FERNANDO MENDES PINTO naceo em a Villa de Monte-mór o velho do Bispado de Coimbra em a Provincia da Beira de Pays honrados, mas muito pobres. Quando contava a tenra idade de doze annos partio da sua Patria acompanhado de hum tio, e chegando a Lisboa a 21. de Dezembro de 1521. como desejasse fortuna mais prospera para o sobrinho o acomodou em a caza de huma Senhora illustre, onde depois de assistir nella pelo espaço de anno, e meyo com louvavel procedimento, foy obrigado para salvar a vida, retirarse clandestinamente da dita caza. Em huma caravella, que de Lisboa partia para Setubal, foy prisioneiro por hum Cossario Francez, que depois de meter a fundo a embarcaçaõ, o tratou, e aos seus companheiros com grande incivilidade, sendo este successo o fatal prologo das varias infelicidades que padeceo pelo espaço de sua vida. Restituido à liberdade voltou a Setubal, e depois de servir quasi dous annos o lugar de Moço da Camara do Duque de Aveiro o Senhor D. Jorge filho natural d’ElRey D. Joaõ o II. considerando que aquella occupaçaõ lhe naõ promettia os mayores augmentos se resolveo a buscar fortuna mais propicia em parte muito remota da sua Patria, qual era a India Oriental, para onde se embarcou a 11. de Março de 1537. em huma Armada de cinco náos, de que era Capitaõ mór D. Pedro da Sylva filho do Conde Almirante D. Vasco da Gama. Havendo discorrido pela Ethiopia, Arabia Feliz, China, Tartaria, Siaõ, Pegu, Macassar, Samatra, Martavaõ, e todo o Archipelago Oriental, em cuja dilatada peregrinaçaõ que elle descreveo com igual juizo, que verdade, consumio a larga diuternidade de vinte e hum annos, em que padeceo lastimosos, e incriveis infortunios, sendo cativo treze vezes, vendido dezesete, e quase tragado das ondas por diversas ocasioens naõ sendo taõ fataes tribulaçoens, e horrorosos perigos, bastantes obstaculos para que naõ observasse com judicioso exame por ser dotado de agudo engenho, e felicissima memoria, os costumes, e cerimonial de Naçoens taõ varias; a potencia dos seus Princepes, e a situaçaõ de tantos Reynos, e Provincias. Como tivesse adquirido algum cabedal, determinou em o anno de 1554. restituir-se à sua patria, e antes de executar este intento se confessou geralmente com o P. Belchior Nunes da Companhia de JESUS em a Igreja de N. Senhora da Graça na Ilha de Choraõ distante huma legoa de Goa, e vendo-se aliviado do pezo das suas culpas, começou a persuadir com grande efficacia ao mesmo Padre o copioso fruto, que se podia colher com a evangelica cultura do Japaõ por serem os seus naturaes, como elle testemunhára, os mais promptos, e doceis em obedecer à razaõ, e os mais constantes em conservar a Fé, para cuja sagrada empreza prometia doze mil pardaos em dinheiro àlem de quatro mil para o principio da erecçaõ de hum Collegio da Companhia em a Cidade de Amanguchi, donde pudessem sahir os Missionarios para doutrinar a gentilidade daquelle vasto Imperio. Mereceo este Catholico intento a geral approvaçaõ de todos os Ecclesiasticos de Goa, e juntamente do Vice-Rey D. Affonso de Noronha, nomeando a Fernando Mendes Embaixador a El-Rey de Bungo. Antes de partir para o Japaõ distribuio dous mil cruzados para alguns parentes pobres, que tinha em Portugal; applicou quatro para varias esmolas, e libertou grande numero de escravos, e embarcado com o P. Belchior Nunes, e outros companheiros destinados para a Missaõ, de que elle fora o Author, commovido do fervor com que estes Religiosos renovaraõ os votos solemnes se inflamou com tal excesso que levantando a voz com o rosto banhado em lagrimas, fez