V. D. IOAÕ VICENTE Fundador da florentissima Congregaçaõ dos Conegos Seculares do Evangelista S. Ioaõ neste Reyno naceo em a Cidade de Lisboa a 2 de Março de 1380. Teve por Pays a Estevaõ Rodrigues Maceira descendente da Caza deste appellido illustre naquella idade, e a D. Mecia Ponce Senhora Castelhana parente muito propinqua de D. Maria Ponce mulher de D. Alvaro de Castro Conde de Arrayolos, e primeiro Condestavel de Portugal. Na primeira idade descubrio indole docil para seguir a virtude sendo escuzado o disvelo da doutrina quando sobejava a propensaõ da natureza. Ao mesmo tempo, que conheceo o mundo o desprezou, e querendo fugir dos seus enganos determinou vestir o habito da Ordem dos Pregadores em o exemplarissimo Convento de Bemfica de cuja virtuosa resoluçaõ foy impedido pelo imperio do Pay, e ternura da Mãy. Para evitar as fataes consequencias da ociosidade se aplicou na Universidade de Lisboa ao Estudo da Filosofia, e como era ornado de engenho perspicaz penetrou com tanta brevidade as suas mayores dificuldades, que recebeo gráo desta sciencia com aplauso de todos os Academicos. Desta sciencia passou a frequentar a de Medecina, que naquelles tempos era cultivada por pessoas de nobre qualidade, e taes foraõ os progressos, que nella fez a sua profunda especulaçaõ, que laureado com as insignias doutoraes a dictou sete annos com grande emolumento dos seus discipulos e naõ menor alivio dos infermos de que se seguio o nomeallo ElRey D. Duarte seu Medico, e Fisico mòr do Reyno. Ambicioso de vida mais perfeita se ordenou de Presbitero celebrando a primeira Missa no Oratorio situado junto da Villa de Setuval onde habitava fazendo austeras penitencias Mendo de Ciabra Erimita da Serra de Ossa homem de illustre nacimento, e Valido delRey D. Ioaõ o I. Considerando o lastimozo estado a que estava reduzido o Clero cujos licenciosos custumes serviaõ de abominavel escandalo aos seculares intentou illustrado da divina graça procurar a sua Reforma para cujo efeito elegeo para companheiros de taõ ardua empreza a Martim Lourenço Doutor Theologo; D. Affonso Nogueira graduado em hum, e outro Direito pela Universidade de Bolonha que depois foy Bispo de Coimbra, e Arcebispo de Lisboa, e agregandose-lhe outros Sacerdotes de inculpavel vida, como fosse provido pelo Arcebispo de Braga D. Fernando da Guerra na Igreja de S. Salvador de Villar de Frades que tinha sido de Monges de S. Bento, nella lançou os primeiros fundamentos da Congregaçaõ dos Conegos Seculares em o anno de 1425. da qual teve confirmaçaõ de Martinho V. a 20 de Ianeiro de 1431. Quando passou de Flandes a Roma por ocaziaõ de ter acompanhado a Infanta D. Izabel filha do nosso Serenissimo Rey D. Ioaõ o I. hindo despozarse no anno de 1429. Com Filipe o Bom Duque de Borgonha. Sublimado ao solio do Vaticano Eugenio IV. naõ somente confirmou a concessaõ do seu Antecessor, mas conhecendo as virtudes que practicava o V. Ioaõ Vicente o nomeou Bispo de Lamego onde exercitadas com vigilancia as virtudes pastoraes foy promovido pelo mesmo Pontifice no anno de 1444. à Cathedral de Viseu, e suposto que com humildes expressoens reprezentou ao Summo Pastor a repugnancia que tinha de se despozar com segunda Espoza obedeceo ao preceito sendo a primeira açaõ que obrou neste Bispado o transferir o Palacio Episcopal para junto da Cathedral. Ao tempo que apascentava as suas ovelhas com benevolencia de Pastor, e severidade de Prelado foy chamado pelo Infante D. Pedro para acompanhar com o exercicio de Confessor, Esmoler, e Capellaõ mòr à Rainha D. Izabel que partia a receberse com D. Ioaõ II. de