ANDRÉ DE REZENDE, foi primeiramente religioso da ordem de S. Domingos, da qual com faculdade pontificia sahiu no fim de trinta annos para o estado clerical pelos de 1540. Possuiu depois varios beneficios ecclesiasticos. Foi Doutor em Theologia, dizem uns que formado pela Univ. de Salamanca, outros que pela de Coimbra. Esteve por muitos annos ausente de Portugal, discorrendo por Hespanha, França e Belgica, deixando por toda a parte memorias da sua erudição, professando as letras e sciencias, e contrahindo amisade e correspondencia com os sabios e homens notaveis do seu tempo. Foi grandemente aceito a elrei D. João III, ao cardeal infante (depois rei) D. Henrique, e aos outros principes da Casa Real. sendo mestre do infante D. Duarte, e conforme alguns, tambem do outro infante cardeal D. Affonso, no que todavia ha duvidas fundadas. – É innegavel que este profundo humanista e distincto antiquario, cujo nome foi, e é ainda apreciado dentro e fóra de Portugal, nascera na cidade d’Evora, e que na mesma falecera a 9 de Dezembro de 1573. Quanto porém á data precisa do seu nascimento, ao nome de seu pae, e a varias outras circumstancias de sua vida e pessoa, não concordam os seus biographos. Uns o dão nascido em 1495, outros em 1498, e Barbosa (no tomo IV) em 1506. – Querem alguns que elle usasse do prenome Lucio, e lhe têem chamado Lucio André de Rezende, quando outros insistem em que a inicial L por elle anteposta ao seu nome nas obras que escreveu em latim, deve interpretar‑se não Lucio, mas sim Licenciatus. Boa parte d’estas duvidas e incertezas teriam desapparecido, se lograssemos possuir os copiosos e exactos apontamentos que para a vida de Rezende colligira com indefesso estudo o academico Francisco Leitão Ferreira, a quem ninguem negará boa critica, e desejos de apurar a verdade. Estes apontamentos, porém, que estavam com outros destinados para servir na continuação das Noticias chronologicas da Universidade de Coimbra, pereceram lamentavelmente com tantas preciosidades e riquezas litterarias no incendio subsequente ao terremoto de 1755, segundo em suas memorias manuscriptas o declara o beneficiado José Caetano de Almeida, bibliothecario que foi d’elrei D. João V, que attesta tel‑os tido em sua mão. Conforme o testemunho d’este ultimo, nos ditos apontamentos se achava com evidencia averiguada a data do nascimento de Rezende, que elle diz fora a 30 de Novembro de 1498, em uma sexta feira, e que por nascer n’esse dia se lhe pozera no baptismo o nome d’André. O mesmo Almeida affirma que elle e Leitão Ferreira tiveram a possibilidade de examinar ocularmente o testamento original de Rezende (tambem incendiado pelo terremoto) no qual não acharam o que Barbosa lhe attribue no tomo IV da Bibl., referindo‑se ao que conservava em seu poder D. Antonio Caetano de Sousa; pois que este (diz Almeida) era uma copia, errada provavelmente por defeito ou má intelligencia do amanuense que a tirou. Outras muitas particularidades accrescenta o dito Almeida, que são curiosas, mas que alongariam consideravelmente esta digressão se aqui as reproduzisse.
Limitar‑me‑hei, por agora, a indicar as fontes impressas a que poderão recorrer os que quizerem conhecer e apurar quanto é possivel saber‑se da vida e feitos do nosso celebre antiquario. – São estas, alem dos artigos de Barbosa (na Bibl. Lusit. tomos I e IV) a Vida de Rezende escripta pelo seu contemporaneo Diogo Mendes de Vasconcellos, e que traduzida por Farinha anda no principio do livrinho que este imprimiu em 1785 com o titulo de Collecção das Antiguidades d’Evora; o que diz o professor Pedro José da Fonseca no Catalogo dos Auctores que precede o Diccionario Portuguez publicado pela Academia das Sciencias, a pag. LVIII, e finalmente o artigo biographico‑critico, que a respeito de Andre de Rezende e Manuel Severim de Faria escreveu com a sua usual proficiencia o sr. Rivara, publicado na Revista Litteraria do Porto, tomo III, 1839, de pag. 340 a 362.
O mesmo sr. Rivara é auctor do epitaphio latino, que actualmente se acha collocado no jazigo, para o qual em 30 de Julho de 1839 foram, por diligencias da Camara Municipal d’Evora, trasladados os ossos de André de Rezende do extincto convento de S. Domingos da mesma cidade, hoje demolido. – V. além do citado artigo, outro inserto no Panorama, vol. III, pag. 288.
