FERNANDO DE MAGALHAENS Cavalleiro da Ordem militar de S. Tiago, e hum dos mais famosos Argonautas, que vio o mundo, illustrou a nobreza de seu nacimento com o heroico valor do seu coraçaõ intrepido, de que foraõ theatros as vastas campinas de Asia, e Africa, assistindo na conquista de Malaca no anno de 1510. com o Marte Portuguez o grande Albuquerque, de cuja escola sahio o mais bem disciplinado discipulo; nao sendo menos perito em a Nautica conhecendo practicamente todas as alturas, e demarcaçoens dos portos das terras Orientaes. Cumulado de tantos serviços feitos em obsequio da Patria com immortal gloria do seu nome voltou ao Reyno, onde pertendeo da Magestade d’ElRey D. Manoel lhos remunerasse cõ acrecentamento da moradia, merce taõ porporcionada à qualidade da sua pessoa, como inferior ao seu merecimento. Naõ diferio ElRey com injuria da soberania a taõ justificada suplica, de cuja repulsa se penetrou taõ altamente o Magalhaens, que auzentando-se da Patria como indigna de hum filho taõ benemerito passou a Castella, onde para que em nenhum tempo fosse acuzada a sua fidelidade de menos pura para a Coroa de Portugal se desnaturalizou com publicas, e solemnes demonstraçoens, e buscando a Magestade Cesarea de Carlos V. lhe prometteo descobrir hum novo caminho para as Ilhas Malucas, de cuja navegaçaõ, e conquista receberiaõ os Espanhoes opulentas conveniencias. Aceitou promptamente a offerta o Emperador confiando do heroico espirito do Magalhaens, que certamente a desempenharia, para cujo effeito mandou aprestar cinco náos guarnecidas de duzentos e cincoenta homens. Navegava na Capitania como Capitaõ mór deste descobrimento Fernando de Magalhaens, e em as outras Luiz de Mendoça, Gaspar de Quexada, Joaõ de Carthagena, e Joaõ Serraõ todos Castelhanos, e alguns Portuguezes, como eraõ Duarte Barboza cunhado do Magalha~es, Alvaro de Mesquita, Estevaõ Gomes, e Joaõ Rodrigues de Carvalho. Sahio esta armada de S. Lucar de Barrameda a 21. de Setembro de 1519. e tanto que chegou à altura do Rio de Janeiro, começaraõ os navegantes a experimentar com o novo clima tantas calamidades procedidas humas de falta de mantimentos, outras do excesso das enfirmidades, que julgando por impossivel a empreza degeneráraõ os animos de impacientes em tumultuosos conspirando-se contra a vida do Magalhaens, que para castigar taõ enorme insulto se valeo da ultima severidade, mandando justiçar os principaes instrumentos da rebeliaõ, quaes eraõ Luiz de Mendoça, e Gaspar de Quexada. Pacificado o tumulto com taõ severo castigo invernou em hum Cabo, no qual se descubriraõ homens de agigantada estatura, donde depois de vencidos varios infortunios se avistou o Cabo intitulado das Virgens por ser descuberto a 21. de Outubro em que a Igreja celebra o triunfal martyrio de Santa Ursula, e suas companheiras, o qual está situado em cincoenta e dous gráos, e passadas doze legoas se descubrio hum Estreito, que tinha de boca huma legoa, retalhado de angras, rios, e esteiros, a quem faziaõ lados varias montanhas cubertas humas de espera penedia, e outras de frondosos arvoredos. Depois de ter navegado cincoenta legoas por este Estreito encontrou outro mayor, que desembocava nos mares do Poente, o qual ficou antonomasticamente intitulado com o nome deste Jasaõ Portuguez. Atravessadas mil e quinhentas legoas desde a boca deste Estreito se foraõ descubrindo diversas Ilhas habitadas por Gentios, atè que chegando Magalhaens à Ilha de Zabû foy recebido com generosa hospitalidade pelo seu Principe Hamabar, a quem instruio com os dogmas da nossa religiaõ, e o bautizou com o nome de Fernando, que tomára em seu obsequio. Querendo este Principe que Magalhaens fosse seu auxiliar na guerra que tinha declarado a Calpulupo senhor da Ilha de Matan seu confinante depois de ter alcançado duas vitorias, de que fora instrumento o braço do Magalhaens, receoso Hamabar de que o despojasse do trono quem lhe tinha segurado a Coroa lhe armou huma cilada, de que resultou privar da vida em 27. de Abril de 1521. a hum Heroe digno de fim mais glorioso. Foy cazado com huma filha de Diogo Barbosa Alcayde mór do Castello de Sevilha. O seu nome celebráraõ gravissimos Escritores como foraõ Joaõ de Barros Decad. da Ind. 3. liv. 5. cap. 8. Era homem de nobre sangue, e serviço, e cap. 9. e 10. Damiaõ de Goes Chron. d’ElRey D. Man. Part. 4. c. 36. Garibay Comp. Histor. de Espan. liv. 35. cap. 32. e 33. Argensol. Conquist. de las Mal. liv. 1. pag. 17. e 18. Ferrer. Histor. de Espan. Part. 12. pag. 293. Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. 1. pag. 289. col. 1. Toto orbe notus ob maritimam expeditionem. Osor. de reb. Emman. lib. 11. pag. mihi 421. Vir nobilis, &magno animo praeditus. Maffeo Hist. Ind. lib. 8. pag. mihi 144. ingenti animo vir, &rei navalis apprime callens. Marian. de reb. Hisp. lib. 26. cap. 3. Andrad. Chron. d’EIRey D. Joaõ o III. Part. I. cap. 10. Homem de grande espirito, e de muita pratica, e experiencia na Arte da navegaçaõ. Illesc. Hist. Pontif. liv. 6. cap. 26. §. 14. durará su nombre, y fama para sempre. Paul. Jovio. Historiar. lib. 34. pag. 307. portentosa navigatione inclytus. Solorzan. de Jur. Ind. Tom. 1. lib. 1. cap. 5. à n. 35. Aubert. Miraeus Chron. ad an. 1519. Bullart Acad. des Scienc. &des Arts. Tom. 2. pag. 275. Les Etoilles sous riont a ses esperances, e les ondes n’ avoient que le mouvement qu’ il falloit pour haster la course, e la conqueste de ce nouveau Jason. Tevet vies des hom. Illustr. liv. 6. cap. 102. vaillant Capitaine. Faria Asia Portug. Tom. 1. Part. 3. cap. 5. n. 8. Cavallero en qualidad, y valor. Fonsec. Evora Glorios. pag. 105. Escreveo.
Roteiro da sua Navegaçaõ. M. S. o qual conservava Antonio Moreno Cosmografo mór da Caza da Contrataçaõ de Sevilha como affirmaõ Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. 1. pag. 289 col. 2. e o moderno addicionador da Bib. Occident. De Antonio de Leaõ Tom. 2. Tit. 10. col. 667
Mandado escrito em o Canal de todos os Santos a 21 . de Novembro de 1520. em o qual ordena a todos os Capitaens o advirtaõ em tudo que for conveniente ao bom successo da Jornada que hia proseguindo. Sahio impresso na Decad. 3. da Ind. de Joaõ de Barros liv. 5. cap. 9.
[Bibliotheca Lusitana, vol. II]