D. MARIA, Princeza de Parma, e Placencia naceo em a Cidade de Lisboa a 8 de Dezembro de 1538, sendo feliz produçaõ do Augusto Thalamo dos Infantes D. Duarte Duque de Guimaraens, filho delRey D. Manoel, e de D. Izabel filha de D. Jaime IV. Duque de Bragança. Com portentosa emulaçaõ formaraõ a natureza, e a graça a esta grande Heroina para exemplar de Virtudes, e Oraculo de Sciencias. A soberania do nacimento, e muito menos a delicadeza do sexo naõ serviraõ de obstaculos, para que com continua aplicaçaõ penetrasse os primores da lingoa Latina, e Grega, os segredos da Filosofia, as observaçoens da Mathematica, e os profundos Mysterios de hum e outro Testamento do qual grande parte examinada pelo entendimento a recomendou felizmente á memoria. Estes scientificos dotes illustrados com insigne fermosura, summa modestia, e natural afabilidade a constituiraõ digna, de que Margarida de Austria Governadora de Flandes, filha do Emperador Carlos V. a pertencesse para esposa de seu filho Alexandre Farnese Principe de Parma, filho de Octavio Farnese. Concluido o Tratado destes augustos desposorios na Corte de Madrid a 21 de Março de 1565, expedio Margarida de Austria huma Armada de Flesinga, de que era General Pedro Ernesto, Conde de Mansfelt para conduzir a Princeza, e sahindo do porto de Lisboa a 14 de Setembro, depois de vencidos varios infortunios causados pela inconstancia do mar, chegou a Flesinga, e sendo levada com magestosa comitiva á Cidade de Bruxellas se desposou a 11 de Novembro de 1565, com Alexandre Farnese aquelle Heròe, que competindo com o Macedonio no valor, o excedeo na religiaõ. Para a celebridade deste soberano consorcio se deputou o dia do Apostolo S. André Padroeiro da Ordem Militar do Tusaõ de ouro cumprindo cento e quatro annos, que se instituira em obsequio de outra Princeza Portugueza, qual foy a Senhora D. Izabel, filha delRey D. Joaõ I. A assistencia dos Cavalleiros vestidos de ceremonia fizeraõ este acto igualmente magestoso, que plausivel continuando estes obzequios a Fidalguia de Flandes pelo espaço de muitos dias, em que se admiravaõ unidos generosos dispendios, com sinceros affectos. Deixando saudosos os Estados de Flandes da sua agradavel presença, entrou em Parma a Princeza onde os seus Vassallos explicaraõ o jubilo dos seus coraçoens em soberbas maquinas animadas de elegantes inscripçoens. Todo o seu empenho consistio em querer mais dominar as paixoens, que as vontades dos seus subditos, para cujo fim foy Iris benigno que pacificou discordias inveteradas, Argos vigilante para soccorrer necessidades, e remediar afflicçoens, Astrea prudente para distribuir premios, e castigos quando substituhio o governo do Duque seu Sogro, e do Principe seu marido. Podia o seu Palacio ser norma do Mosteiro mais austero, onde com as suas Damas ocupava o tempo, que lhe restava dos exercicios devotos, em bordar com primoroso artificio diversos paramentos para culto, e ornato dos Altares. Mereceo, que fosse Director da sua consciencia Santo André Avellino, de cujos preceitos sahio consumada na escola da perfeiçaõ Evangelica. Nunca usou de pomposos vestidos como inimiga da vaidade lisonjeando-se daquelles, que sem offensa da soberania eraõ mais conformes á honestidade. Reduzia o corpo ás leys do espirito com tal recato q unicamente eraõ patentes a Deos as suas açoes mortificadas. Prodiga com os pobres, e parca