LUIZ DE SOUZA filho segundo de Diogo Lopes de Souza II. Conde de Miranda, Governador do Porto, Presidente do Conselho da Fazenda, Conselheiro de Estado de Portugal na Corte de Madrid, e da Condessa D. Leonor de Mendoça filha de Joaõ Rodrigues de Sá primeiro Conde de Penaguiaõ Camareiro mór, Senhor de Sever, e Alcaide mòr da Cidade do Porto, e de D. Izabel de Mendoça filha de D. Joaõ de Almeida Senhor do Sardoal, e Alcaide mór de Abrantes, e de D. Leonor de Mendoça filha de Simaõ Gonzalves da Camara primeiro Conde da Calheta. Naceo em a Cidade do Porto a 16. de Outubro de 1630. Quando contava nove annos passou com a Condessa sua mãy para a Corte de Madrid onde assistia seu pay, e sendo admitido ao nobilissimo exercicio de Menino da Rainha regulou com tal decoro, e gravidade as suas açoens, que pareciaõ proceder de idade mais madura. Com faculdade de Felippe IV. se restituhio no anno de 1646. a Lisboa onde estudou as letras humanas no Collegio dos Padres Jesuitas em que sahio profundamente versado. A inclinaçaõ, que desde a puericia teve aos livros lhe conciliou o afecto do Principe D. Theodosio insigne cultor de todas as Artes, e sciencias persuadindo-lhe que para sua completa instruçaõ discorresse pelas mais celebres Cortes da Europa já que elle impedido pela Soberania do nacimento o naõ podia executar. Obedeceo promptamente a esta insinuaçaõ do Principe quando ainda naõ contava completos vinte e hum annos de idade e sahindo do porto de Lisboa a 8 de Fevereiro de 1651. ao desembocar o Estreito rendida a Nao por hum Cossario Francez foy condusido a Villa Franca de Niza, e depois de Ver Florença entrou em Roma destinada meta da sua jornada. Nesta grande Corte conciliou com o seu talento politico, e natural civilidade as estimaçoens das primeiras Pessoas entre as quaes se distinguio Innocencio X. que ocupava o solio de Vaticano e para naõ parecer, que passava o tempo ociosamente foy laureado na Sapiencia com as insignias Doutoraes na Faculdade do Direito Pontificio. Recebendo a infausta noticia da morte do seu adorado Principe D. Theodosio sucedida a 15. de Mayo de 1653. taõ altamente lhe penetrou o coraçaõ que esteve resoluto a recolher-se na Cartuxa, para que sepultado no horror daquelle Claustro acompanhasse no modo que lhe era possivel ao Principe defunto. Para eterno testemunho do mais fino obsequio ás suas reaes cinzas lhe erigio em Roma, e o fez publico a todo o mundo por beneficio da impressaõ hum litterario monumento onde se reprezentaõ as quatro Partes do mundo abertas em primorosas estampas explicando em dolorosas elegias a causa de taõ deploravel fatalidade. Sahio com a seguinte inscripçaõ.
Tumulus
Serenissimi Principis Lusitaniae
THEODOSII
Ornatus Virtutibus, oppletus lacrymis
Illius immortalitati
Á Ludovico de Sousa
Comitis Mirandae filio
Uno ex intimis aulae erectus.
