P. LUIZ GONZALVES DA CAMARA nasceo na Ilha da Madeira onde teve por progenitores a Ioaõ Gonzalves da Camara de Lobos Capitaõ mór da Ilha da Madeira, e a D. Leonor de Vilhena filha de D. Joaõ de Menezes Conde de Tarouca, Prior do Crato, Mordomo mór dos Serenissimos Monarchas D. Ioaõ 2. e D. Manoel, e por irmaõ a Simaõ Gonzalves da Camara primeiro Conde da Calheta. Estudou na Universidade de Pariz as linguas Latina, Grega e Hebraica, e depois Filosofia, e Theologia, e como a natureza o dotou de engenho agudo, e facil comprehensaõ sahio eminente na intelligencia daquelles idiomas, e investigaçaõ destas Faculdades. Restaurada a Universidade de Coimbra por ElRey D. Ioaõ o III. entre os Mestres que vieraõ de Pariz para regentar as Cadeiras foy hum delles Luiz Gonzalves cujo nome se fazia mais plausivel pela feliz uniaõ do esplendor do nascimento e profundidade de sciencia da qual deu evidente testemunho quando no termo de tres dias compoz a Oraçaõ de Sapiencia com que se custumaõ abrir as Escolas na Universidade recitando-a com tanta viveza que arrebatou as atençoens de todos os ouvintes. A este tempo lançava os primeiros alicesses a Companhia de Jesus em Coimbra, e atrahido das persuasoens do P. Pedro Fabro Companheiro de Santo Ignacio a quem em Pariz tratara com summa familiaridade, desprezou heroicamente todo o aplauzo academico, e abraçou o instituto da Companhia a 2. de Abril de 1545. Para extinguir a memoria da patria, e amor dos parentes alcançou faculdade para ter o Noviciado em Valença peregrinando cento, e sincoenta legoas ate chegar a este domecilio em que dezempenhou as obrigaçoens de Noviço sendo Veterano em todo o genero de virtudes. Ainda naõ contava completos tres annos de Religioso quando foy nomeado pelo Padre Simaõ Rodrigues, Reitor do Collegio de Coimbra em cujo governo abonou a acertada eleiçaõ que se fizera da sua pessoa sazonando a verdura dos annos com a madureza das acçoens. Para consolaçaõ dos Christaõs, que padeciaõ horrorosas molestias nas masmorras de Tetuaõ se offereceo com prompta vontade manifestando em taõ laboriosa empreza a ardente charidade que lhe abrasava o coraçaõ até que contrahindo huma grave infermidade passou a Ceuta onde foy tratado benevolamente por D. Affonso de Noronha irmaõ do Marquez de Villa Real Capitaõ daquella Praça. Restituido a Portugal no anno de 1550. foy eleito Confessor do Principe D. Joaõ por ser chamado a Roma o Padre Simaõ Rodrigues por Santo Ignacio que ocupava este lugar. Passados tres annos partio para a Curia como Procurador da Provincia de Portugal onde seu grande Patriarcha como insigne Mestre de Theologia Mystica conhecesse por repetidos exames que fez do seu espirito que observava exactamente as Constituiçoens, o elegeo Superior da Casa professa de Roma, e de tal modo dezempenhou as obrigaçoens deste lugar que o mandou no anno de 1555. por Visitador da Provincia de Portugal. Tendo chegado a Lisboa para exercitar este lugar chegou noticia da morte de Santo Ignacio por cuja causa foy obrigado partir segunda vez a Roma para assistir ao Capitulo Geral em que foy eleito Geral o Padre Diogo Laynes, e elle Assistente da Provincia de Portugal. Desta incumbencia foy promovido a outras mais honorificas quaes eraõ de Mestre, e Confessor delRey D. Sebastiaõ e como naõ podesse a madureza do seu juizo moderar o inquieto animo deste Principe inclinado a emprezas arduas, e temerarias, penetrado da fatalidade que ameaçavaõ a todo o Reyno com a jornada de Africa, cahio gravemente infermo e recebidos os Sacramentos com summa piedade espirou no Collegio de Santo Antaõ de Lisboa a 15. de Março de 1575. quando contava 57. annos de idade. Do collegio antigo de Santo Antaõ foy tresladado para o novo, e depois para a Capella do Santo Crucifixo da Casa professa de S. Roque onde jaz seu irmaõ Martim Gonzalves da Camara. Com excessivas demostraçoens de sentimento recebeo em Evora a noticia da sua morte ElRey D. Sebastiaõ vestindo-se de luto, e recolhido em huma casa pelo espaço de tres dias naõ admetio neste tempo pessoa alguma á sua prezença. Fazem honorifica memoria deste Varaõ religioso Hist. Societ. Part. 4. lib. 3. n. 184. Até 188. Guerreiro Coroa de Sold. esforçados. Part. 1. cap. 15. Andrad. Var. Illustr. Da Comp. Tom. 5. Telles Chron. da Comp. da Provinc. de Portug. Part. 2. liv. 6. cap. 44. 46. 57. e 58. Taner Societ. Jes. Apostol. imitat. pag. 151. Barb. Mem. Pol. e Mil. delRey D. Seb. Part. 1. liv. 1. cap. 16. Santos Hist. Sebast. liv. 1. cap. 4. Franco Imag. da Virt. em o Novic. de Coimb. Tom. 1. liv. 1. cap. 6. até 18. Antonio Ferreir. Poem. Lusit. Cart. 3. do liv. 2.

Porque naõ ousarei livre contigo

Clarissimo Luiz Sprito puro

Só da verdade, e da virtude amigo,

Porque naõ ousarei em tanto escuro

Mostrar a clara luz que tu descobres,

Tomandote por guia, e por meu muro!

Saõ da terra os thezouros assás nobres

Estes desprezas, mostras os divinos

Dons do Ceo quanto em ti mais os encobres.

Foraõ por ti os nossos tempos dignos.

Dever áquella idéa hum Rey formado.

De que tantos atraz foraõ indignos,

Por que foy de Filippe festejado

Do seu grande Alexandre o nascimento

Se naõ pelo Mestre a que foy dado!

Quem naõ ve o geral contentamento

Das altas esperanças em que crias

Ao mundo nova luz no ornamento.

Compoz por ordem delRey D. Ioaõ o III. em o tempo, que assistio em Roma.

Diario das Acçoens de Santo Ignacio de Loyola. Cuja prefaçaõ està impressa na Imag. da Virt. do Nov. de Coimb. Tom. 1. liv. 1. cap. 7. §. 10. composta pelo Padre Antonio Franco. Desta obra, e de seu author se lembra Joan. Soar. de Brito Theatr. Lusit. Litter. Lit. L. n. 33.

Practica feita a ElRey D. Joaõ o III. sobre a restituiçaõ do sitio que tinhaõ os Padres da Companhia para nelle se fundar o Collegio de Coimbra. Começa. As obrigaçoens Senhor, que a Companhia tem de V. A. &c. Está impressa na 2. Part. Da Chron. da Comp. da Provincia de Portug. liv. 6. cap. 35. §. 2. até 7. composta pelo Padre Balthezar Telles.

 

 [Bibliotheca Lusitana, vol. III]