com a sua Pessoa dispendia cõ generosa maõ copiosas esmolas ao mesmo tempo que evitava gastos superfluos. Aborrecia na conversaçaõ toda a pratica, que degenerava em detraçaõ do proximo, como tambem na mesa se abstinha daquelles manjares, que eraõ mais gratos ao gosto. Como vigilante cultora da honestidade se empenhava, para que muitas mulheres deixando a vida escandalosa abraçassem o estado religioso, e para que suas filhas naõ seguissem o seu pernicioso exemplo lhes erigio hum Recolhimento onde conservassem illeza a flor da virgindade. Passados onze annos da sua assistencia em Parma enfermou gravemente de huma prolongada doença, que tolerou com animo varonil. Para fazer mais meritoria esta tolerancia se resignou na vontade de seu Criador offerecendo todas as angustias da fatal hora da morte em satisfaçaõ das suas culpas. Despedio-se com ternura de seus filhos exhortando-os com maximas catholicas ao temor de Deos, e observancia de seus preceitos. Recebidos os Sacramentos com summa piedade, e sustentando com a maõ direita huma vela que lhe mandara para aquella hora a Santidade de Pio V. repetindo tres vezes o Santissimo Nome de JESUS expirou, quando pronunciava estas palavras Domine suscipe spiritum meum a 8 de Julho de 1577, quando contava 39 annos de idade. Foy universalmente lamentada a sua morte aclamandoa o povo por Santa. Na Cathedral se celebraraõ exequias com aquella pompa devida a sua augusta Pessoa. Cantou a Missa o Bispo de Cremona, e recitou o Panegyrico funebre Camillo Platonio Academico dos Innominatos de Parma, e entre os elogios que fez a esta Heroina disse: liberalibus artibus non mediocriter operam dedit, et in Philosophia praecipue Mathematicis disciplinis tãtùm profecit, ut maiorem inde cognitionem hauserit quàm facile sit cuiquam à muliere factum fuisse credere. Jaz com o Principe seu marido no Convento dos Capuchinhos em sepultura raza. Do consorcio contrahido com Alexandre Farnese foy a primeira produçaõ a Princeza Margarida, que nascendo a 7 de Novembro de 1567, casou com o Duque de Mantua Vicente Gonzaga: O Principe Raynucio nacido a 28 de Março de 1569, IV. Duque de Parma, e Placencia Alferes mór da Igreja, Cavalleiro do Tusaõ que falleceo no anno de 1622. Desposou-se no anno de 1600 com a Princeza Margarida Aldobrandina, filha de Joaõ Francisco Aldobrandino Principe de Carpugnano, e da Princeza Olympia, filha de Pedro Aldobrandino irmaõ do Pontifice Clemente VIII. de quem teve larga descendencia. O Principe Duarte Farnese Cardeal da Igreja Romana creado pela Santidade de Gregorio XIV. a 6 de Março de 1591. Foy Bispo de Sabina, e Tusculi legado do Patrimonio de S. Pedro, Protector de Portugal, Aragaõ, Inglaterra, Suecia, Ragusa, e Helvecia, insigne Mecenas dos eruditos, e perfeito exemplar de Prelados. Falleceo em Roma a 21 de Fevereiro de 1626. O P. D. Antonio Caetano de Sousa cahio em hum erro palmar na Hist. Gen. da Cas. Real Portug. Tom. 3. p. 450., escrevendo que este Principe nacera no anno de 1565, quando no mesmo lugar affirma que seu irmaõ mais Velho nacera no anno de 1569. (como certamente naceo) cuja allucinaçaõ podera facilmente evitar se reparasse ter escrito que a Serenissima Senhora D. Maria sua Mãy se recebera em Brucellas com Alexandre Farnese a 11 de Novembro de 1565, e naõ podia no breve espaço de dous mezes que faltavaõ ao anno de 1565 conceber, e parir ao Principe