ANDRÉ RODRIGUES DE MATTOS, Cav. professo na Ord. de Christo Bacharel em Canones pela Univ. de Coimbra, Academico dos Generosos e dos Singulares, etc. – N. em Lisboa no anno de 1638, e se dermos peso á phrase emphatica e obscura com que se explica o Abbade Barbosa, dizendo que elle tão descontente da vida como desejoso da morte acabara a carreira da sua peregrinação na quinta do Campo‑grande para onde costumava retirar‑se no tempo do verão, parece que legitimamente se deve concluir que elle se suicidara aos 17 d’Agosto de 1698. – E.

326) (C) Triumpho das armas portuguezas, deduzido de varios versos do insigne poeta Luis de Camões… Lisboa, por Antonio Craesbeeck de Mello 1663. 4.º de 16 pag. não numeradas. O sr. Figaniere me fez ver um exemplar que possue, perfeitamente bem conservado.

327) (C) O Godfredo, ou Hierusalem Libertada; Poema heroico composto no idioma toscano por Torcato Tasso, traduzido na lingua portugueza. Lisboa, por Miguel Deslandes 1682 (e não 1688 como erradamente tem Barbosa.) 4.º de XXXII‑659 pag. O meu exemplar tem além do rosto impresso um frontispicio allegorico gravado em chapa de metal, e no fim outra estampa com um soneto tambem gravado. Tanto esta como o frontispicio faltam em outros exemplares que tenho visto. É livro raro e estimado, e o preço regular dos exemplares não tem descido de 1:200 réis, sendo o mais commum 1:600, e chegando algumas vezes a 2:400.

«Considerada poeticamente, esta traducção feita sobre o original estancia por estancia e verso por verso, não é tão perfeita como seria para desejar; pecca em alguns logares por falta de intelligencia do texto; o seu estylo e linguagem nem sempre são puros e correctos, apparecendo de vez em quando mesclada de vocabulos hespanhoes e italianos, introduzidos pelo poeta com demasiada liberdade, ou constrangido do jugo da rima. Não é raro encontrarem‑se alguns termos menos proprios, e versos duros e prosaicos. Todavia apesar d’estes defeitos, é fiel na sua generalidade, e attenta a difficuldade da empreza, deve considerar‑se digna de estimação, e dá honra á nossa litteratura. » (V. Pedro de Azevedo Tojal.)

Ha poucos annos se tractou de fazer em Coimbra uma reimpressão d’este poema, por meio de assignaturas, para o qual me lembro de ter visto alguns prospectos, que em Lisboa se distribuiram. Não me consta porém que esta empreza fosse avante, o que é para sentir, porque a obra merecia tornar‑se mais vulgar do que o é actualmente.

328) (C) Dialogo funebre entre o Reino de Portugal e o Rio Tejo glosando o famoso soneto: Formoso Tejo meu, quão differente, etc. á morte da Ser.mª Sr.ª D. Isabel Luiza Josepha Infanta de Portugal. Lisboa, por Miguel Deslandes 1690. 4.º de 16 pag. O exemplar que vi pertence tambem ao sr. Figaniere.

Algumas composições d’este auctor em prosa e verso se encontram dispersas nos dous tomos da Academia dos Singulares, tudo escripto no gosto da eschola castelhana, de que elle foi alumno. E nada mais consta que exista seu, quer impresso, quer manuscripto.

Examinando porém o Ensaio Biographico‑critico sobre os Poetas portuguezes por José Maria da Costa e Silva, vejo no tomo IX, publicado já alguns mezes depois do seu falecimento, que a pag. 241 menciona uma obra de Mattos, com o titulo de Rimas varias impressas em 1654 em 8.º – Sinto não poder inquirir d’elle a fonte d’onde houve tal noticia, que eu de certo lhe não dei com as outras de que na maior parte se serviu para tecer as biographias, tanto d’este poeta, como de quasi todos os que entraram no seu Ensaio. E o que mais me admiraria, se não soubesse por experiencia que a critica de Costa e Silva era fragil em demasia deixando‑se levar de quaesquer impressões que no primeiro momento se lhe offereciam por verdadeiras, ou confiando muito mais do que devera na propria reminiscencia, é o tom de segurança com que elle patentêa como cousa constante, que o pretendido volume das Rimas fora depois mandado recolher por causa de algumas obscenidades que continha! Tractarei pois de aclarar este ponto dizendo o que sei a respeito d’elle.

Por decreto de 14 d’Agosto de 1663 foi effectivamente «mandada recolher uma poesia de oitavas rimas de André Rodrigues de Mattos em que se tractava como não devia ser a fidelidade dos moradores da cidade d’Evora, e advertido o Desembargo do Paço para não dar licença, sem consultar as obras em que se envolvessem cousas do Estado ou reputação publica.» Eis o teor da parte perceptiva do decreto, que pode ler‑se integralmente transcripto nas Dissert. Chronolog. de João Pedro Ribeiro, tomo II a pag. 280. Não ha aqui, como se vê, a menor allusão a obscenidades, e a obra mandada supprimir, não pode ser outra senão o Triumpho das Armas Portuguezas, descripto acima sob n.º (326) ou quando muito alguma outra poesia avulsa publicada n’esse mesmo anno de 1663, e de nenhum modo as taes suppostas Rimas, que se dizem impressas nove annos antes. Para longe se guardava a prohibição!

Já depois d’escripto e composto na imprensa o presente artigo, e por conseguinte a parte biographica em que alludo ao supposto suicidio de Mattos, aconteceu que, folheando a diverso proposito as Memorias Hist. dos Clerigos Regulares por D. Thomás Caetano de Bem, achei ahi casualmente a explicação do que era para mim um enigma, e que J. M. da Costa e Silva transformara n’uma certeza a pag. 240 do proprio tomo do Ensaio Biogr. supracitado. – Com effeito, no tomo I d’aquella obra tão erudita e estimavel pelas noticias que contém, diz D. Thomás, falando de André Rodrigues de Mattos, que este «Queixoso de ver sem remuneração as suas letras, e os serviços de sua casa, se retirou de Lisboa, dizendo que o seu sentimento o obrigava a se vingar d’ella pelo modo que podia, que era tirar‑lhe um visinho. Retirou‑se para uma quinta que tinha no Campo‑grande, se descontente da vida só cuidadoso da morte, onde faleceu a 17 d’Agosto de 1698.» D’aqui se vê o como e porque André Rodrigues vivia desgostoso, e talvez fica logar para attribuir a esses desgostos a causa que mais ou menos remotamente poderia influir para abreviar‑lhe a vida, sem recorrer a idéa de suicidio que não houve, e que se desvanece de todo perante estas expressões, e as mais que ainda se seguem no trecho indicado; as quaes não copio por desnecessarias.

 

[Diccionario bibliographico portuguez, tomo 1]