Exaltado ao Trono Pontificio Alexandre VII. a 9. de Abril de 1655. o proveo no Deado da Cathedral do Porto, e sahindo de Roma visitou o angelico Santuario da Casa do Loureto donde passou a Venesa, e depois discorreo por Alemanha, Flandes, e Olanda, e Pariz observando judiciosamente a magnificencia, economia, e politica de taõ florentes dominios até que se restituhio a Portugal em 26. de Julho de 1656. Ao tempo que residia no Porto percebendo a opulenta renda do Deado o elegeraõ os Capitulares por votos uniformes Governador daquelle Bispado cujo lugar exercitou com tanta madureza que o nomeou a Magestade de D. Affonso VI. Governador da mesma Cidade, e da sua relaçaõ dezempenhando como do seu talento se esperava estas gravissimas incumbencias. Aos seus merecimentos que excediaõ o numero dos annos foraõ correspondendo os premios nomeando-o em o anno de 1669. ElRey D. Pedro o II. quando era Principe Regente, seu Capellaõ mór em cuja dignidade foy sagrado com o titulo de Bispo de Bona em a Capella Real a 14. de Junho de 1671. Passados quatro annos subio a ocupar a Cadeira Metropolitana de Lisboa da qual tomou posse a 22. de Janeiro de 1676, e de Concelheiro de Estado a 30. de Agosto de 1679. Á sua ardente devoçaõ se deve o Jubileo do Lausperene que pelo circulo do anno se alcança em Lisboa visitando a Christo Sacramentado exposto aos olhos dos Fieis que reverentes o adoraõ. Admirou-se a generosa profusaõ do seu compassivo animo em duas vezes que foy Provedor da Casa da Misericordia. Com magnifica pompa reedificou o Palacio Archiepiscopal, cuja habitaçaõ naõ sómente he digna dos seus sucessores, mas ainda de Principes Soberanos. Tresladou a 4. de Mayo de 1691. as cinzas de seu Pay para hum sumptuoso Mausoleo collocado na Capella de S. Miguel do Real Convento da Batalha, e nelle se lhe gravou huma elegante e conceituosa infcripçaõ. Ultimamente para coroa das dignidades, que possuio, foy creado Cardeal da Igreja Romana pela Santidade de Innocencio XII. a 21. de Julho de 1697. Tendo chegado á idade de 71. annos, dous mezes e desanove dias falleceo piamente no seu Palacio a 4. de Janeiro de 1702. Jaz sepultado (como ordenou) no pavimento da Capella de N. Senhora da Piedade da Claustra da Se em sepultura raza cuberta de huma Campa de pedra negra com estas palavras. Sub tuum praesidium. Á memoria de taõ grande Prelado dedicou o Cabbido solemnes exequias e no fim recitou a oraçaõ funebre com elegancia digna do assumpto o Reverendissimo P. Mestre F. Rodrigo de Lancastre da Ordem dos Pregadores do Conselho de Sua Magestade e do Geral do Santo Officio merecedor pela nobreza do sangue, capacidade do talento, e vastidaõ de litteratura das mayores dignidades. Entre os dotes de que foy ornado o espirito deste Principe Ecclesiastico se distinguio com excesso a magnificencia da qual seja eterno padraõ a selecta, e numerosa Livraria formada com igual dispendio, que eleiçaõ, que com o seguinte elogio descreve Manoel de Souza Moreira Abbade da Igreja das Chans, Secretario do Padroado Real, e Academico da Academia Real no Theatr. Geneal. da Casa de Souza p. 842. Aquel thesoro de toda la divina, y humana erudicion, que en mas de trinta mil volumenes construye la maquina preciosa de su gran Bibliotheca en que sin comparacion se veè excedido el numero de la qualidade; pues a demàs de que son todos los más selectos de todos las artes, sciencias, professiones y facultades, se le añade el exterior asseo, en que facilmente excede a quantas hà celebrado la fama en todos los siglos. A esta magnifica Livraria dedicou o Padre D. Rafael Bluteau Clerigo Regular bem conhecido no Orbe litterario pelas produçoens do seu grande talento o 2. Tom. das Primicias Evangelicas onde lhe faz hum elegantissimo Panegyrico. Igual monumento do magnifico espirito de Luiz de Souza foy a Historia da sua antigua, e illustrissima Casa a qual elegeo por Escritor a Manoel de Souza Moreira hum dos mais discretos homens do seu tempo como diz o Padre D. Manoel Caetano de Souza Cathal. dos Pontif. e Card. Portug. pag. 38. Mandando estampar taõ excellente obra na Impressaõ Real de Pariz em o anno de 1694. Em folha grande, que ocupa mais de mil paginas ornada de trinta Retratos abertos por Pedro Giffar, que reprezentaõ os Heroes da preclarissima Casa de Souza desde o seu principio até o tempo em que se publicou esta obra na qual compete a Arte Typografica com a elegancia historica em obsequio de taõ elevado Assumpto. Diversos elogios consagraraõ á sua memoria celebres Escritores louvando huns o Tumulo que levantou á immortalidade do Principe D. Theodosio como saõ o Licenciado Jorge Cardozo Agiol. Lusit. Tom. 3. p. 283. no Comment. de Mayo de letr. L. dizendo ser estampado com sublime estilo, esuperior elegancia; o Padre Emman. Ludov. Vit. Princip. Theod. Praeloq. n. 15. aureus plane liber Romanae Typographiae, Latinae limatioris linguae, Lusitanae que gloriae in exiguo volumine maximum quidem meo iudicio & decus, & incrementum. O Padre Antonio dos Reys Enthus. Poetic. n. 126.
