havia fazer participante da eternidade, e recebidos com grande ternura os Sacramentos respondendo, e ajudando ao Ministro que lhe conferia o da Extrema Unçaõ, voltou os olhos para a sua familia que magoada, e saudosa lhe assistia à qual com voz clara, e intelligivel pedio perdaõ do máo exemplo que lhe dera cuja exhortaçaõ authorizou com textos da Escritura, e açoens de varios Santos. Ultimamente abraçado com a imagem de Christo pendente da Cruz lhe entregou o espirito a 26 de Fevereiro de 1629. Quando contava 75 annos de idade, 56 de religioso, e dous, e meyo de Bispo. Foy universalmente sentida a sua morte pois com ella se lamentavaõ os pobres sem Pay, as ovelhas sem Pastor, e a Igreja sem Prelado. Iáz sepultado na Capella mòr da sua Cathedral para a parte do Evangelho, e sobre huma grande pedra se lè este breve Epitafio que o esconde pouco menos que a sepultura como discretamente escreve o Excellentissimo Conde do Vimioso D. Iozé Ioaõ Miguel de Portugal no Elogio deste Prelado immortal credito da sua Excellentissima Caza a pag. 41 da Instruçaõ que compoz para seu filho segundo D. Manoel Iozé de Portugal.

Sepultura do P. M. Fr. Ioaõ de Portugal Bispo que foy de Viseu. Falleceo a 26 de Fevereiro de 1629.

Celebraõ as Virtudes, e as letras deste insigne Prelado Cardoso Agiolog. Lusit. Tom. 1. p.527. Foy dos mais consumados Theologos Escholasticos. Fr. Ignat. Galvaõ na Dedicatoria do 2. Tom. das suas obras ao Illustrissimo D. Miguel de Portugal Bispo de Lamego sobrinho de D. Fr. Ioaõ de Portugal. Non solùm in Ordine Praedicatorum quem professus erat vitae exemplo, Religionis zelo, literisque sicut clarissima Opera ejus typis excusa testantur, tamquam scientiae, & virtutum omnium exemplar enituit, sed etiam in Episcopali dignitate omnium vices explevit. Mira enim ejus fuit in colendo Deo pietas, & mentis ardor, insignis in augendis rebus, quae ad Divini Numinis venerationem spectant sollicitudo; assidua in pascendo grege sibi commisso vigilantia, incredibilis in pauperes amor, et largitas. Denique is fuit, qui biennio tantùm admirabili vitae sanctitate in Episcopatu vixerit, explevit tamen tempora multa, et cum ingenti non suarum tantùm ouium, sed etiam totius Regni desiderio gloriose obiit, cujus memoria perpetuo in benedictione erit. Echard. Script. Ord. Praed. Tom. 2. p. 460. col. 2. non eruditione minus, & vitae pietate quàm titulis, ac regii stemmatis origine clarus. Fr. Luc. de S. Catherin. Historia de S. Domingos da Prov. de Portug. Part. 4. liv. 1. cap. 10. Fez que o lessem como hum dos Escholasticos Luminares da Theologia nos dous grandes Tomos que escreveo de Gratia obra digna de dezempenhar hum profundo Theologo no voto dos milhores do seu tempo. Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. 1. p. 585. col. 1. Ioan. Soar. de Brit. Theatr. Lusit. Liter. Iit. I. n. 65 . Monteir. Claustr. Dom. Tom. 3. p. 57. Religioso de grande obserzvancia, assim na Religiaõ, como no Bispado. e no Cathal. dos Deputad. do Conselho geral do S. Officio. n. 34. Religioso de grandes letras, e virtudes Fonceca Evor. Glorios. p. 321. ensinou as sciencias com fama de insigne Letrado. Souza Hist. Gen. da Caz. Real Portug. Tom. 10. liv. 10. pag. 708. Foy exemplarissimo, douto, virtuoso, e mortificado… compassivo por natureza, muy esmoler, grande zelador da honra de Deos, e bem das suas ovelhas, exercitado em todo o genero de virtudes. Compoz

De Gratia Increata, et Creata. Tomus primus. Conimbricae apud Didacum Gomez do Loureiro. 1627. fol. Consta de 6 livros, que trataõ do Espirito Santo terceira Pessoa da Beatissima Trindade. o 1. de Deitate. 2. de Processione. 3. De Relatione Spiritùs Sancti. 4. de Personalitate. 5. de Usu divinorum Nominum. 6. de Missione ejusdem Spiritùs Sancti.

De Gratia Creata. Tomus secundus. Estava prompto para a impressaõ, que naõ logrou por conter em si a materia de Auxiliis sobre a qual a Sé Apostolica tinha imposto silencio a 19 de Mayo de 1622, pelas fortes controversias agitadas em Roma entre as Religioens Dominicana, e Iesuitica. Escreveo (assim louva esta obra o Reverendissimo Padre Ioaõ Col da Congregaçaõ do Oratorio desta Corte, que com heroica resoluçaõ naõ aceitou o Bispado de Elvas estando confirmado pela Santidade de Clemente XII. no Cathalogo dos Bispos de Viseu. §. 60. de cuja Diocese compunha as Memorias como Academico da Academia Real) quatro excellentes Tomos com o titulo de Gratia Creata, et Increata estamparaõ-se os dous ultimos, e por elles conhecemos o que perdemos nos primeiros.

Summa da doutrina Christãa ordenada conforme o Cathecismo Romano. Lisboa por Antonio Alvres. 1626. 8.

Cazamento Christaõ. M. S.

De Laudibus D. Virginis Mariae. M. S.

O Original destas duas obras como afirmaõ Cardozo Agiol. Lusit. Tom. 1. pag. 533. e Monteiro Claust. Dom. Tom. 3 . pag. 238. se conservaõ no Convento do Sacramento de Religiosas Dominicas fundado por seu Irmaõ D. Luiz de Portugal III. Conde do Vimioso juntamente com sua consorte D. Ioanna de Castro, e Mendoça filha de D. Fernando de Castro primeiro Conde de Basto onde professou o instituto da Ordem dos Pregadores, e seu espozo em o Convento. de S. Paulo de Almada.

 

[Bibliotheca Lusitana, vol. II]