D. IOAÕ DA SYLVA naceo em a Cidade de Elvas, e na Parochial Igreja do Salvador lhe conferio o bautismo o Licenciado Antonio Gonzalves Villa Prior da dita Igreja a 7 de Abril de 1630. Á virtuosa educaçaõ de seus illustres Pays D. Miguel da Sylva, e D. Maria de Castro deveo o exercicio daquellas heroicas açoens, que foraõ exemplares da Fidalguia Portugueza. Dezejando seu Pay, que seguisse a vida Ecclesiastica recebeo as primeiras Ordens de D. Manoel da Cunha Bispo de Elvas, porem ou levado dos impulsos do seu bellicioso genio, ou do fiel affecto para a sua Patria invadida pelas Armas Castelhanas preferio a palestra de Marte à de Minerva sentando praça de soldado em o Regimento de que era Mestre de Campo seu Tio Gonçalo Vaz Coutinho onde passou a ser Alferes do Mestre. Com este posto embarcou na Armada, que ElRey D. Ioaõ o IV. expedio a favor dos Principes Palatinos contra os Parlamentarios, e voltando ao porto de Lisboa foy feito Capitaõ de Cavallos donde passou a Comissario Geral de Cavallaria, e depois a Tenente General devendo-se á direçaõ da sua disciplina militar grande parte das famosas vitorias das linhas de Elvas, e Montes claros onde foraõ totalmente desbaratados os Castelhanos. Retirado à Villa de Thomar naõ aceitou os lugares de Sargento mòr de batalha, e de General da Cavallaria da Beyra justificando a repulsa com a injustiça da preferencia de quem lhe era muito inferior em o merecimento. Naõ foy menos glorioso o triumfo, que alcançou dos inimigos domesticos do que tinha alcançado dos estranhos pois armada a malevolencia dos seus emulos o delatou de inconfidente à Coroa, e violador da honestidade, e da justiça. No rigoroso exame de outenta testemunhas sahio a sua innocencia taõ justificada, que foy declarado pelo Procurador da Coroa o mais fiel Vassallo de todo o Reyno, e que fosse o author daquellas acusaçoens castigado como inimigo da patria, porem nem o acuzador foy punido, nem a fidelidade premiada. Entre os dotes, de que abundantemente o ornou a natureza foy o sublime genio, que teve para a Poezia Heroica, e Lyrica onde a delicadesa dos pensamentos competia com a afluencia das vozes. No tempo, que tinha acabado hum Romance profano ouvio huma muda voz, que intellectualmente o arguia de que sendo o seu talento igualmente capaz, para as armas, e para as letras somente era inutil para o serviço de Deos, de cuja advertencia se sentio taõ penetrado, que deramou copiosas lagrimas pelo espaço de tres dias explicando pelos olhos a ingrata correspondencia dos beneficios, que recebera de seu Criador. Para exercitar a paciencia com os seus emulos assistentes na Corte deixou o retiro da Villa de Thomar por conselho dos veneraveis Padres Fr. Antonio das Chagas, e Bartholameo do Quental. No livro do Officio de Nossa Senhora, que todos os dias devotamente recitava tinha metido hum papel escrito da sua maõ o qual continha estas judiciosas clausulas. Quem dizer bem de mim obra pelos motivos da Charidade, pagarlho-há Deos. Quem dizer mal de mim obra pelos dictames da justiça agradecerlho hey eu. Por direçaõ do seu Confessor comungava todas as segundas, quintas, e sabbados, e se na semana concorria algum Santo, ou Mysterio da sua devoçaõ, repetia taõ religioso acto. Todos os dias se levantava da cama as tres horas da madrugada, e persistia orando mentalmente até as sinco. Cumulado de tantas virtudes tolerou com heroica paciencia as afliçoens da ultima infermidade, e recebidos os Sacramentos entregou o espirito ao seu Criador a 11 de Fevereiro de 1712. às dez horas da menhãa quando contava 82 annos de idade. A alegria do aspecto, e a flexibilidade de todos os membros, que se experimentou quando se lhe vestio o manto da Ordem militar de Christo de que fora Cavalleiro professo, testemunháraõ com assombro o Arcebispo Primaz Ruy de Moura Telles, os Excellentissimos Condes de Viana, e Sarcedas seus Testamenteiros, e o seu Confessor declarando, que pelo espaço de dez annos lhe naõ achara materia suficiente para o absolver. Iaz sepultado na Igreja do Convento da Madre de Deos situado em o suburbio de Lisboa como dispoz no seu Testamento, e que fosse levado na tumba dos pobres pelos seus Irmãos Terceiros de S. Francisco. Fazem da sua pessoa honorifica mençaõ D. Luiz de Meneses Conde da Ericeira Portug. Restaur. Tom. 2. liv. 3. pag. 139. liv. 6. pag. 390. liv. 8. pag. 522. liv. 10. pag. 703. D. Luiz de Salaz. e Castr. Hist. Gen. da Caz. de Sylv. Part. 2. liv. 6. cap. 12. n. 19. E o Doutor Ignacio Barboza Machado meu Irmaõ Fastos da antig. e nov. Lusit. Tom. 1. pag. 498. Com o affectado nome de Ioaõ Ignacio, e de Ioaõ Alvares Botelho seu Escudeiro publicou as seguintes obras claros indices da sua religiosa vida.

Officio da Conceiçaõ de Nossa Senhora sempre Virgem concebida em graça sem macula de pecado Original. Lisboa por Miguel Manescal. 1675 . 24. He em Verso Portuguez.

Oraçaõ para qualquer pessoa de qualquer estado com outro pequeno exercicio da Via-Sacra, q pode correr cada dia com a consideraçaõ em todo o lugar, e ocupaçaõ honesta. Lisboa por Joaõ da Costa. 1680. 16.

Notas ás Cartas do V. P. Fr. Antonio das Chagas com ellas impressas. Lisboa por Miguel Deslandes 1684. 4.

Acto de Amor de Deos, e consideraçoens sobre as Clausulas do Padre Nosso, Ave Maria, e Salve Raynha com humas copias devotas, e hum discurso breve intitulado Brado interior. Lisboa por Miguel Deslandes 1685. 16. Esta obra foy composta à instancia da Madre Helena da Cruz religiosa do Convento da Esperança de Lisboa.

Desengano da Conciencia em reposta a N. que vivia pouco lembrado da eternidade, e dez Meditaçoens da Payxaõ de Christo Senhor Nosso ordenadas à Virgem Senhora Nossa para os dez sabbados desde a Septuagessima até a Ressurreiçaõ do Senhor, e hum exercicio intitulado. Doutrina de Christo. Lisboa por Domingos Carneiro. 1687. 12. Estas Meditaçoens foraõ compostas por petiçaõ das religiosas do Convento da Madre de Deos.

Guerras de Portugal contra Castela nas quais assistio. M. S.

De todas as suas Poezias, que foraõ excellentes, se podem formar dous Volumes conservando grande parte dellas seu sobrinho D. Jozé da Sylva Paçanha Cavalleiro professo da Ordem de Christo das quais somente se publicaraõ dous Sonetos; hum no 2. Tom. da Acad. dos Singular. a pag 269. e outro na Collec. polit. dos Apothem. memor. que fez Pedro Jozé Supico de Moraes. liv. 2. p. 161.

 

[Bibliotheca Lusitana, vol. II]