Souza Theodosium tumulum que rigabat inane
Ipse suis lacrymis toto simul orbe vocato
Terrarum in parte luctùs singultibus antra
Concava triste gemunt; flãt circufusa sororu
Castalidu gemebunda cohors, & maestus Apollo
Lilia que aspergit, tristissima dona, sepulchro.
Outros se difundem nos encomios das suas Virtudes, sendo os principaes o Padre Daniel Papebrochio dedicando o 5. Tom. do mez de Mayo da grande obra do Acta Sanctorum, e o Padre Fr. Francisco de Santo Agostinho Macedo no Myrothecium Morale. Manoel de Souza Moreira Theatr. Hist. Gen. e Paneg. da Casa de Souza pag. 830. até 845. D. Manoel Caetano de Souza Procomissario da Bulla da Cruzada, e Censor da Academia Real. Cathal. dos Pontif. e Cardiaes Portug. p. 32, D. Joseph Barboza Clerigo Regular, e Chronist. da Seren. Casa de Bragança nas Addiçoens ás Notic. de Portug. escritas por Manoel Severim de Faria p. 269. D. Luiz de Salazar, e Castro Hist. Gen. da Cas. de Silv. Part. 2. liv. 12. cap. 13. §. 2. doctissimo en todo o genero de estudios, y gran favorecedor de quantos professan alguno. Franc. de Santa Maria Diar. Portug. pag. 23. Nas materias politicas era o seu voto de grande reputaçao assim pela sua singular prudencia, madureza, e facil comprehensaõ de negocios, como pela liberdade com que votava despido de interesses particulares. Em Pariz se lhe abrio o seu Retrato e na parte inferior está escrito o seguinte epigramma.
Corporis effgies haec est, non mentis imago
Nam nil fucosum mens generosa capit.
Hinc Tagus, hinc Tybris Ludovico libat honores,
Sed cum ter magno faenore uterque suo.
Birrhetum Tybris dum defert fit mare Rubru,
Et Tagus auriferum crescit in Oceanum.
Por sua ordem mandou copiar o livro da Armaria da Torre do Tombo pelo Padre Fr. Simaõ de S. Jozé Religioso de S. Paulo primeiro Ermitaõ insigne no dibuxo, e illuminaçaõ. A esta obra illustrou o Cardial de Souza com huma.
Noticia Historica da Origem de cada Brazaõ. Conserva-se entre os selectos M. S. da grande Casa de Arronches de que he hoje Senhor o Illustrissimo, e Excellentissimo Duque de Lafoens. Da obra, como de seu Eminentissimo Author faz memoria o Padre D. Antonio Caetano de Souza Apparat. á Hist. Gen. da Cas. Real. Portug. p. 141. §. 166. e mais largamente no Tom. 12. part. 1. da Hist. Geneal. p. 537.
[Bibliotheca Lusitana, vol. III]