D. MARIA, Infanta de Portugal, Senhora de Viseu, e Torres-Vedras, do Senascalado de Agenois em a Provincia de Gascunha, e dos Senhorios de Verdum, e Rieux em Languedoc, naceo em a famosa Lisboa para augmento dos seus claros tymbres a 8 de Junho de 1521, sendo seus augustos progenitores o Serenissimo Monarcha D. Manoel, e sua terceira Consorte a Rainha D. Leonor, irmãa do Cesar Austriaco Carlos V. Conferio-lhe a primeira graça D. Martim Vaz da Costa, Arcebispo de Lisboa, e recebeo a primeira educaçaõ de D. Elvira de Mendoça Camareira mór da Rainha Dona Leonor. Sucedendo pouco tempo depois de nacida a morte de seu grande Pay, e a ausencia de sua Mãy para Castella, foy educada pela Rainha D. Catherina sua Tia, e Cunhada, e em taõ virtuosa escola sahio ornada daquelles dotes, que lhe immortalizaraõ a memoria na posteridade. A viveza do juizo, e a facilidade da comprehensaõ contribuiraõ para velozmente aprender os dialectos das lingoas Latina, e Grega de que teve por Mestra a insigne Matrona Luiza Sigea, Dama de Toledo, que casou com D. Francisco de Cuebas Senhor de Villasur. Ouvio explicadas as difficuldades da Filosofia, e os mysterios da sagrada Escritura por D. Fr. Joaõ Soares Mestre que foy de seu sobrinho o Principe D. Joaõ, o qual depois subio á Cadeira Episcopal de Coimbra. Quando contava 16 annos de idade lhe formou seu irmaõ Dom Joaõ III. Casa composta das pessoas da primeira Nobreza do Reino. Para evitar a occiosidade fecunda mãy de todos os vicios, cõverteo o Palacio em habitaçaõ das Musas, e Palestra de virtudes distribuindo o tempo em louvaveis exercicios, dos quaes era director o insigne Fr. Francisco Foreiro, immortal credito da Ordem Dominicana. Nas horas vagas se deleitava, ouvindo varios instrumentos que destramente tocavaõ as suas Damas, quando outras com o pincel, e a agulha competiaõ entre si no primor da Pintura, e subtileza do favor. O excesso da fermosura, a pratica das virtudes, e a opulencia dos Estados, de que liberalmente a dotaraõ a natureza, graça, e fortuna, foraõ efficazes estimulos para ser pretendida para Esposa dos mayores Principes da Europa, quaes eraõ o Delfim de França, filho de Francisco I. enteado de sua Mãy, D. Fernando de Ungria Rey dos Romanos para seu filho, o Archiduque Maximiliano, e Filippe I. de Castella, cujas pertençoens se frustraraõ por disposiçaõ de Providencia mais alta. Para satisfazer as saudades de sua Mãy originadas do longo intervallo de 37 annos de ausencia, partio de Lisboa no anno de 1558 acompanhada de grande numero de Fidalgos, e avistandose com ella na Cidade de Badajoz, naõ he explicavel o jubilo, e ternura com que ambas se saudaraõ, e querendo a Rainha que a Infanta naõ voltasse a Portugal, lhe offereceo todas as riquezas, e Estados que possuhia; porém lembrada a Infanta do juramento, que dera de se restituir ao Reino, preferio a sua palavra a todas as instancias de sua Mãy, a qual sentio taõ excessivamente esta ausencia, que passados poucos dias a privou da vida. Restituida a Portugal continuou na pratica das virtudes religiosas, sendo a mais recomendavel o celibato que observou regeitando os desposorios de Fernando Rey dos Romanos, depois Emperador de Alemanha solicitados por seu irmaõ D. Joaõ III. a quem affirmou com resoluto animo, que naõ seria Consorte do mayor Monarcha do mundo, sómente para gozar da tranquilidade do espirito, que era incompativel com a Coroa. Consumida de huma febre lenta recebeo com catholica piedade os Sacramentos, que instantemente pedira, e falleceo a 10 de Outubro de 1577, quando contava 56 annos 4 mezes e 2 dias de idade. Foy depositado o seu cadaver no Capitulo do Convento da Madre de Deos de Religiosas da primeira regra de S. Clara, situado no suburbio de Lisboa, donde passados 20 annos foy transferido em 30 de Junho de 1597 com magnifica comitiva, que se compunha dos sinco Governadores do Reino, para o Mosteiro de N. Senhora da Luz distante huma legoa de Lisboa habitado de Religiosos da Ordem Militar de Christo fundaçaõ da mesma Princeza, onde jaz em sepultura raza no pavimento da Capella mór. Junto deste Mosteiro erigio hum magnifico Hospital com sesenta e tres leitos, e lhe consignou abundantes rendas para sustetaçaõ dos enfermos, e enfermeiros. Naõ sómente nestes dous edificios eternizou a piedosa, e magnifica memoria do seu animo, pois tambem saõ obeliscos da sua devota profusaõ o Convento de Lisboa das Comendadeiras da Ordem Militar de S. Bento de Aviz com o titulo de N. Senhora da Encarnaçaõ, o Mosteiro do Calvario de Evora da primeira regra de S. Clara, o Collegio de Coimbra, para os Religiosos Franciscanos, e o Convento dos Capuchos, situado na Villa de Torres-Vedras. A Vida desta insigne Senhora escreveo elegantemente na lingoa Castelhana Fr. Miguel Pacheco, Religioso da Ordem Militar de Christo, e sahio impressa em Lisboa no anno de 1675. Á sua saudosa memoria dedicou hum discreto Panegyrico o grande Joaõ de Barros, que publicou em as Notic. de Portug. o eruditissimo Chantre de Evora Manoel Severim de Faria. Celebraõ o seu nome diversas pennas, como saõ Joan. Soar. de Brito. Theatr. Lusit. Litter. lit. M. n. 4. Faemina undequaque spectatissima, et doctissima. Mariz Dialog. de var. Hist. Dialog. 