voto de viver, e morrer na Companhia de JESUS, e de empregar todo o seu cabedal em obsequio da Christandade Japoneza. Para satisfaçaõ de taõ ardentes dezejos foy admitido à Companhia em o anno de 1554. pelo P. Belchior Nunes, onde a perseverança naõ correspondeo a taõ heroica resoluçaõ. Ultimamente depois de ter concluido o largo circulo das suas Peregrinaçoens por todo o Oriente se restituhio a este Reyno, e chegando a Lisboa a 22. de Setembro de 1558. quando governava esta Monarchia a Rainha Dona Catherina pela menoridade de seu neto D. Sebastiaõ lhe aprezentou os seus serviços authorizados com honorificas Certidoes do Governador da India Francisco Barreto, e depois de consumir quasi cinco annos na esperança do despacho, vendo-se frustrado da merecida remuneraçaõ, se retirou para a Villa de Almada onde cazou, e teve filhos, para os quites escreveo o livro das suas Peregrinaçoens, ate que mais cheyo de annos, que cabedaes falleceo entre os annos de 1580. e 1581. e jaz sepultado na Igreja Parochial de S. Tiago da Villa de Almada. He celebrado o seu nome por diversos Authores como saõ Joan. Soar. de Brit. Theatr. Lusit. Litterat. lit. F. n. 5. vir longa, diutina, admirabilique peregrinatione non solum apud Nostrates, sed etiam apud exteros celebratissimus. Faria Asia Portug. Tom. 2. Part. 1. cap. 3. n. 6. notorio por las memorias de sus peregrinaciones, e no Coment. às Lusiad. de Cam. Cant. 8. Estanc. 37. se duda de mucho de lo que refiere: y personas que anduvieron por aquellas partes afirman que nò solo es todo verdad, si nò que pudiera con ella dizir màs, y que de miedo lo dexò. O Padre Charlevoix Hist. de l’Etablissem. des Prog. Et de la decadenc. de Christ. dans lib. Empir. du Japon. Tom. 2. liv. 5. pag. 155. O intitula fameux avanturier, e na Hist. du Jap. Tom. 1. liv. 2. §. 3. pag. mihi 245. col. 1. O Licenciado Francisco Herrera Maldonado na Traduçaõ Castelhana, que fez da sua Peregrinaçaõ no principio da Apologia da verdade desta Historia: diz do seu Author. Hombre de agudo ingenio, de singular memoria, y de experiencias notables, que alcançadas por tantos trabajos, y peregrinaciones le adquirieron fama eterna, y estimacion entre los mayores Principes del Asa, y Europa, sendo generalmiente oydo de los Reys, e estimado de los nobles. Crasset. Hist. de l’Eglis. du Jap. Tom. 1. liv. 3. §. 36. & seq. pag. mihi 188. Reys Elys. Jucund. Quaest. Camp. quaest. 47. n. 31. O moderno addicion. da Bib. Orient. de Ant. de Leaõ Tom. 1. Tit. 2. col. 3 2. refiere successos tan notables, y tantos que algunos le tienen por fabuloso, però la esperiencia de otros los hà desenganado. No tempo que assistio na Companhia de JESUS escreveo
Carta de Malaca em 5. de Abril de 1554. que começa Determinado tenia charissimos hermanos, &c. he muito extensa, e sahio impressa. Lisboa por Antonio Alvares 1555. 4. em hum livro que tem este titulo Copia de algunas cartas de algunos Padres, y hermanos de la Compania de JESUS, que escrivieron de la India, Japon, y Brazil a los Padres, y hermanos de la misma Compania en Portugal, &c.
Carta escrita de Malaca a 5. de Dezembro de 1554. aos Padres do Collegio de Coimbra. Foy feita por ordem do P. Belchior Nunes, em que relata as cousas mais particulares, que vio em todo o Oriente, antes de entrar na Companhia. Sahio na lingua Castelhana. Saragoça por Agostino Millan. 1560. fol. com outras cartas das Indias Orientaes, de que temos hum exemplar. Sahio traduzida em Italiano, e sahio. Roma por Antonio Bladio 1556. 8. e Veneza por Miguel Tramezzino 1559. 8. com este titulo.