Castella donde Voltou a Portugal por suplica que à Santidade de Eugenio IV. fez o Infante D. Henrique Governador da Ordem militar de Christo para a reduzir á sua primitiva observancia. Com prudencia summa intentou o Bispo de Viseu dezempenhar esta incumbencia porem naõ responderaõ os efeitos ao seu disvelo. Voltando a Castella practicou as maximas do seu maduro juizo até que restituido à sua Diocese no anno de 1456. todo o seu cuidado consistia no premio dos benemeritos, castigo dos dissolutos, e remedio dos necessitados. No mayor exercicio de taõ illustres açoens cahio enfermo a 29 de Agosto de 1463. e ainda que pelo juizo dos medicos naõ era perigosa a infermidade asseverou que ao dia seguinte havia de morrer. Recebidos os Sacramentos com ternissima devoçaõ proferindo as palavras In manus tuas Domine commendo spiritum meum passou da vida caduca para a eterna a 30 de Agosto do referido anno com 83. annos de idade. O Ceo se empenhou a declarar com prodigiosos sinaes a santidade deste Varaõ. Foy sepultado em hum mausoleo que mandara edificar no anno de 1455. situado em huma Capella do Claustro da Cathedral de Viseu sobre o qual se vé aberta de relevo a sua efigie em forma Pontifical. As açoens da sua vida relata com penna difusa, e elegante o P. Francisco de Santa Maria Chron. dos Coneg. Sec. liv. 3. cap. 1. até 14. sendo vigorosamente criticado em alguns factos deste Bispo por Fr. Manoel dos Santos Monge Cisterciense Chronista do Reyno e Academico Real na Alcobaça Illustrada, e na Alcobaça Vindicada. Vasconcell. Descript. Regn. Lusit. p. 522. o intitula virum Santissimum. O illustrissimo Cunha Cathal. dos Bisp. do Port. Part. 2. cap. 27. e na Hist. Eccles. da Igrej. de Lisboa Part. 2. cap. 69. §. 9. Purificat. Chronolog. Monastic. p. 63. Charitatis &innocentiae fama celebris. et de Vir. Illustr. Ord. Erimit. S. Aug. lib. 1. cap. 17. Thomassino Annal. Can. Sec. p. 148. politioris litteraturae professor eximius, corporis forma, animique dotibus praestantissimus. Brandaõ Mon. Lusit. Part. 6. liv. 10. cap. 7. Pessoa capaz de mayores ocupaçoens assi por sua exemplar vida, como taõbem por ser de grandes letras, e governo. Soveral Hist. do Apparecim. de Nossa Senhora da Luz liv. 1. cap. 9. D. Nicol. de Santa Maria Chron. dos Coneg. Reg. liv. 4. cap. 6. n. 5. Famoso Medico delRey D. Ioaõ o I. Fr. Leaõ de S. Thomas Bened. Lusit. Tom. 2. Trat. 2. p. 350. Varaõ Santo Fr. Manoel Rodrig. Question. Regular. Devotissimo Varaõ, e Medico eruditissimo, e Souza Hist. de S. Domingos da Prov. de Portug. Part. 2. liv. 2. cap. 7. espirito taõ perfeito, e que Deos tinha escolhido para Fundador de taõ Santa Religiaõ.
Compoz
Livro de Medecina. Delle fallando o Padre Santa Maria Chron. dos Coneg. Sec. liv. 1. cap. 4. Foy este livro taõ estimado e bem recebido de todos os homens doutos daquelle tempo que os nossos Conegos antigos guardaraõ ou o Original, ou huma copia delle no Carthorio da nossa Caza de Villar de Frades.
Estatutos da Congregaçaõ dos Conegos Seculares. Foraõ impressos no anno de 1540. sendo Reytor Geral o Padre Francisco de Santa Maria como escreve o Licenciado Iorge Cardoso Agiolog. Lusit. Tom. 3. p. 701. no Comment. de 15 de Iunho Letr. F.
Regra, e Definiçoens da Ordem militar de Christo. De ser author desta obra o asseveraõ as Constituiçoens da Ordem de Christo. Tit. 2. p. 56. Com estas definiçoens feitas pelo Bispo de Viseu D. Ioaõ se governou esta militar Ordem até o tempo delRey D. Manoel, que as confirmou pela Sé Apostolica como diz Brandaõ Mon. Lusit. P. 6. liv. 19. cap. 8.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]