4. cap. 40. Foy Princeza de angulares virtudes, riquissima de patrimonios hereditarios, de taõ grande casa, que para se igualar ás Rainhas de Europa naõ lhe faltava mais que o nome. Pacheco Vid. da Inf. D. Mar. liv. 2. cap. 2. Se diò a la lengua Latina en que hizo tales progressos, que a poco tiempo socorrida de su docilidad, y talento la escrevio, y hablava como si fuera materna; lo mismo le sucediò con la Grega etc. e cap. 3. Podia ser contada entre las eruditas deste siglo. Macedo Flor. de Espan. Cap. 8. excel. II. En la Poesa fue muy insigne: escrivio en Latin, y tenia perpetuamente Academia de mugeres doctas. Duard. Non. De Ver. Reg. Portug. Geneal. fol. 35. Vers. forma, ingenio, moribus ornatissisma. E na Descripc. de Portug. fol. 151 Vers. Foy muito estudiosa de letras, e fez na lingoa Latina, e outras grande progresso. Vasconcel. Anaceph. Reg. Inst. p. 273. Illibato virginitatis flore, singularisque virtutis exemplo spectatissma. Faria e Sousa. Epit. das Hist. Portug. p. mihi 277. Princeza benemerita de Portugal con ingenio raro, hermosura grande, con virtud igual, con animo soberano. e no Coment. das Rim. de Cam. Tom. 1. p. 164. col. 2. Su casa era una Universdad de mugeres singulares en letras y en otras artes ingeniosas. Vasaeus Chron. Hisp. cap. 9. inter eruditas hujus aevi recenseri merito poterat nisi calamus tanto sucumberet oneri, atque adeo ad tantarum laudum molem subeundam inhorresceret. Osor. de reb. Emman. lib. 12. ingenio, animi magnitudine, et opibus summis excelluit. Nicol. Ant. Bib. Hisp. Tom. 2. p. 346. col. 1. eximiam quamdam exculti bonis quibuscumque artibus ingenii laudem sit consequuta. Ao seu retrato fez o grande Jurisconsulto, e naõ menor Poeta Manoel da Costa o subtil hum elegante Epigrama, que fechou com estas discretas Vozes
Denique si posset mortali lumine cerni
Hac facie virtus conspicienda fores.
Nec tamen ostendi potuit satis illa venustas
Qua toto visum est gratius orbe nihil.
Achilles Estaço, compoz em seu aplauso o seguinte Elogio metrico.
Ecce autem medias inter Pimpleiadas ibat
Virgo alacris lauro flavos redimita capillos;
Et nisi Itoniados nossem simulacra Minervae
Hastamque, Galeamque, trucemque sub Aegide vultum
Pallada credideram incessu Dea maxima certe
Credi digna fuit, etc.
Nunc tecum ò Princeps sermo est mihi maxima, gentis
Lusiadum, et sexùs decus immortale secundi. etc.
Quae quotquot famam ingenii meruere puellas
Aut superas, aut si dicendum paescius aequas.
Cernitur eloquio sexum decorare virilem
Faemina, (cum corvo contingit rarius albo) Artibus ingenuis pollens, linguae
que nitore.
Te tua nobilitas, virtus animosa virago
Quod doctrinarum raperis dulcedine mira,
Atque animi dotes, opibus, sceptris que priores
Judicio ducis, recto que examine librae.
Denique posthabito formae excellentis honore
Desde mollitia, ac penitus langore sepulto
Excollis ingenium studiis operata Minervae.
Nec tibi tam regni spes ablanditur habendi
Quam trahit atonitam facundia docta Platonis,
Quem cumulare jubes libros, tibi pulcra supellex.
Haec placet, haec animum curis oblectat omissis,
Quae stimulare solent, mentes que agitare pusillas.
Salve egregium, Virgo, decus inuptarum.
Ambas estas duas obras latinas, publicou Fr. Miguel Pacheco Vid. da Inf. D. Mar. a fol. 133. vers. e fol. 135. vers.
O divino Camoens lamentou a sua morte, com hum Soneto, que he o 83. Da Centuria 1. e começa
Que levas cruel morte?
Compoz varias obras latinas de q hazen mencion (escreve Fr. Miguel Pacheco na Vida da mesma Princeza liv. 2. cap. 2.) los que tomaron por su cuenta hazer Cathalogo de Authores Portuguezes. Dellas sómente se publicaraõ duas cartas escrita a primeira em reposta de outra a Carlos V. em 12 de Março de 1542, e sahio impressa no liv. 1. cap. 8. da Vida já allegada. A segunda na lingoa Latina a sua Mãy com este titulo
Christianissimae Galliarum Reginae Eleonorae, Matri pientissimae Maria obsequentissima filia salutem. Começa. Pro summo celsitudinis tuae erga me amore. etc. Sahio no liv. 2. cap. 2. da Vida da Infant. e no Tom. 2. das Prov. da Hist. Gen. da Cas. Real. Portug. p. 711.
[Bibliotheca Lusitana, vol. III]