Farnese. Nem pòde servir de desculpa ao P. Sousa cometer este erro guiado pela authoridade de D. Luiz Salazar de Castro que no Ind. das Glor. Da Cas. Farnes. p. 274. escreve que nacera o Principe Duarte no anno de 1565, cujo erro he da impressaõ pois a pag. 660. da mesma obra relatando os filhos que tivera a Senhora Dona Maria colloca o nacimento do Principe Raynuncio a 28 de Março de 1569, que foy o primogenito, e sendo filho segundo Dom Duarte (como certamente foy) devia nacer em 1570, e nunca em 1565. A vida desta insigne Heroina escreveo seu Confessor o P. Sebastiaõ de Moraes Jesuita, em a lingoa Italiana, da qual foy traduzida na Castelhana por Francisco Alvarado, que depois illustrou com notas o Doutor Diogo Peres, as quaes verteo em Italiano Julio Zanchini da Castiglienchio, e sahiraõ, Florença por Filippe Giunii 1593. Diversos Authores celebraõ o nome, e virtudes desta preclarissima Princeza com elogios sempre inferiores ao seu merecimento. P. Jozé Silos Hist. Cler. Reg. Tom. 1. pag. 506. Plane Regiae hujus faeminae partes, ac caelestià dona recensere, ac stylo complecti prolixum omnino esset … cumque elegantiis litterarum, quae erat ejus ingenii amaenitas, ac eruditio, maxime caperetur; frangebat nihilominus ejusmodi genium, ac impetum, ne inter dictionis munditias verdes interdum sententiarum, ut in cultissimis poetis accidit, offenderet. Famian. Strad. de Bello Belg. Decad. 1. lib. 4. p. mihi 114. Celebri fama per Hispaniam puella volitabat, & par erat suae famae: praedicabaturque una ingenio omnia comprehendere, Latina lingua expedite, ac perbene loqui: graecas litteras proxime callere; philosophiam non ignorare, Mathematicorum disciplinas apprime nosse, divina utriusque Testamenti oracula in promptu habere; sed super haec innocentia morum, ac sanctitas eras. Sousa de Macedo Flor. de Espan. cap. 8. excel. II. Supo mucho en Mathematica, y en otras letras humanas, y era muy versada en la escritura. Vasconcel. Descript. Regn. Port. p. 528. perfectae pietatis aliarumque virtutum impressa vestigia ad omnem reliquit immortalitatem. Goes Chron. delRey D. Man. Part. 3. cap. 78. Princezas (falla juntamente de sua irmãa a Senhora D. Catherina) dignas de muitos louvores pelas grandes qualidades, e virtuosas partes que em cada huma dellas ha. Fr. Luiz dos Anjos Jard. de Portug. p. 448. Foy muy douta nas lingoas Latina, e Grega, e além do conhecimento das Artes Liberaes era por extremo versada na sagrada Escritura. Rivera Glor. Immort. delle Donec. illustr. p. 296. dotta en Mathematica, e Astrologia. Bavia Hist. Pontif. P. 3. cap. 27. desde sus primeros anos aun despues de cazada sue continuando grande aspereza de vida. Cavitelli Anal. Cremon. fol. 395. Castissima, et valde proba. Costa Loor de las Mag. fol. 98. Vers. Doctissma y grande Astrologa, y Mathematica. Hypol. Marrac. Heroid. Marian. p. 346. Serenissima, simulque pientissima Heroina. Pacheco Vid. da Inf. D. Mar. liv. 2. cap. 2. ha sido eminente en letras divinas, y humanas, y por excellencia en la sagrada Escritura e sobre esto coronada de tantas virtudes. Leti Hist. de Filip. II. Tom. 2. liv. 18. p. 436. Princeza dotata de ingenio capace di tuto, intelligentissima de la lengua Latina, de la Filosophia, e Mathematica. Froes Theatr. Heroin. Tom. 2. p. 119. Heroina a todas as luzes grande, e p. 122. de claro juizo aguda intelligencia: fallava com