MIGUEL CABEDO DE VASCONCELLOS, naceo em a notavel Villa de Setuval solar da sua illustre Casa em o anno de 1525, sendo seus Progenitores Jorge de Cabedo, Fidalgo da Casa dos Serenissimos Infantes D. Pedro, e D. Fernando, filhos delRey D. Joaõ I. Embaixador á Corte de Pariz, e D. Tereza Pinheiro irmãa de D. Gonçalo Pinheiro Bispo de Viseu. Instruido nas letras humanas para as quaes mostrou prompta comprehensaõ passou no anno de 1538, quando contava treze de idade á Cidade de Bayona por ordem de seu Tio materno Gonçalo Pinheiro que fora mandado pela Magestade de D. Joaõ III. pacificar as controversias altercadas entre a Naçaõ Franceza, e Portugueza. Nesta jornada teve por companheiro a seu irmaõ Joaõ Pinheiro, que depois recebendo o illustre habito de S. Domingos, foy Cathedratico de Vespera na Universidade de Coimbra, e assistio como Theologo delRey D. Sebastiaõ em o Concilio Tridentino. Depois de ter estudado em Bordeos pelo espaço de dous annos as Sciencias amenas se aplicou com summo disvelo na Universidade de Tolosa á Jurisprudencia Cesarea, e Canonica, que ouvio dictadas por Joaõ Corasio, Fernando Berengario, Ferrerio, e Monsumbrano famosos Jurisconsultos daquelle tempo aos quaes se fez muito amavel pela docilidade do genio, e agudeza do juizo. Restituido a Portugal no anno de 1542, frequentou a Universidade de Coimbra sendo discipulo de Martim de Asplicueta Navarro Oraculo dos Canones Pontificios. Voltando segunda vez a França discorreo pelas Universidades de Orleans, e de Pariz, onde quando naõ tinha completos 22 annos de idade publicou a primeira Comedia de Aristophanes intitulada Pluto, traduzida de Grego em Latim, e a dedicou a seu Tio materno que assistia na Corte de França com o caracter de Embaixador de Portugal. Transferido á patria para que naõ estivessem ociosas as suas letras em beneficio da Républica, foy eleito Dezembargador da Casa da Suplicaçaõ de que tomou posse a 2 de Março de 1565, e Desembargador dos Aggravos a 6 de Julho de 1575, cujos lugares administrou com igual moderaçaõ de animo, que rectidaõ de juizo donde se habilitou para ser nomeado por ElRey D. Sebastiaõ na Alçada que mandou no anno de 1571 ás Provincias de Entre Douro, e Minho, e Beira de que era Presidente D. Pedro da Cunha Capitaõ mór da gente da Ordenança de Lisboa, e Pay do Illustrissimo Arcebispo D. Rodrigo da Cunha, cuja incumbencia desempenhou como do seu talento se esperava. Determinando o mesmo Principe instituir hum Triunvirato para o governo economico da Cidade de Lisboa, foy elle o primeiro eleito exercitando com tanto zelo este lugar, que todo o povo lamentou a sua morte como Pay commum, e acerrimo defensor da sua liberdade. Foy casado com D. Leonor Pinheiro de Vasconcellos sua Prima com irmãa, filha de Gonçalo Mendes de Vasconcellos, e de sua mulher D. Brites Pereira, de quem teve a Jorge de Cabedo moço Fidalgo Comendador de S. Maria de Frechas na Ordem de Christo, Desembargador do Paço, Guarda mór da Torre do Tombo, Chanceller mór do Reino, e do Conselho de Estado de Portugal em Madrid: Gonçalo Mendes de Vasconcellos Conego Doutoral de Evora, Desembargador dos Aggravos, Deputado do S. Officio, e Agente de Portugal na Curia Romana dos quaes ambos se fez distincta memoria em seus lugares: Antonio de Cabedo, e Manoel de Cabedo Cavalleiros Maltezes: Joaõ Mendes de Vasconcellos, casou com D. Joanna Freire de Andrade Senhor, e Comendador da Villa de Sousa, junto a Aveiro: Dona Teresa de Vasconcellos, que se desposou com seu Primo com irmaõ Joaõ Gomes de Lemos Senhor de Trofa. Ordenou com summa piedade o seu Testamento, em cujas clausulas se conhecem a diligencia que teve da salvaçaõ da sua alma, tutela dos seus filhos, sucessaõ de seus bens, e deposito das suas cinzas. Falleceo em Lisboa no mez de Abril de 1577, quando contava 52 annos de idade. A natureza o ornou de estatura proporcionada, cabello louro, rosto alegre mas grave, prudencia grande, memoria comprehensiva, e retentiva, engenho perspicaz, juizo subtil, e inclinaçaõ natural para investigar materias difficultosas. Foy insigne Poeta latino admirando-se nos seus versos a elegancia, suavidade, e cadencia dos primeiros corifeos desta divina Arte. Restituhio á sua antiga pureza por hum Original que alcançou da Bibliotheca de S. Victor de Pariz as obras de Sidonio Apollinar que por inercia dos Copistas corriaõ adulteradas. O seu cadaver, que jazia na Igreja Parochial de S. Cruz do Castello de Lisboa, foy transferido para a Capella mór da Igreja Matriz de S. Maria da Graça da Villa de Setuval, da qual he padroeira a sua Casa, e nella se lhe gravou o seguinte epitafio
Esta sepultura he de Miguel de Quebedo, e de Dona Leonor Pinheiro de Vasconcellos sua mulher, da qual lhe fez merce El-Rey D. Sebastiaõ para elles, e todos os seus descendentes.
Em lingoa mais elegante lhe compoz este epitafio a celebre Musa de Ignacio de Moraes.