As obras de Rezende, escriptas em portuguez, e até agora publicadas pela imprensa, são:
318) (C) Historia da antiguidade da cidade de Euora. Fecta per meestre Andree de Reesende. E agora nesta segunda impressam emendada pelo mesmo autor. 1576. – E no fim tem a seguinte subscripção: – Foy impressa esta historia da antiguidade da muito noble & sepre leal cidade de Euora em ha mesma cidade. Per Andre de Burgos, impressor & Caualleiro da casa do Cardeal Infante, ao primeiro dia de Feuereiro de M D. LXXVI. 8.º Tem no frontispicio uma tarja aberta em madeira, e consta de 55 folhas sem numeração. Ha exemplares d’esta edição na Livraria do Real Archivo, na do sr. conselheiro Macedo, e na Bibl. Nac. de Lisboa, entre os livros que foram da selecta livraria de D. Francisco de Mello Manuel da Camara. – Quanto á primeira edição que d’esta obra se fez, na mesma cidade d’Evora, e segundo Barbosa pelo mesmo impressor 1553. 12.º, não ha sido possivel verificar a existencia d’algum exemplar. Parece que Monsenhor Ferreira Gordo tivera um na sua livraria, a ser exacta a descripção que apparece no respectivo Catalogo, que existe manuscripto e autographo na da Acad. R. das Sc. – Ha‑os com abundancia da terceira, feita por diligencia de Bento José de Sousa Farinha, Lisboa, na Off. de Simão Thaddeo Ferreira 1783. 8.º, egualmente de 55 folhas sem numeração como a segunda, e com ella conforme. Costumam os exemplares d’esta ultima andar incorporados no livro Collecção das Antiguidades d’Evora do referido Farinha, que já acima citei, mas tenho‑os visto tambem em separado.
É de notar n’esta historia a singularidade da construcção syntaxistica e da orthographia no maior rigor etymologica, com que está escripta. Parece que o auctor, exacto e ferrenho investigador das antiguidades, quiz até nas palavras de que se serviu, guardar o meio mais proprio de descobrir‑lhes a origem e conservar‑lhes a derivação. Assim escreve sempre: non regnar, star, comptar, epses, cognescido, hacte, nocte, nunqua, octavo, militia etc. etc. em vez de não, reinar, estar, contar, esses, conhecido, até, noute, nunca, oitavo, ou outavo, milicia, e outros infinitos vocabulos, que dão aquella obra um aspecto de ancianidade, em que os archeologos não podem deixar de comprazer‑se. Vi ainda não ha muito tempo um exemplar da referida edição de 1576, bem tractado, que me parece foi vendido por 960 réis.
319) Sermão prégado em ho synodo Diocesano que em Euora celebrou o R.mo Sr. D. João de Mello, Arcebispo de Euora, ho primeiro domingo do mez de Feuereiro de 1565. – Em casa de Francisco Corrêa… a hos XVIII dias de Agosto de 1565. 4.º – Barbosa nos dá noticia d’este sermão, cujo titulo transcreve na fórma referida, mas ninguem ha que se accuse de ter visto d’elle algum exemplar. Se existe deve ser qualificado de rarissimo.
320) Ha sancta vida e religiosa conuersão de Fr. Pedro Porteiro do mosteiro de Sanct Domingos de Euora… – E no fim: Andree de Burgos… ho imprimio em Euora no mez de Octubro do año de 1570. 4.º Existiu esta edição, conforme o testemunho de Barbosa, que do facto proprio nos affirma ter visto um exemplar; mas é rarissima, pois que não ha outra noticia ou memoria de que mais alguem a visse. Entretanto, a obra anda reproduzida no Flos Sanctorum de Fr. Diogo do Rosario, e por isso não pode dizer‑se perdida.
321) (C) Vida do Infante D. Duarte, mandada publicar pela Acad. Real das Sciencias de Lisboa. Lisboa, na typ. da mesma Acad. 1789. 4.º de VIII‑63 pag. – Traz uma prefação de José Corrêa da Serra, que foi o encarregado de dirigir esta edição, feita sobre uma copia que existia no collegio dos Benedictinos de Coimbra, e que á Academia franqueou o seu socio Fr. Joaquim de Sancta Clara, que morreu Arcebispo d’Evora. – Passados mais de cincoenta annos, no de 1842, appareceu dada novamente á luz a Vida do Infante D. Duarte inserta no tomo IX da Revista Litteraria do Porto, 1842 de pag. 433 a 467 (e julgo que tambem se tiraram exemplares em separado). Pelo que ahi diz o editor, esta nova edição foi feita sobre o proprio original que era de Montarroyo, segundo Barbosa, e que hoje existe no Archivo Nacional da Torre do Tombo. Confrontada porém com a da Academia, vê‑se que as variantes são em pequeno numero, e de mui pouca consideração.
Das muitas composições latinas, tanto impressas como manuscriptas que ficaram do douto Rezende, cujo amplo catalogo pode ver‑se na Bibl. de Barbosa, só direi que a sua conhecida obra De Antiquitatibus Lusitaniœ, impressa ao que parece pela primeira vez em Evora por Martim de Burgos em 1593. fol., anda cotada no Manual de Brunet de 10 a 12 francos, havendo memoria de um exemplar vendido por 17 florins e 50 centimos – e que a edição de Roma, 1597. 8.º, addicionada do quinto livro e de outros opusculos, apenas obteve os preços de 6 francos na venda La Serna, e de 3 florins 50 centimos na venda Meerman. Em Portugal têem valido muito mais, e no Catalogo da Livraria de Monsenhor Ferreira Gordo achei que elle comprara um exemplar da primeira edição por 4:800 réis. Esta mesma obra de Rezende foi reimpressa em Coimbra, 1790, em 2 vol. de 8.º, e faz parte da collecção dos auctores latino‑portuguezes que sahiu dos prelos da Imp. da Univ. no fim do seculo XVIII. (V. Collecção das obras d’Auctores Classicos, etc.)
[Diccionario bibliographico portuguez, tomo 1]