promptidaõ a lingoa Latina, comprehendeo a Grega, e naõ ignorava a Filosofia. Nas Mathematicas foy muito douta, e na sciencia da Escritura sagrada teve tanta erudiçaõ, que repetia de memoria os Oraculos de hum, e outro Testamento. Duarte Nunes Descripc. de Portug. fol. 151. vers. Entre as muitas, e raras virtudes, que nella houve se deve sempre fazer mençaõ da grande eminencia, que tinha nas letras divinas, e humanas, porque tinha muita noticia da lingoa Latina, e da Grega: era nas Mathematicas muy douta, e na Filosofia natural, e muito mais na sagrada Escritura, em que continuamente se occupava. Salazar e Castro Ind. de las Glor. De la Cas. Farnes. p. 654. Es summamente dificil la solucion del problema que se puede trazer tratando de la Princeza D. Maria de Portugal sobre qual de sus eminentes circunstancias excediò a las otras, esto es las perfecciones del cuerpo, las virtudes del animo, la felicidad del nacimiento, la dicha del matrimonio, que las mas elevadas alianças. Sousa Hist. Gen. da Cas. Real Portug. Tom. 3. liv. 4. p. 446. Teve grande aplicaçaõ ás boas letras em que gastava o tempo com utilidade escrevendo na lingoa Latina com elegancia, e fallando-a com desembaraço; da lingoa Grega teve bastante conhecimento, e a Filosofia, e Mathematica estudou com cuidado, e no 4. Tom. do Agiol. Lusit. p. 83. a quem a graça, e natureza dotaraõ com singularidade dondolhe hum animo pio, e devoto, condiçaõ branda, e humilde, hum entendimento taõ elevado, que parecia receber illustraçaõ das mesmas virtudes, que praticava.

Compoz

Meditaçoens para as suas Damas. Escritas em Italiano que depois se traduziraõ em Francez, e em ambos estes idiomas se imprimiraõ. Desta obra fazem memoria Salazar Ind. de las Glor. de la Cas. Farnese p. 664. e o P. D. Anton. Caetano de Sousa Agiol. Lusit. Tom. 4. p. 107. no Comment. de 8. de Julho col. 1.

Instruçaõ composta de 31 advertencias que devia obrar exactamente cada dia, e hora. Esta obra que compoz por superior impulso estava reduzida a hum papel que trazia sempre no peito, e foy achada depois da sua morte reclusa em hum escritorio. Sahio impressa na Vida da mesma Princeza escrita por seu Confessor o P. Sebastiaõ de Moraes. Bolonha por Alexandre Bonucci 1578. 8. desde p. 6. Até 15. Traduzida por Francisco Alvarado Jesuita em Castelhano. Madrid. 1591. 8. e em Portuguez, por Fr. Luiz dos Anjos na Jard. de Portug. p. 449. até 456. Coimbra por Nicolao Carvalho 1626. 4. Desta obra faz memoria o P. Famiano Estrada de Bello Belgico. Dec. 1. lib. 4. p. mihi 118. com estas elegantes expressoens. Repertum paulo post ejus obitum in secretiore scrinio commentariolum perbreve, & capitale earum rerum, quam in quotidiana visa, perque horas fere singulas ipsa sibi accuratè haustaque divinitus luce perscripserat. In quibus videre licet (nam hoc quoque cum ejus vita editum est) quale illius fuerit de Christiana perfectione judicium, & qualem se ad eam perfectionis normam conformaret.

Muitas Cartas escritas da sua propria maõ que vimos, se conservaõ no Archivo da Serenissima Casa de Bragança, das quaes fez duas patentes por beneficio da impressaõ o P. D. Antonio Caetano de Sousa nas Prov. da Hist. Gen. da Cas. Real Portug. Tom. 2. p. 689. e 692. A 1. escrita a sua irmãa, a Senhora D. Catherina, sobre a morte da Infanta D. Isabel sua Mãy. A 2. a seu irmaõ D. Duarte.

 

[Bibliotheca Lusitana, vol. III]