Ossa Michaelis sunt hic tumulata Cabedi,
Que legu, & juris docta caterva gemit.
Florentem studiis, genere, haud aetate labantem
Mors tulit humanis invidiosa bonis.
Causarum Judex inter quos Regia honorat
Curia praeclarum nomen adeptus erat.
Cingebat gemina (quod rarum est) tempora lauro
Inque forum Phaebum, Castaliasque tulit
Gloria sed maior morum est, & vita probata
Quae numquam à recto de via vere fuit.
Ergo cadaver humo requiescit, ad astra volavit
Mens justa, & justi Judicis ora vidit.
Celebraõ o seu Nome os mais insignes alumnos do Parnaso exaltando com elegantes Elogios as suas virtudes, e o genio feliz que teve para a Poesia, sendo os principaes Petr. Sanches Epist. ad Ignat. Moral.
Et te fleverunt Musae generose Cabedi,
Atque tui Cives, funs respublica multis
Produxit lacrymis, & faemineo ululatu,
Consiliis orbata tuis, & legibus aequis.
Qui quamvis jussu maiora ad munia nostri
Cesaris electus semper tamen omine dextro
Adictus Musis, Musas, & Carmen amasti,
Et Pelusiacum, qui personat ore trisulco,
Inferni Raptoris equos, stygios que Hymneos,
Tartareasque domus tentabas vincere cantu.
Jacobus Mendes de Vasconcellos in laudem clarissimae Civitatis Olyssiponensis.
Id praestare tibi mei Cabedi
Felix Musa potest parem vetustis
Quem Cetobriga protulit poetis.
Felices ubi jaspidum colossos
Piscosi sinus alluit profundi
Huic altam tribuit Minerva mentem
Dulci pectore condiens lepore.
Excultum eloquium dedere Musae
Miscentes Latiis Sales Pelasgos.
Phaebus plectra dedit quibus Maronem
Donarat, Colophoniumque vatem.
Hausit Caesaris fluenta juris
Puris fontibus, omniumque nodos
Legum solvere, vel Papiniano
Novit rectius,elegantiusque.
His ad purpurei gradum senatùs
Evectus meritis, proboque magni
Regis judicio, diuque claro
Functus munere, clariore fama.
Nunc inter celebres honore patres
Versatur populis tuis regendis
Quos ipsa (Ulyssipo) auspicio bono creasti
Priscis Romulidum pares Tribunis.
- Emmanuel Pimenta S. J. in Ode
Obliviones non ego lividas
Sinam labores carpere maximi,
Et facta Kabedi superba
Ingenuis cumulata palmis.
Aequum merenti reddere gratias
Qui gloriosus, sive superbus
Dum fraenat insignem per annum
Jure domos Ithaci beatas.
Praeses severae jure potentiae
Dum regna lustrat proxima lucis
Vel flore, vel lympha fugaci
Elysias imitata Sylvas.
Seu Consulentis Regia Curiae
Consulta lingua provehit aurea
Prudens futuri, vel per usus
Dotibus ingenii superbus.
Seu clara profert lumina patriae
Claros decoro lumine liberos
Qui ardor in morem Leonum
Ense sacro lacerare Turcas.
Cui nec procela, nec fuga temporum
Mavorsque, vel mors Marte potentior
No ira caeli fulminantis
Excutiet meritos honores.
Petrus Mendes in Epistol. ad Gregor. Cabedium Michaelis filium
Hic ille est Michael, quondam qui rostra Togati Ordinis, & claros, qui primus obibat honores Ille erat hic Michael Musarum gloria, Phaebi Grande decus, patriae lampas, delecta Tonanti Progenies, cujus nomen per saecula semper Vivet, & aeternos sine fine virescet in annos.
O Licenciado Jorge Cardoso Agiol. Lusit. Tom. 2. p. 24. col. 2. o intitula Celebre Poeta, e famoso Jurisconsulto. e Antonio Carvalho da Costa Corog. Portug. Tom. 3. pag. 295. Insigne Jurista.
Compoz
Plutus Aristophanis Comaedia in Latinum conversa Sermonem. D. Gundissalvo Pinario Visensi Episcopo Joannis III. Lusitaniae Regis in Gallia Legato avunculo suo. Parisiis apud Michaelim Vascosanum. 1547. 8.
In Nuptias Serenissimorum Principum Joannis & Joannae Regis Sebastiani primi parentum. 4. Sem lugar da ediçaõ, e anno. He em verso heroico.
In Partum Joannae Serenissimae Lusitaniae Principis Sororis potentissimi, & invictissimi Catholici Philippi Hispaniae Regis. Conimbricae apud Joannem Barreira. Typ. Reg. 1554. 4. Poema heroico.
Vota xvii. pro felicissimo Natali potentissimi Regis Lusitaniae Sebastiani. Ulysipone apud Franciscum Correa 1576. 4. Poema heroico. Todas estas obras Poeticas sahiraõ reimpressas. Romae apud Bernardum Bassam 1597. 8. em o livro de Antiquitatibus Lusitaniae de André de Resende, desde p. 407. até 510. Onde estaõ outras obras Poeticas de Miguel de Cabedo, com tres cartas Latinas escrita a 1. a Antonio Pinheiro Bispo de Miranda: a 2. a Jeronymo Osorio Bispo de Sylves: e a 3. ao Santo Pontifice Pio V. Ultimamente no Corpus illustrium Poetarum Lusitanorum qui Latine scripserunt Tom. 1. Lisbonae Typis Regalibus Sylvianis. 1745. 4. Sahiraõ novamente impressas todas as Poesias de Miguel de Cabedo excepto a traduçaõ da Comedia intitulada Pluto desde p. 393. até 439.
[Bibliotheca Lusitana, vol. III]