MANOEL PIMENTEL, Cosmografo mór do Reino, e Fidalgo da Casa Real naceo em Lisboa a 10. de Março de 1650, e recebeo a graça bautismal a 20 do dito mez em a Parochia de Santa Justa. Foy filho segundo de Luiz Serraõ Pimentel Cosmografo mór, e Engenheiro mór do Reino, e Tenente General da Artelharia com exercicio em todas as Provincias do Reino, e de sua segunda mulher, e Prima D. Isabel Godines filha de Manoel Godines, e D. Catherina Godines. Na idade da adolescencia se aplicou ao estudo da lingua Latina em o Collegio patrio de Santo Antaõ, em que fez tal progresso a viveza do seu engenho, que era conhecido por insigne Poeta escrevendo quando contava 14 annos a Vida de S. Francisco Xavier em 860 versos heroicos com tanta elegancia, e artificio, que lendoa na idade provecta de sessenta annos affirmava que parecia ser entaõ composta. Igual capacidade de talento ostentou em a Universidade de Coimbra aplicado á Jurisprudencia Cesarea, e Pontificia em que se graduou no anno de 1674. Voltando á Corte o destinou seu Pay para o exercicio daquella Faculdade reservando para seu filho primogenito a successaõ dos empregos, que occupava. Como o seu entendimento era capaz de comprehender qualquer materia scientifica se fez perito na Cosmografia, que quotidianamente ouvia praticar na casa de seu pay o qual fallecendo infaustamente da queda de hum cavallo a 13 de Dezembro de 1679, foy provido na serventia de Cosmografo mór em o anno de 1680 por seu irmaõ naõ querer o exercicio deste lugar. Para compor as controversias agitadas entre ElRey de Portugal, e o de Castella sobre a demarcaçaõ dos dominios da Colonia do Sacramento entre os Geografos, e Jurisconsultos nomeados para a decisaõ de taõ grave controversia, foy elle eleito com o P. Joaõ Duarte da Costa douto Mathematico, e os Dezembargadores Sebastiaõ Cardoso de Sampayo, e Manoel Lopes de Oliveira. No espaço de tres mezes que assistio em Elvas, em cujo tempo alternadamente vinhaõ a esta Cidade os Castelhanos, e passavaõ os Portuguezes a Badajoz, compoz doutos Tratados em que solidamente estabelecia o direito da Coroa Portugueza naquelles dominios. Na jornada, que seu irmaõ Francisco Pimentel fez no anno de 1684 por ordem delRey D. Pedro II. A Alemanha, substituhio dous annos a Cadeira da Fortificaçaõ, que seu irmaõ regentava onde conciliou aplauso grande pelo eloquente estylo, e admiravel methodo das suas postillas. Passados seis annos da serventia do Officio de Cosmografo mór lhe foy concedida a propriedade no anno de 1687, e ainda que lhe era preciso aplicarse com mayor disvelo ao estudo desta profissaõ nunca interrompeo o comercio das Musas, compondo Elegias com tanta suavidade, que parecia se animava a sua pena com o espirito do Poeta Sulmonense, e escrevendo cartas latinas com a pureza, e elegancia praticadas no seculo de Augusto. Teve profunda intelligencia das linguas Castelhana, Franceza, e Italiana sendo taõ perito, que muitos Romanos se persuadiraõ fallando com elle ser seu patricio deleitando-se tanto com a liçaõ dos seus Poetas, que muitas vezes ouvindo principiar huma Outava de Torquato Tasso a proseguia, como tambem Cantos inteiros, e a celebre Tragicomedia de Guarini, e as Liras de Fulvio Testi. Foy ornado de summa candura, e natural afabilidade. Com a mesma attençaõ tratava as pessoas da primeira Jerarchia que de humilde condiçaõ. Por ser religioso cultor da verdade antes se deixava enganar, do que presumir que alguem lhe mentisse. A clareza, com que explicava as materias scientificas causava naõ pequena admiraçaõ, respondendo com termos taõ perceptiveis a questoens dificultosas que mais pareciaõ expostos aos olhos que communicados aos ouvidos. De qualquer lugar do Globo terrestre que se lhe pedisse noticia a dava taõ individual como se nella tivera assistido. A sua casa era frequentada das mais illustres pessoas do Reino, devendo mais distinctos favores aos Excellentissimos Marquezes de Valença, e Alegrete, e Condes da Ericeira. Com os homens mais eruditos do seu tempo conservou perpetua cõmunicaçaõ, como foraõ Luiz do Couto Feliz Guarda mór da Torre do Tombo, ao qual escreveo duas suavissimas Elegias Latinas, e Aleixo Collotes de Jantillet, Frances de naçaõ, e official de linguas da Secretaria de Estado excellente Poeta latino. Nas mais celebres Academias foy Venerada a sua erudiçaõ, lendo em a dos Generosos, instituida em casa de D. Antonio Alvares da Cunha Trinchante mòr de S. Magestade a exposiçaõ do Tratado de Cicero do sonho de Scipiaõ, e a doutrina de Aristoteles sobre o Ceo em que incluhia deleitaveis questoens de Astronomia. Na Academia Portugueza renovada no anno de 1717 no Palacio do Conde da Ericeira D. Francisco Xavier de Menezes recitou varias liçoens de Filologia, e Filosofia Moral. Certo sempre da Victoria entrou em diversos Certames Academicos, como se vio nos dous mais plausiveis que se fizeraõ nesta Corte, sendo o 1. na Casa de Nossa Senhora da Divina Providencia celebrando os Padres Theatinos no anno de 1713 a Canonizaçaõ do seu illustre alumno Santo André Avelino; e o 2. no Palacio de Joaõ Antonio de Alcaçova, em que se aplaudio no anno de 1716 a ereçaõ da Santa Basilica Patriarchal de Lisboa, merecendo em ambos ser generosamente premiada a sua Musa. Casou no anno de 1689 com sua Prima D. Clara Maria de Miranda, filha de Filippe Serraõ Pimentel, e D. Brites Aires Teresa, de quem teve a D. Brites Teresa Pimentel, e a Luiz Francisco Pimentel Cosmografo mór do Reino digno herdeiro das sciencias, e Virtudes de seu Pay. Fallecendo sua consorte oito dias depois do segundo parto tolerou com heroica constancia este golpe que se fazia mais penetrante pelo reciproco amor que entre ambos havia. No anno de 1718, foy eleito Mestre do Serenissimo Principe do Brasil o Senhor D. Jozé a quem instruio com algumas liçoens de Geografia, e Nautica. Acometido de huma colirica que lhe permittio receber os Sacramentos espirou piamente a 19 de Abril de 1719, quando contava 69 annos de idade. Jaz sepultado no Claustro do Convento de Nossa Senhora do Carmo desta Corte no jazigo da sua Casa. Ouvindo o Serenissimo Principe do Brasil a funesta noticia da sua morte derramou lagrymas em sinal do sentimento da falta de Varaõ taõ insigne, a cujo assumpto compoz hum Romance Castelhano o Excellentissimo Conde da Ericeira D. Francisco Xavier de Menezes, e o seguinte Epigramma o R. P. D. Manoel Caetano de Sousa.