Di diversi costumi, e varie cose ch’ hà visto en diversi regni dell’ India nelle qualli andò avanti che entrasse nella Compagnia. Peregrinaçaõ em que da conta de muitas, e muito estranhas cousas, que vio, e ouvio no Reyno da China, no da Tartaria, no do Sornau, que vulgarmente se chama Siaõ, no do Caliminhan, no do Pegù, no de Martavaõ, e em outros muitos Reynos, e Senhorios das partes Orientaes, de que nestas nossas do Occidente há muito pouca, ou nenhuma noticia. Lisboa por Pedro Craesbeck. 1614. fol. Esta ediçaõ que he a primeira, foy feita por ordem do Provedor, e Irmãos do Recolhimento das Convertidas de Lisboa, e dedicada a Filippe II. Sahio segunda vez impressa. Lisboa por Antonio Craesbeck de Mello. 1678. fol. Terceira vez juntamente com a Conquista do Reyno do Pegù feita pelos Portuguezes, sendo Vice-Rey da India Ayres de Saldanha no an. De 1600. Lisboa por Jozè Lopes Ferreira. 1711. fol. e quarta vez com o Itenerario de Antonio Tenreiro. Lisboa Oriental na Officina Ferreiriana. 1725. fol. Foy vertido este livro na lingua Castelhana pelo Licenciado Francisco de Herrera Maldonado, Conego da Santa Igreja Real de Arbas, Capellao, que foy em Evora do Marquez de Flexilla, y Malagon, e sahio com este titulo. Historia Oriental de las Peregrinaçoens de Fernan Mendes Pinto, &c. Madrid por Thomaz Junti. 1620. fol. e Valencia por Bernardo Nogues. 1645. fol. Bernardo Figueira, de quem jà fizemos mençaõ em seu lugar, o traduzio na lingua Franceza com este titulo.
Les Voyages advantureux de Fernand Mendes Pinto. Pariz per Maturin Henault 1628. 4. & ibi ches Arnauld Cotinet, & Jean Roger. 1645. 4. e ultimamente em Alemao com estampas. Argentorati ex Officina Poor et R. Waechteer. 1674. 4. A estas Peregrinaçoens louvaõ com grandes elogios gravissimos Authores, sendo os principaes o P. Daniel Bartoli. Asia pag. 282. Le cui curiose peregrinationi per una gran parte dell’ Oriente da lui medessimo descritte si legono in piu lingue. Sousa. Orient. Conquist. Tom. I. Conq. I. Div. 2. n. 7. taõ verdadeiras na boca dos noticiosos, como duvidosas na opiniaõ do vulgo. Manoel de Faria e Sousa. Advert. á Asia Portug. De la verdad della (Historia da sua Peregrinaçaõ) dudan muchos; y otros tantos, que anduvieron por aquellas partes, dizen que aun pudiera con ella dizer cosas más dificiles al credito. Yo le tengo por muy verdadero por muchas razones, que a ello me sugetan. Macedo Eva, e Ave Part. 2. cap. 55. n. 4. em cujas peregrinaçoens, e successos, que dellas escreveo, mostrou o tempo com a experiencia a verdade, que se lhe disputava antes que houvesse tantas noticias daquellas partes. Malvenda de Antichrist. lib. 4. cap. 15. pag. 239. col. 1. Qui Sinarum regionis maiorem, & meliorem partem perlustravit, atque quae oculis vidit, fideliter memoriae consignavit, innumera, & propemodum, supra fidem de Sinarum serris narrat in sua peregrinatione. Memor. pour l’ Hist. des Scienc. e des beaux Arts de Trevoux do mez de Janeiro de 1726. pag. 182. chama às suas Peregrinaçoens instructifs, e amusans.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]