Fr. AGOSTINHO DA CRUZ, chamado no seculo Agostinho Bernardes. Naceo na Villa da Ponte da Barca do Arcebispado de Braga em o anno de 1540 a qual sendo pequena em seu ambito adquirio a mayor grandeza com a produção de taõ grande filho. Teve por Irmaõ a Diogo Bernardes comtemporaneo do famoso Luiz de Camoens, o qual nas suas obras poéticas deixou hum eterno testemunho do seu grande engenho. Considenrando seu Pay Diogo Bernardes Pimenta a capacidade do talento, de que logo nos primeiros anos deu sinaes evidentes, o acomodou na Casa do Seenissimo Infante D. Duarte filho dos Infantes D. Duarte, e D. Isabel, onde naõ somente mereceo as estimaçoens destes Principes, mas com a sua natural afabilidade conciliou os affectos de todos, que frequentavaõ taõ soberana Casa. Illustrado de superior impulso determinou largar o mundo, e as suas aparentes felicidades, e para conseguir esta heroica resolução pedio com affectuozas lagrimas o austero habito de Saõ Francisco da Provincia da Arrabida ao Provincial Fr. Jacome Peregrino, o qual lho mandou lançar no Convento de Santa Cruz situado na Serra de Cintra em o anno de 1561 donde tomou o apelido. Notavel foy a admiração, que geralmente causou este seu retiro do seculo para a Religiaõ, com o qual ficou taõ intimamente penetrado seu irmaõ Diogo Bernardes, que explicou o seu sentimento nestas expressoens falando na carta 6 do seu Lima a D. Francisco de Moura.

A’ Irmaõ da minha alma, como estou

Errado em te chorar! Tu para o Ceo,

E eu triste naõ sey para onde vou!

Nunca mais para mim amanheceo,

Depois que me deixaste, hum claro dia;

Sempre o Lima depois turvo correo.

E na Carta 8, escrita ao mesmo seu Irmaõ

Em que te mereci ó Agostinho,

Que nesta escura Selva me deixasses

Tomando para ti melhor caminho?

Retirado a huma Cella, que parecia sepultura começou a practicar taõ ásperas penitencias, que serviaõ de confusaõ aos seus Companheiros, sendo já em o Noviciado veterano na austeridade da vida, e observância da Regra. Ambicioso de mayor perfeiçaõ alcançou dos Prelados licença para habitar toda a vida no deserto da Arrabida, e ainda que por algum tempo lha difficultáraó, veyo a conseguilla em 19 de Março de 1565. Nesta horrorosa Thebaida por espaço de quatorze anos moveo taõ cruel guerra contra o seu corpo, que certamente se renderia atenuado pella abstinência, e idade, se o naõ socorrera o vigor do seu epirito. Rara foy a parcimónia, que usava comendo as ervas, que produzia aquella solidaõ; a dura terra lhe servia de cama, e hum tronco áspero de cabeceira. Todas estas asperezas se suavisavaõ com o intimo comercio, que tinha com Deos na Oraçaõ, em que muitas vezes foy visto absorto, e elevado, como querendo a alma voar para o centro das suas amorosas ancias. As aves, e animaes sylvestres reconhecendo a sua innocencia lhe vinhaõ obedientes buscar das suas maõs o sustento. Chagado o tempo de serem premiados os merecimentos da sua penitente vida, sentindo-se acometido de huma ardente febre foy  conduzido à Enfermaria da Villa de etubal, onde recebendo com grande ternura, e copiosas lagrimas os Sacramentos espitou placidamente em 14 de Março de 1619 com 79 annos de idade, e cincoenta, e outo de Religiaõ. Divulgada a noticia da sua morte concorreo todo o povo a venerar o Cadaver, no qual se estava vendo a felicidade que lograva o seu espirito, e com devota violência foy despojado do habiro, que tinha vestido. Entre este piedoso tumulti se distinguiraõ nos obséquios para este Varaõ Veneravel o Duque de Aveiro D. Alvaro de Lancastro seu particular amigo com seu filho D. Jorge de Lancastro Marquez de Torres novas dispondo que fosse transferido para a Arrabida, o que se executou com grande pompa, e magnificência. Foy naturalmente inclinado à Poesia sendo irmaõ do insigne Poeta Diogo Bernardes naõ somente por natureza, mas ainda por esta Arte. Naquellas horas vagas dos exercícios espirituais compunha Versos a vários assumptos Sagrados, em que se descubria a afluência da sua veya, dos quaes imprimio alguns o Chronista moderno da Provincia da Arrabida Fr. Antonio da Piedade, part. 1, liv. 5, cap. 20 levando entre todos a precedência a Elegia feita à Serra de Arrabida que começa.
Alta Serra deserta donde vejo

As aguas do Occeano de huma banda,

E d’outra salgadas as do Tejo.

Compoz outros versos devotos, que escritos da sua própria maõ se conservaõ no Convento da Verderena da Provincia da Arrabida com este titulo: Diversas Poesias ao divino. Esta Colleçaõ poética fez à petição da Duqueza de Aveyro, e a dedicou à mesma Senhora, da qual existio hum treslado na Bibliotheca do Cardial de Souza. Constava de 21 Eglosas assim pastoris, como piscatórias, Cartas, Odes, Endechas, Redondilhas, e Vilhancicos. Entro os Poemas, que compoz, he celebre o de Santa Catherina Virgem, e Martyr em 8 Rima que começa:

Penas, tormento, dor, e fortaleza

Cantar quero de Santa Catherina

Dotada de sciencia, e de pureza

De amor celestial graça divina,

Cujo favor invoco nesta empresa

Doutra mais branda voz, mais doce digna

Porque danar naõ possa o uerso rudo

De rodas de navalhas verso agudo.

Acaba:
De seu fermoso corpo degolado

Aquella alma ditosa despedida

Nos braços repousou do seu amado,

Em cujo amor se tinha derretida;

O Corpo foy dos Anjos sepultado

Por Virgem, e por Martyr, e por Sabia

No monte de Sinay monte da Arabia.

Delle se lembraõ  com elogios Cardoso Agiol. Lusit., tom. 2, pag. 146 e no Comment. de 12 de Março let. F. Joan Soar. de Brit. Theat. Lusit. Litter. let. A in addit n 1. Ingenium ad Lusitanas musas promptissimum, unde facile versus condebat. F. Pedro Calv. nas Lagrim. dos Just., lib. 1, cap. 11. Joan. à D. Ant. Bib. Franc., tom 1, pag. 146. F. Ant. da Pied. Chron. da Prov. da Arrab., part. 1, liv. 5 do cap. 18 até 20 e o P. Antonio dos Reys no Enthusiasm. Poet. que serva de aparato aos seus agudos epigramas tendo falado de seu Irmaõ Diogo Bernardes, diz com suave elegância: Contiguá in Cathedrá Phaebo statuente Camaenae Illius insignem virtute, et carmine Fratrem Constituére: latus circundat spartea restis, Pro túnica cento est lacerus; viridantis olivae Texuit è ramo facunda Minerva coronam, Imposuitque super vatis caput, utpote ponti Qui toties rabidi fraenabit cantibus iras.

 

[Bibliotheca Lusitana, Historica, Critica e Chronologica, vol. 1]