Quum soluit lacrymas morienti regia proles

Splendidius certe nemo Minerval habet.

Fazem honorifica mençaõ do seu nome D. Antonio Caet. de Sousa Hist. Gen. da Casa Real Portug. Tom. 8. p. 339. Fr. Manoel de Sá Mem. dos Escrit. do Carm. pag. 108. D. Rafael Bluteau no Prol. ao Leit. Malev. do Supplem. do Vocab. Portug. O addicionador da Bib. Geograf. de Ant. de Leaõ Tom. 3. col. 1718. e ultimamente o Padre Doutor Fr. Jozé Pereir. de S. Anna Chron. dos Carmel. Calç. da Prov. de Portug. Tom. 1. Part. 4. cap. 18 n. 1633. Varaõ eruditissimo na Jurisprudencia, nas Mathematicas, na lingua Latina, na Historia, e em todo o genero de boas letras.

Compoz

Arte pratica de navegar, e Roteiro das viagens, e costas maritimas do Brasil, Guiné, Angola, Indias, e Ilhas Orientaes, e Occidentaes agora novamente emendado, e acrecentado o Roteiro da Costa de Hespanha, e Mar Mediterraneo. Lisboa, por Bernardo da Costa de Carvalho. 1699. fol. Sahio segunda vez addicionada com este titulo.

Arte de navegar, em que se ensinaõ as regras praticas, e o modo de Cartear pela Carta plana, e reduzida, o modo de Graduar a Balestilha por via dos numeros, e muitos problemas uteis á navegaçaõ, e Roteiro das viagens, e costas maritimas de Guiné, Brasil, e Indias Occidentaes, e Orientaes agora novamente emendadas, e acrecentadas muitas derrotas novas. Lisboa na Officina Deslandeliana 1712. fol. com estampas, & ibi por Francisco da Sylva. 1746. fol. No fim deste livro está huma Elegia do mesmo Author, que consta de 25. Dystichos feita á Agulha de Mariar, cuja obra, como seu Author aplaude o P. Antonio dos Reys Enthus. Poet. n. 156. com estas metricas expressoens.

Ille Pimentelius Lysiae Cosmographus, olim

Qui sulcare feru salvis cum classibus aequor

Naucleros docuit timidos, syrtes que latentes,

Et brevia in medio pelagi malefida carinis

Noscere; cantabat Lapidis cõmercia duro

Cum ferro, & ,quanta hinc expertus commoda nauta

Derivare sibi valeat, ne forte latente

Sydere Parrhasio tumidis jactatur ab undis,

Cumque vià vitam turbato in Gurgite perdat:

Caerula Naiadum procurvo in littore conchas

Quas polit assiduus sabulosae frictus arenae

Legerat ante cohors, verumque imitata figuras

Ordine dispositas vario pingebat in alto

Quem tenet ille, throno dum laurea serta capillis

Aptabat propriis manibus Latonia Proles.

Ode 5. Epigrammas, e Poema de 27 versos tudo na lingua Latina. Sahiraõ no 1. Tomo da Academ. dos Singular. Lisboa por Henrique Valente de Oliveira 1663. 4. & ibi por Manoel Lopes Ferreira 1692. 4.

Opuscula Poetica. M. S. Consta do Poema da Vida de S. Francisco Xavier; varias Epistolas, Prolusoens, Epigrammas.

Colleçaõ de Cartas, e Elegias Latinas. M. S.

Liçoens Academicas recitadas na Academia dos Generosos, e na Academia Portugueza. 4. Consta de varias obras Filologicas, e Fysico-Mathematicas. M. S.

Todas estas obras conserva com a merecida estimaçaõ Luiz Francisco Pimentel, Fidalgo da Casa de Sua Magestade, Cosmografo mòr do Reino, Academico Real, filho do Author de quem em seu lugar se fez distincta memoria.

 

[Bibliotheca Lusitana, vol. III]